A caderneta de cromos do Mundial do Catar está a enlouquecer os argentinos, habitualmente fãs deste tipo de coleção. Há escassez de “figuritas”, como lhes chamam naquele país, o que já obrigou o governo a intervir para mediar o conflito entre a empresa criadora da caderneta, a Panini, e os quiosques espalhados pela Argentina.
O jornal espanhol “El Pais” refere que as pessoas fazem fila e aguardam horas para conseguirem os cromo. Entretanto, os preços disparam no mercado clandestino, sendo o exemplar referente a Messi o mais evidentemente procurado. Diz o órgão de comunicação que o autocolante com a cara do jogador do PSG chega aos 300 dólares no circuito menos recomendável. Nos transportes públicos, há vendedores de cromos falsos.
Julián Ramírez, estudante de enfermagem de 22 anos, falou ao diário e assumiu que esteve na fila desde as seis da manhã, em frente a um quiosque. “É o único sítio onde consigo [comprar]”, explica. Atrás dele, Luisa Gonzáles, de 64 anos, fez o esforço pelos netos.
Os donos dos quiosques estão revoltados e culpam a Panini por tê-los deixado fora do negócio, privilegiando pontos de venda menos convencionais, como supermercados, gasolineiras ou aplicações online. A empresa assegura que a procura das “figuritas” superou qualquer previsão e pede tempo.
Juan Vargas, dono de uma loja de Buenos Aires especializada em colecionismo, tem na sua mesa cerca de 1.000 cromos soltos que sobraram após completar dois álbuns que venderá a colecionadores. O comerciante confirma que as sobras, que não têm numeração e são dedicadas a grandes estrelas como Messi, mas também Cristiano Ronaldo, são particularmente difíceis de encontrar. “Numa caixa de 1.000 sobras, encontrei quatro, noutra seis”, conta. Juan segue a trajetória dos cromos em grupos nas redes sociais. “Conseguir um Messi extra pode ser um grande negócio”.
“Nunca tinha visto uma coisa assim”, admite Vargas, sobre a loucura gerada em 2022, contando que os clientes lhe chegaram a tentar invadir a loja. A estatística dá-lhe razão, diz “El Pais”. Comparando com o Mundial da Rússia, em 2018, venderam-se agora mais 42% de saquetas de cromos. A procura foi inesperada, mas tem uma razão: os argentinos sabem que esta será provavelmente a última campanha de Lionel Messi e têm fé na sua seleção, principalmente depois de esta ter batido o Brasil na final da Copa América, em 2021.
O que continua por esclarecer é a escassez de exemplares. Existem mesmo teorias da conspiração que incluem uma preferência da Panini pelos rivais do Brasil ou a estratégia da empresa para acelerar as vendas compulsivas à medida que se aproxima o Mundial.
Nalguns quiosques há cartazes afixados com o aviso: “Não temos ‘figuritas’”. Num desses espaços, vai-se mais longe. Num pedaço de cartão, é possível ler-se: “Panini traidora!”. O dono pragueja contra o que considera uma injustiça: “Nós vendemos os cromos durante o ano todo. A bomba de combustível e o supermercado não. É desleal”.
O governo argentino chamou as partes para uma reunião. A magnitude do evento, com quatro altos funcionários presentes, mereceu críticas, num país em que existem – ou deveriam existir – outras prioridades. “Para muitos pode ser banal, mas para o dono do quiosque é um prato de comida”, disse um dos envolvidos.