A longevidade, palavra de tão frequente uso por parte de Cristiano Ronaldo, é um dos maiores pontos a favor da fantástica carreira do português. O madeirense esteve quase duas décadas entre os melhores do futebol, com mil e um feitos que o demonstram: foi o primeiro homem a marcar em cinco Mundiais, fez golos em provas europeias em anos tão distantes como 2005 e 2022, esteve no pódio da Bola de Ouro em 2007 e 2019.
No entanto, o contrato assinado com o Al-Nassr, da Arábia Saudita, coloca, pela primeira vez desde 2003, o avançado fora da elite do futebol. Pouco antes de cumprir 38 anos, Cristiano sai da primeira linha do jogo a uma idade bem mais adiantada do que sucedeu com outros mitos da bola.
Desde há muito que se repete a tendência de as principais estrelas do futebol passarem por ligas periféricas, a oriente ou ocidente, antes de terminaram definitivamente as carreiras. Ainda assim, um olhar para a idade com o que o fizeram evidencia a tão badalada longevidade de Ronaldo.
O rei Pelé tinha 34 anos quando assinou pelo New York Cosmos; Eusébio da Silva Ferreira tinha 33 quando atravessou o Atlântico rumo aos Boston Minutemen; Cruyff contava 32 voltas ao sol quando foi para os LA Aztecs, ainda que depois tenha regressado aos Países Baixos para voltar ao Ajax e acabar no Feyenoord; Diego Armando Maradona somava apenas três décadas de existência quando saiu do Nápoles e começou um longo processo de decadência; Ronaldo Nazário tinha 32 na altura em que voltou ao Brasil, para representar o Corinthians; Ronaldinho tinha 31 quando assinou pelo Flamengo.
Mito que disse adeus estando ainda em grande nível, mas já não no auge, terá sido Zinedine Zidane. Aos 34 anos, e depois de uma temporada em que foi primeira opção no Real Madrid, o francês optou por terminar a carreira depois do Mundial 2006. Na Alemanha, o mago levitou, deixando exibições gloriosas contra Espanha ou Brasil. Na final, contra Itália, começou por fazer o 1-0, mas a cabeçada a Materazzi e os penáltis perdidos pela sua seleção levaram-no a abandonar passando, literalmente, a centímetros do troféu mais cobiçado.
Pelé, Beckenbauer, Cruyff, Eusébio: mitos no soccer dos anos 70
Em 1975, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, estava retirado. Depois de vencer os Mundiais de 1958, 1962 e 1970, o brasileiro, que faleceu na quinta-feira, despedira-se do futebol a 2 de outubro de 1974, num Santos - Ponte Preta, no final do qual se ajoelhou no campo e disse adeus. Faria 34 anos pouco depois, a 23 de outubro.
O New York Cosmos, clube de uns Estados Unidos da América onde o futebol era uma modalidade inteiramente por desenvolver, já tinham apresentado, nas épocas anteriores, propostas milionárias a Pelé, todas recusadas, Mas, em 1975, a situação financeira do rei obrigou a novo pensamento.
A Fiolax, uma fábrica de peças de borracha na qual Pelé tinha uma pequena participação, foi à falência. O brasileiro era o fiador num empréstimo milionário contraído pela empresa, ficando assim com uma avultada conta para pagar. A solução para os problemas financeiros de Pelé foi adiar a reformar e partir rumo a Nova Iorque.
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Notícias da época dão conta de um salário de 9 milhões de dólares por temporada, o mais elevado do desporto mundial naquele momento. Até 1977, Pelé maravilhou os adeptos do então imberbe soccer, com as suas proezas e golos — para não variar, há controvérsia sobre quantos foram, com números tão díspares como 31 ou 67.
Vivendo em Nova Iorque com a mulher Rosemeri e os filhos Edinho e Kelly, os anos de Pelé nos EUA serviram para que a popularidade do tricampeão mundial aumentasse, colocando-o dentro do star system. Houve encontros e compromissos comerciais com Muhammad Ali, Andy Warhol, Rod Stewart ou Frank Sinatra. Pelé estudava inglês na mesma escola onde John Lennon aprendia japonês.
