Lidar com a pressão é o que distingue futebolistas. A eletricidade de Ana Capeta não lhe impacienta as receções, ela mata bolas suavemente no pé e gosta de ‘explodir’ com mudanças de direção no segundo toque; a trintona Dolores Silva converge com os 20 anos de Andreia Norton, são jogadoras de terem bola de frente para o jogo e as adversárias, mulheres de passe fácil e facilitadoras de jogo; Tatiana Pinto é média sem pausas, se um passe lhe chega recebe-o para fugir, desviar ou logo partir em corrida e Jéssica Silva não dá toques sem truques, ter alguém por perto a querer roubá-la funciona como gatilho para ela descortinar uma forma malabarense de se escapar.
Cada qual com a sua mania para lidar com a pressão, ativo intangível no futebol. Conseguimos reconhecer os sintomas, não é complicado reparar quando uma jogadora da seleção nacional tinha uma japonesa nas redondezas, mas está para ser inventada uma engenhoca que nos deixe espreitar as assoalhadas da cabeça de quem joga, auscultar-lhes as correntes de ar que sopram quando estão para receber a bola e no sonar detetam alguém nas redondezas. Haver um corpo perto, seja a um metro ou a encostar o corpo, é o gatilho que dispara a relação que Ana, Dolores, Andreia, Tatiana ou Jéssica acionam, cada uma diferente e todas juntas preferivelmente iguais.
Não é um paradoxo, mas uma intenção querida por Francisco Neto, o encarregado da escadaria que eleva a bitola da equipa nacional há seis anos. Depois da estreia em Europeus, da repetição dessa proeza e de escancarada, há dois meses, a qualificação inédita para o Mundial, o selecionador quer as jogadoras a “crescer na capacidade de ter bola sob pressão”. Se a ideia era sobrecarregar as portuguesas de pressão prática, no campo, boa-vindar o Japão no primeiro de dois jogos entre o apuramento e o dia em que tiver de enumerar as convocadas para o torneio fazia sentido.
Jogadoras de muita bola no pé, passes curtos, tabelas e trocas posicionais, as japonesas cheias de técnica nas chuteiras foram a Guimarães pressionar alto, apanágio de uma seleção que vive para ter a posse e não suporta viver sem a ter. Portanto, iam incomodar, morder receções de bola e obrigar as portuguesas a pensarem rápido, executarem prontamente e habituarem-se a fazê-lo. Aos 25’ e em cadeia, fizeram-no: Jéssica ajeitou de cabeça uma bola vinda do ar, Diana Silva recebeu-a de frente, esperou o arranque da providenciadora, lançou-lhe um passe no espaço e a atacante esperou pela saída da guarda-redes para tocar em Ana Capeta, que se limitou a encostar o 1-0. Irrequietas, as três da frente fabricavam um golo sozinhas após a estratégia funcionar.
Porque a primeira parte foi de um isco a ser apresentado pela seleção na saída de bola. À espera da previsível pressão do Japão, a construção baseava-se nas centrais de Portugal, que viam adversárias a acercarem-se caso uma das laterais lhes devolvesse um passe, claro sinal de pressão, mas não avistavam aproximações de Dolores Silva ou Andreia Jacinto, médias que se mantinham nas costas da primeira linha de pressão das asiáticas. Era um convite às meio-campistas adversárias ficarem por ali, longe de acudirem às coberturas ou segundas bolas que resultassem do engodo criado - chamar a pressão para Carole Costa ou Ana Seiça jogarem depois direto para as três da frente.




Não era bem jogar sob pressão, mas com a pressão. Parecido, mas não igual ao professado na véspera, que deu um golo e quase outro nos minutos seguintes, quando Ana Capeta foi lançada na profundidade para rematar contra a guarda-redes e a encamisolada Tatiana Pinto, única de mangas compridas numa tarde mascarada de verão, acertar com a recarga na mesma Yamashita. E o resto do tempo a seleção contou a lidar com essa pressão, defendendo-se dela mais do que jogando perante ela.
As japonesas de receção e passe irrepreensíveis, pequenas máquinas que sabem tudo sobre esses atos basilares do futebol, enredavam as portuguesas num jogo de caça às sombras, a bola estava à vista e depois já não, de um lado ao outro do campo iam tocando, tocando e tocando com tabelas constantes até acelerarem no momento certo. Aos 36’, um rasteiro passe com força de remate lançou Sugita na esquerda, que logo passou à diagonal curta de Tanaka entre central e lateral para a extrema acelerar e passar a Hasegawa, que se antecipou ao primeiro poste para o 1-1. Com 53’, acabada de recuperar uma bola, a talentosa marcadora do golo virou-se na linha do meio-campo, importunada por ninguém, rasgou um raro passe nas costas e Tanaka correu para, com classe, picar o 1-2 para lá de Inês Pereira.
A guarda-redes fez três paradas na segunda parte a evitarem que o resultado personificasse um praticante de sumo, a desvantagem não engordaria, nem com o invulgar remate de cabeça de Aoba Fujino, baixota com pés de cetim, deixada sozinha na área quando Portugal ainda se precavia desorientadamente perto da sua área. O carrossel de tabelas que o Japão acionava ao entrar na metade do campo portuguesa aniquilava a organização defensiva, criando dúvidas constantes sobre quando sair na pressão, quem acompanhar, para onde olhar. As japonesas, diria Ana Capeta, “são muito ágeis a fazer um-dois”, método que, tão encadeado tantas vezes, “destrói qualquer equipa”.
Haverá esperança positiva a retirar dos derradeiros vinte minutos, já com a cola nas chuteiras de Andreia Norton e as espreitadelas de Kika Nazareth no lado cego das japonesas, a pedir passes entre linhas. Tê-las por dentro do campo, a combinarem - o pé direito da lateral Catarina Amado, entrada para a esquerda, também acrescenta à seleção uma tendência para ligar passes pelo centro desde trás -, dá o tal à-vontade em ter bola que Francisco Neto voltou a insistir, no final, ter de ser uma prioridade para fazer mais do que cócegas às japonesas, cujo nível orbita o das norte-americanas e das neerlandesas que Portugal vai defrontar no Mundial.
O jogo despediu-se com a seleção plantada na metade japonesa, Kika e Andreia presas por uma corda invisível a baterem bolas de ideias que atraíssem atenções para depois tentarem jogar com Jéssica. Portugal acabou a querer jogar sob pressão e dentro dela, com jogadoras para tal. Tê-las na relva haverá sempre de ser a melhor das tentativas para a seleção ficar se confortar na sua companhia.