As americanas, donas disto tudo
Na prática futebolística, calhar no grupo com os EUA seria o promontório mais árduo para uma seleção vestir os botins de escalada e tentar alcançar, seja ela qual for. Quem trata o futebol por soccer goza de um viveiro de jogadoras que abunda no país onde as mulheres fazem incomparavelmente mais do que os homens pela modalidade, algo atestado pelos canecos guardados nas estantes da federação americana: venceram quatro dos oito Mundiais já realizados, os primeiros em 1991 e 1995, o outro par também em série, nas recentes edições de 2015 e 2019. São o mais perto que o futebol feminino tem de ditadoras da vitória.
O talento disponível a ser pescado para a seleção é imenso, sendo nada fácil para uma jovem mulher entrar na seleção norte-americana e calçar as chuteiras. Os EUA vão buscar o jeito imaculado para a bola e o ritmo que injetam nas partidas, atropelando em andamento muitas das adversárias, ao padrão que as trintonas mantém geracionalmente bem lá em cima, de forma cíclica: os 33 anos de Alex Morgan, provedora de 120 golos, os 37 de Megan Rapinoe, outra capitã de influente perfil público e eleita melhor do mundo em 2019, ou os 37 da defesa Becky Sauerbrunn ainda são a presença mais antiga que obriga as mais novas a muito suarem para assumirem protagonismo na seleção da qual se espera a conquista de toda a prova em que jogue.
Além delas, há ainda as mais titubeantes em tempos recentes Tobin Heath (34), Julie Hertz (30) ou Christen Press (34), a fazerem o que, antes delas, já Carli Lloyd, Mia Hamm ou Abby Wambach estimavam ao prolongarem as carreiras a um nível sublime bem para lá das três décadas de vida. As americanas enchem os estádios no seu país e organizam digressões internas com a She Believes Cup para “inspirar e encorajar mulheres e raparigas”. Foi por lá, não na prova que acabaram de vencer pela sexta vez, mas entremeada com ela, onde a atual fornada de jogadoras portuguesas teve duas derrotas contra os EUA em 2019 (por 3-0 e 4-0), antes da mais recente (apenas 1-0), em 2021. Será, à partida e por certo, o mais complicado dos jogos que esperam Portugal.
Em 50 jogos feitos em Mundiais, perderam quatro, o último na fase de grupos de 2011, onde perduraram até uma final perdida para o Japão. Hoje embaladas por nomes na flor da carreira como média canhota Rose Lavelle, a todo-o-terreno Lindsey Horan ou a goleadora Mallory Pugh, as americanas também lideram além-campo. Jogaram o último Campeonato do Mundo em protesto contra a própria federação e a disputa que então tinham pela igualdade de salários e prémios de jogo com a seleção masculino, processo que finalmente venceram em 2022, ao assinarem um novo acordo coletivo de trabalho. É comum notar as capitãs e jogadores de maior perfil falarem, sem pruridos, sobre assuntos sociais tidos como sensíveis, nada temendo em assumirem um lado.
A partida contra os EUA é a última da fase de grupos, logo poderão ser as jogadoras de menor reputação a terem mais minutos frente a Portugal. Isso facilitará a tarefa? Quase nada.

Eurasia Sport Images
As laranjas conhecidas
No sentido oposto, a seleção nacional terá de começar pelos arrabaldes mais a sul do país onde as ovelhas superam, em muito, os humanos em número. Em Dunedin, cidade neozelandesa, o primeiro jogo será contra as neerlandesas sobre quem não demasiada gente estimaria ver na final do anterior Mundial. Lá estiveram elas, com doses de bem-fazer técnico e pragmatismo semelhantes às que depositaram em campo contra Portugal, o ano passado, durante o Europeu.
Um pancada seca na bola de Daniëlle Van de Donk perto da área fechou o 3-2 que derrotou a seleção esperançosa, que batalhou de dentes cerrados contra adversárias que, em hora e meia, não pareceram assim tão separadas das portuguesas como a distância no ranking da FIFA - que nunca concluirá nada, mas é um ponto de partida para aferir valias - sugere pelas suas minudências em calcular pontos: os Países Baixos estão no 9.º lugar, confortavelmente acima do 22.º de Portugal. Na teoria e no campo, as diferenças estarão algures ali no meio.
Campeãs europeias em 2017, quem veste de laranja dispõe de futebolistas talvez não da magnitude das americanas, mas que são donas de qualidade excelsa. Lieke Maertens, eleita a melhor jogadora do planeta no ano em que a neerlandesas pontuaram a Europa, é uma avançada de corridas galopantes e cheia de golo, que corre pelo Paris Saint-Germain após cinco temporadas no Barcelona. Fora Van de Donk, a já destacada média de remate e passe certeiro do Lyon, há Damaris Egurrola, sua companheira de meio-campo também na equipa francesa, ou Lineth Beerensteyn, outra meio-campista da Juventus.
Por infelicidade, no Mundial não estará Vivianne Miedema, a maior especialista em despachar bolas para dentro de balizas do Arsenal, devido a uma lesão no joelho sofrida em dezembro. Mesmo sem ela, os Países Baixos têm mais do que munições para prolongaram a sua estadia no Mundial bem para lá da fase de grupos. Em oito partidas, Portugal só venceu as neerlandeses uma vez, em 2001.

Federação de Futebol do Vietname
Da Ásia, uma incerteza
A seleção portuguesa não estará sozinha a sentir emoções de estreia em andanças mundialescas. O Vietname que fervilha por futebol também verá, pela primeira vez, a sua seleção feminina no torneio, vinda do país onde nem sequer exista um campeonato profissional para as mulheres jogarem. Resumindo e admitindo a ignorância, as vietnamitas são uma incógnita.
Terminaram no 5.º lugar da mais recente Taça da Ásia (ganharam por três vezes, a última em 2019) e são as atuais campeãs do Sudeste Asiático, quase todas as futebolistas dão pontapés na bola no seu país (a maioria em Hanói ou Ho Chi Minh, os clubes das duas maiores cidades), mas há um ponto de ligação com Portugal: a capitã da seleção, Huynh Nhu, joga no Länk Vilaverdense, atual 6.º classificado da Liga BPI, a primeira divisão do futebol feminino português. Tem 31 anos e marcou seis golos em 16 partidas.
Com tantas futebolistas a jogarem no próprio país, a equipa nacional do Vietname poderá lograr juntar-se e trabalhar mais vezes até ao Mundial, algo valioso quando a conversa é sobre seleções e o seu bem mais escasso - o tempo. As vietnamitas têm já programados dois estágios repartidos por Japão (em abril) e Alemanha (em junho), antes de viajarem para a Nova Zelândia.