A despedida definitiva do futebol dar-se-ia a 1 de outubro de 1977. A lista de convidados do último jogo de Pelé, num estádio dos Giants com mais de 75.000 pessoas, demonstra o estatuto do jogador nos EUA: além de Ali, estiveram lá Mick Jagger, Henry Kissinger ou Jeff Carter, filho do presidente Jimmy Carter. O brasileiro disse adeus ao futebol com o célebre “love, love, love”.
No Cosmos, Pelé chegou a ser companheiro de Franz Beckenbauer. O kaizer trocou o Bayern por Nova Iorque em 1977, ficando lá até, em 1980, regressar à Alemanha, para o Hamburgo. Após duas temporadas na Bundesliga, regressou para um ano final no Cosmos.
Também em 1975, Eusébio da Silva Ferreira, dois anos mais novo que Pelé, aterrou no soccer. O português, depois de sair do Benfica e já martirizado por lesões, assinou pelos Boston Minutemen, onde se deu um duelo contra Pelé, qual reedição do Portugal - Brasil de 1966.
No seu ano de estreia no soccer, Eusébio venceria o título da NASL, numa equipa onde havia outro magriço, António Simões. O português nascido em Moçambique alinharia, também, nos Toronto Metros-Croatia, Las Vegas Quicksilver, New Jersey Americans e Buffalo Stallions.
Pelo meio das aventuras norte-americanas, Eusébio representaria o Monterrey, no México, tendo-se despedido do futebol português longe do Benfica. Em 1976, aos 34 anos, assinou pelo Beira-Mar, onde fez três golos em 12 encontros. Depois alinharia ainda no União de Tomar, também marcando três vezes numa dúzia de desafios.
Eusébio nos Boston Minutemen, em 1976
Boston Globe/Getty
Menos linear foi o final de Johan Cruyff. O lendário n.º14 assinou pelos LA Aztecs, depois de sair do Barcelona, em 1979. Também embarcando no soccer das estrelas da segunda metade dos anos 70, vestiria ainda a camisola dos Washington Diplomats.
No entanto, Cruyff voltaria à Europa, primeiro para o Levante, em Espanha, e depois acabando a carreira nos Países Baixos. Em 1981/82 e 1982/83 esteve de volta ao Ajax, sendo campeão na última época como jogador, em 1983/84, no Feyenoord.
A longa decadência de Maradona
O último jogo oficial da carreira de Diego Armando Maradona foi a 25 de outubro de 1997, num River - Boca disputado cinco dias antes de el pibe cumprir 37 anos. No entanto, essa despedida veio após muitos anos em que o argentino esteve longe da elite do futebol.
A longa decadência do diez começou pouco depois do Mundial 1990, quando Maradona tinha 30 anos. Em 1990/91, Diego sofreu a primeira suspensão por doping, num positivo a cocaína que lhe valeu 15 meses de fora dos relvados. A partir daí, o nível mostrado nos melhores anos na seleção e no Nápoles não mais voltou.
Maradona no Boca Juniors na parte final da carreira
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Maradona teve uma breve passagem pelo Sevilha, em 1992/93, e outra pelo Newell's Old Boys. Ainda tentou voltar à elite para o Mundial 1994, mas o positivo a efedrina durante o torneio nos EUA voltou a atirá-lo para os infernos desportivos.
Até 1997, Maradona foi tendo um pé fora e outro dentro do Boca, com diversas polémicas e atuações com alguns momentos de genialidade, mas longe do primeiro plano futebolístico. O pendurar das botas deu-se quando há muito o trono do futebol já não era do pelusa, outro mito que fica longe da longevidade de Cristiano.
