Cada uma adornada com um cachecol de Portugal, animadas e de dentes à mostra, contudo já munidas de alguma contrição, assim entraram as jogadoras no salão do Palácio de Belém, esta sexta-feira. Alinhado-se em pé e ordenadamente, com Fernando Gomes e Humberto Coelho, presidente e ‘vice’ da Federação Portuguesa de Futebol, a integrarem-se nas hostes, a comitiva da seleção nacional controlou por uns momentos a exacerbação da alegria trazida de fusos horários longínquos ali ainda presentes.
Não na pegada de olheiras de sono na cara, nem das vozes ainda a recomporem-se de tanta gritaria na Nova Zelândia, mas na cara que aparecia na televisão gigante disposta ao lado das jogadoras. Por videochamada e de fato de treino da seleção, no ecrã aparecia Francisco Neto a cortejar as duas horas da madrugada nos antípodas, onde permaneceu a cuidar dos primeiros preparativos para quando muitas daquelas futebolistas lá regressarem para jogarem o Mundial. O selecionador proferiu algumas palavras antes do anfitrião deixar no ar um “agora sou eu?”, estendendo o tapete para si próprio.
Começando pela salvaguarda de ser um dia “triste” por motivos do aniversário do início da Guerra na Ucrânia, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa confessou, depois, a “grande alegria” e a “felicidade enorme” pelas quais agradece “a todas” as jogadoras presentes e às antecessoras. Depois, saudou “a honra para Portugal” que é receber “este passo inédito” e “histórico”, como se dedicou a explicar: “Não apenas no futebol feminino, mas no papel da mulher na sociedade portuguesa. Esse é o ponto fundamental. Eu sou muito mais velho do que vocês e sou do tempo em que a mulher não podia ser diplomata, não podia ser polícia, não podia ser militar, não podia ser juíza, em que a descriminação não era só como hoje ainda hoje existe, no salário, nas condições de vida, que temos vindo a superar e melhorar. As mulheres não podiam ter a atividade que tinham os homens.
Falar em futebol feminino “naquela altura”, prosseguiu o Presidente da República, “era falar em ficção”, porque “não existia” como hoje existe “devido a muitas” como as jogadoras que ali o ouviam “que fizeram o caminho difícil e coroaram agora esse caminho”. “A sociedade portuguesa mudou e está a mudar. E um dos aspetos fundamentais é mudar através do papel da mulher. Ainda não mudou tudo, porque se tivesse mudado tudo quem estava a falar agora aqui era uma mulher, mas havemos de chegar lá, ter uma Presidente da República e uma primeira-ministra, mas o vosso passo é fundamental”, trilhou Marcelo, revelando que “muito provavelmente” estará a 23 de julho em Dunedin, na Nova Zelândia, a assistir no estádio à estreia de Portugal no Campeonato do Mundo.
A partir desse dia, a diferenças de latitude obrigarão “a reprogramar a vida de milhões de portugueses, que vão ter de passar as noites a ver futebol”. A frase do presidente parecia desmesurada, no mínimo otimista se não houvesse ouvidos para o que líder da FPF dissera antes: cerca de 500 mil pessoas viram a transmissão televisiva do Portugal-Camarões, jogo que arrancou às 6h30 de quarta-feira. Se é para sonhar, Marcelo Rebelo de Sousa tem o seu quinhão a dizer: “Temos de sonhar com o ser possível chegar o mais longe, e o mais longe é a final.”
O Presidente da República pluralizou-se de seguinte. Louvou as responsáveis pela “grande vitória, sobretudo, das portuguesas” como “um raio de sol que entrou na nossa vida”, garantiu que o povo se revê nelas e nelas vê “aquilo que sonham para as filhas, as netas e as bisnetas”. Encerrado o agradecimento vocal, Marcelo cumprimentou e beijou as bochechas de cada jogadora, parando a trocar algumas frases com umas quantas. Em particular, a extrovertida-mor deste reino histórico, Francisca Nazareth, que passou o telemóvel ao presidente dos afetos que tem a selfie como um deles.

Francisca Nazareth
No aparelho de ‘Kika’ ficaram gravadas dezenas de imagens e enviou umas quantas à Tribuna Expresso já após a seleção sair de Belém e desembarcar na Cidade do Futebol para mais outra receção de entusiasmo. A jogadora, munida do seu habitual à-vontade com a oratória, repetiu ao “Canal 11” o que diz “desde que as câmaras e os microfones começaram a estar à [sua] frente” já com admissão feita quanto à “muita pressão” sentida ao aperceber-se do “impacto nos portugueses e no país” do histórico apuramento para o Mundial: “Somos merecedoras daquilo que conquistámos e temos vindo a fazer. Não vou falar de mim, mas de pessoas que tenho ao meu lado como a Jéssica Silva e a Carolina Mendes, que estão aqui há muitos anos a lutar por isto, por um simples jogo, andam a lutar por 90 minutos há nove, 10 anos, e agora está feito.”
Francisca Nazareth tem 20 anos e só ia nos 19 quando Portugal perdeu, frente à Rússia, o play-off de acesso ao último Europeu onde acabaria por estar pela guerra levada pelos russos à Ucrânia. Ela chorou - “mas não por mim”. E explicou-o: “Sou miúda, eu e a Andreia Jacinto somos as miúdas e temos tempo, ainda vou ter mais Mundiais pela frente se Deus quiser, portanto, é um agradecimento especial a quem está cá há mais tempo e fez muito por nós. A vitória, sobretudo, é delas, sou uma privilegiada, claro, mas por estar neste grupo com estas pessoas, por estar a viver este feito com elas e com quem vive isto há mais tempo. Sou privilegiada por estar neste contexto, com estas pessoas.” E na galeria de imagens do telemóvel tem agora várias recordações captadas por um fotógrafo especial.