Quando Malcolm Glazer, um magnata norte-americano, garantiu 75,7% da sociedade desportiva do Manchester United – 2.352.123 ações, cada uma custou 5,6 dólares –, em meados de maio de 2005, contava já com imensa gente contra ele. Fizeram-se campanhas, pediram-se roupas e bandeiras pretas nas bancadas, apelou-se à não renovação dos bilhetes de época e até se ouviram antigas lendas do clube contra o negócio.
“O Manchester United existe há mais de um século, com a sua filosofia e identidade próprias, assim como um muito sólido sentido de formação de jovens”, disse na altura Eric Cantona. “E agora vem um norte-americano não se sabe de onde que não percebe nada de futebol. Estou cem por cento ao lado dos adeptos. Estou zangado e desiludido com as pessoas que deixaram esta pessoa obter controlo.”
Um artigo do “The Guardian” de então refere algo tremendamente intrigante: acreditava-se que o lugar de Alex Ferguson não estava em risco, o que era visto como um trunfo para amenizar o humor dos insatisfeitos adeptos. Depois disso, o escocês e o seu fergie time superaram a hegemonia do Liverpool no principal escalão do futebol inglês.
Na altura, há mais de 17 anos e com Cristiano Ronaldo no elenco, Malcolm Glazer adquiriu o gigante de Manchester por 790 milhões de libras, que se traduziriam hoje em dia em qualquer coisa como €1,2 mil milhões. Ou seja, €936 milhões que passariam a ser €1,42 mil milhões em 2022.

Bryan Glazer, o filho de Malcolm Glazer, no centro, em 2006
John Peters
Muitos anos volvidos, muitos títulos e grandíssimos futebolistas depois, o Manchester United vive tempos sombrios, é uma casa a arder. As queixas dos adeptos, gritadas pelo sempre audível e categórico Gary Neville, não se limitam aos atuais resultados, terríveis por agora, com duas derrotas em duas jornadas e o último lugar da Premier League.
As lamúrias mordem também a gestão em si. Afinal, é um clube que terminou a temporada 2021/22 em 6.º lugar e que não vence o campeonato desde 2013. Mais: após a saída de Ferguson, nesse ano, testemunhou-se um desnorte com a chegada de treinadores, nomeadamente David Moyes, Louis van Gaal, José Mourinho, Ole Gunnar Solskjær, Ralf Rangnick e agora Erik ten Hag. Mesmo o destino do Estádio Old Trafford é uma incógnita, já que terá de ser reformulado ou até substituído mesmo. A iminente saída de Cristiano Ronaldo e tudo o que isso representa em tempos de crise também poderá deixar marcas.
Perante todo este cenário, com a queda aparentemente definitiva da Superliga, num pós-covid que ainda não é um definitivo pós, mas que parece, e com a recente venda milionária do Chelsea por um valor perto dos €5 mil milhões, a família Glazer estará a admitir vender o clube, ou uma parte dele. O “negócio do século”, escreve o "The Independent" citando alguns entendidos no assunto, poderá estar a ser magicado e seria finalizado entre os próximos 12 e 24 meses. A verba apontada ronda os €5,9 mil milhões.
Jim Ratcliffe, um milionário da Grande Manchester que é Sir, admitiu estar interessado na aquisição. O britânico, de 69 anos, é o principal acionista e o diretor-executivo da Ineos, uma multinacional da indústria química que detém o Nice, da liga francesa. Ratcliffe, que terá tentado comprar ou pelo menos apalpar terreno aquando da venda do Chelsea, devido às sanções a Roman Abramovich pela invasão russa na Ucrânia, já teria demonstrado o interesse em adquirir o Manchester United no passado.

Jim Ratcliffe, de 69 anos, é o principal acionista e o diretor-executivo da Ineos
BERTRAND GUAY
Agora, parece ser a valer. “Se o clube está à venda, o Jim é definitivamente um potencial comprador”, disse, ao “The Times, um porta-voz de Ratcliffe. “Se algo assim for possível, estaríamos interessados em falar” com vista a um projeto a longo prazo, revelou. “Isto não tem a ver com o dinheiro que foi gasto ou que não foi gasto, o Jim está a ver o que se pode fazer agora e, sabendo o quão importante é o clube para a cidade, parece ser o tempo certo para um reset.”
O processo, acredita-se, deverá ser muito mais demorado que o do Chelsea, acelerado pelo congelamento do clube e, claro, pela pressão da opinião pública e sanções devido à guerra criada pela Rússia em território ucraniano. Nos interregnos das respostas, vão surgindo guinadas humorísticas ou especulativas, com Elon Musk a escrever nas redes sociais que ia comprar o United, motivando um sem fim de memes.
Apesar dos sinais e de toda a insatisfação, a “Bloomberg” escreveu que a família Glazer estará apenas aberta a vender uma participação minoritária do Manchester United. O clube, cujas ações terão subido 7,6% em Nova Iorque na quarta-feira, não confirmou qualquer investida de potenciais compradores ou investidores, ou até se há conversas a decorrer. Contudo, fontes no clube admitiram à “Bloomberg” que já terá havido discussões preliminares sobre a eventualidade de entrar um novo investidor nos gabinetes do Old Trafford.