Figo e a ida abortada para a Arábia
Talvez nenhuma lenda tenha estado tão perto de abandonar em glória como Zinedine Zidane. O Bola de Ouro de 1998, campeão do mundo e da Europa com a França, anunciou antes do Alemanha 2006 que abandonaria o jogo depois da competição, isto quando ainda era figura no Real Madrid e na seleção.
Após uma fase de grupos de pouco brilho, Zidane esteve a alto nível em cada eliminatória. Marcou à Espanha no triunfo (3-1) nos oitavos-de-final, assistiu contra o Brasil (1-0) no duelo seguinte, bateu o penálti que eliminou Portugal (1-0) nas ‘meias’.
Na final contra Itália, Zidane começou por fazer, de penálti, o 1-0, aproximando a França do triunfo numa competição em que o criativo foi eleito o melhor jogador. Os italianos empataram e o duelo iria para prolongamento.
A última imagem do Zidane jogador: expulso na final do Mundial 2006
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Nos 30 minutos suplementares, o craque esteve perto de ser herói, tal como em 1998. Um cabeceamento seu com selo de golo foi parado com classe por Buffon. Pouco depois, Zidane correspondeu a uma provocação de Materazzi e agrediu o central italiano com uma cabeçada. Foi expulso, tornando-se icónica a sua saída passando ao lado do troféu. França acabaria derrotada nos penáltis.
Amigo de Zidane e seu companheiro no Real Madrid galático, Luís Figo também nunca saiu do futebol europeu, retirando-se em 2008/09 no Inter de José Mourinho, numa fase em que já não tinha o protagonismo de outrora. Nessa campanha de fecho da carreira, Figo fez 26 jogos, 13 como titular, marcando por uma vez.
O extremo, que abandonou a seleção depois do Mundial 2006, esteve quase a tomar opção semelhante à de Cristiano Ronaldo. No começo de 2007, Figo anunciou que reforçaria o Al-Ittihad, da Arábia Saudita. O acordo era que o português terminasse a época 2006/07 no Inter e depois rumasse a Oriente, tendo mesmo posado com a camisola do clube.
No entanto, a transferência acabaria por não se concretizar. Em maio de 2007, Figo comunicou que "apesar do acordo alcançado entre as partes no dia 4 de janeiro de 2007, o Clube de Futebol Al-Ittihad não cumpriu de forma definitiva as obrigações previstas nos mencionados documentos assinados pelas partes, sendo que tal violação unilateral não é já susceptível de reparação pelo clube Al-Ittihad." O português acabaria por cumprir mais duas temporadas em Milão antes do ponto final.
O adeus de Figo ao futebol, num Inter - Atalanta, em maio de 2009
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Ronaldinho e Ronaldo, dizer adeus em casa
Ronaldinho e Ronaldo terminaram as suas brilhantes carreiras saindo da elite do futebol europeu, mas em ambos os casos para pendurarem as botas no Brasil.
Ronaldo, massacrado por lesões, baixou o seu rendimento ainda antes de cumprir 30 anos. Em janeiro de 2007, meses depois de cumprir três décadas de vida, o avançado trocou o Real Madrid pelo AC Milan, numa fase em que já estava longe dos melhores jogadores do momento. Em temporada e meia em Itália só fez 20 partidas, marcando nove vezes.
Em 2009, com 32 voltas ao sol, o Fenómeno foi para o Corinthians. No clube paulista ainda fez 35 golos em 69 partidas, mas os problemas físicos obrigaram-no a retirar-se antes de cumprir 35 anos.
Também Ronaldinho Gaúcho saiu do primeiro plano sensivelmente aos 30 anos. Em 2011, antes de cumprir 31, saiu do AC Milan, onde já não tinha apresentado a magia dos melhores anos em Barcelona, para assinar pelo Flamengo.
Até ao adeus definitivo, em 2015, Ronaldinho jogou, também, no Atlético Mineiro — onde venceria a Libertadores em 2013 — e no Fluminense, onde se retirou em 2015. Pelo meio, teve uma breve passagem pelo Querétaro, do México.