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Futebol feminino

Foi por dias que Lucy Bronze não jogou por Portugal e agora a craque que se inspirou em “Bend it Like Beckham” só quer ganhar o Euro

Já esteve na corrida para a Bola de Ouro e, nos últimos meses, a inglesa teve dois dos maiores clubes de futebol feminino a lutar pela sua contratação: o Barcelona e o Lyon. Bronze, filha de um português, é um dos maiores nomes da modalidade, mas nem sempre as coisas foram tão simples como escolher entre dois grandes. Valeu-lhe a força e determinação da mãe ao início e também a sua ao longo dos anos. Esta terça-feira, vai tentar levar a Inglaterra à final do Europeu, frente à Suécia

Rita Meireles

Naomi Baker - UEFA

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Quando Lucy Bronze, aos 12 anos, chegou a casa e disse à mãe que não poderia continuar a jogar futebol com os seus colegas de equipa rapazes, Diane Bronze não soube o que fazer ou dizer. Até aí a jogadora tinha feito parte de equipas mistas, mas a partir desse momento seria obrigada a integrar equipas de futebol feminino. Depois de recorrer a Joaquim, o seu marido, e a Julie, a irmã, percebeu que tanto ela como a filha estavam sem respostas. E virou-se para o cinema.

Jess, uma jovem com origens indianas a viver em Inglaterra, queria ser jogadora de futebol. Os pais tinham outros planos para ela, mas o grande sonho de Jess era ser como o ídolo, David Beckham. Esta é a história do filme “Bend It Like Beckham”, onde Diane foi buscar o conhecimento que precisava para ajudar a filha.

"Foi aí que a minha mãe disse: 'Ok, ninguém vai dizer à minha menina que ela não pode fazer seja o que for'”, lembrou Lucy em entrevista o “The Gentlewoman”. O filme termina com a entrega de bolsas para jogar nos Estados Unidos, e foi assim que Diane descobriu um campo de futebol exclusivo para talentos femininos na Carolina do Norte. "Ela transformou as férias de verão da nossa família numa viagem para ver o que se tratava aquele campo", continuou Lucy. "Então fomos, estavam lá 500 raparigas e o treinador principal disse: 'Tragam-na de volta quando ela tiver 17 anos e eu dou-lhe uma bolsa de estudo'".

Ao mesmo website, a mãe da jogadora lembrou o momento como “um abre olhos” para a filha. Lucy encontrou centenas de raparigas como ela, todas muito boas a jogar futebol. Além disso, percebeu que também as equipas técnicas podiam ter mulheres. Foi o momento em que soube que não era diferente.

Quando regressou ao Reino Unido, juntou-se ao Sunderland, um clube que apoiava jovens talentos femininos. Mas não esqueceu as palavras que ouviu nos Estados Unidos e aos 17 anos foi atrás da bolsa que lhe prometeram. "Quando cheguei à universidade nos Estados Unidos, fui toda equipada pela Nike, que era o patrocinador da equipa, todas as minhas chuteiras, equipamentos, fatos de treino. Em Inglaterra não havia tal coisa, só 10 anos mais tarde é que as equipas inglesas passaram a ser assim", disse a futebolista, hoje com 30 anos.

A experiência nos Estados Unidos durou apenas seis meses e, no regresso a Inglaterra, a jogadora tinha as prioridades bem definidas. Jogar futebol, sim, mas primeiro os estudos. Estudou Ciências do Desporto na Universidade de Leeds e trabalhou num bar e numa pizzaria para cobrir as despesas, ao mesmo tempo que recuperava de uma lesão que, seguida de uma infeção, poderia ter significado o final da sua carreira. "Quando as pessoas me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, nunca teria pensado em dizer futebolista. Fui para a universidade, estudei, trabalhei. Tive uma vida normal", contou.

Uma vida normal até porque há cerca de 10 anos não era fácil para uma mulher sonhar com a profissão de futebolista. Mas assim como Jess no filme, Lucy também teve de seguir as pisadas dos homens para desbravar caminho. No seu caso, foi o irmão Jorge.

“O teu amor pelo futebol vem do teu irmão Jorge. Ele é dois anos mais velho e tu sempre quiseste fazer tudo o que ele faz. Queres ser como ele. Ele joga futebol, por isso tu jogas futebol”, escreveu numa carta endereçada a si própria publicada no website do Manchester City, clube onde jogou depois de passar pelo Everton e o Liverpool.

Naomi Baker - The FA

Os nomes em português não são uma simples tradução aleatória. Lucy Roberta e Jorge são filhos do português Joaquim, que mesmo não sendo o maior adepto de futebol, quase deu a Portugal, graças à sua nacionalidade, a jogadora que hoje brilha na seleção inglesa. Lucy sentia-se frustrada com a falta de oportunidades na seleção britânica e confessou mais tarde que na altura se sentiu tentada pelos avanços de Portugal.

“Disse à minha mãe: 'Se eu não chegar à equipa inglesa antes do meu 22.º aniversário vou jogar para Portugal'. Estava a fazer tudo o que podia e estava a jogar bem. Achei que merecia uma chamada, mas demorou muito, muito tempo. Inglaterra foi sempre o sonho, mas eu sabia que podia ir jogar para Portugal e que teria gostado tanto quanto aqui”, disse ao “Daily Mail”.

Mónica Jorge, selecionadora portuguesa na altura, foi quem abordou a jogadora. À “TSF” lembrou a falta de sorte da equipa lusa: “Era normal recebermos o feedback de algumas jogadoras lusodescendentes e foi por acaso que descobrimos a Lucy. Depois de vermos alguns vídeos dela a jogar pelo clube, entrámos em contacto para sabermos se estava interessada em fazer testes na seleção nacional. Tivemos um pouco de azar porque nessa mesma semana a Lucy foi convidada pela seleção inglesa".

Outro dos grandes saltos na carreira de Lucy foi a chegada ao Lyon, em 2017. Foi aí que a criança que foi proibida de jogar na sua equipa sentiu que a igualdade é possível. Em França, jogava no mesmo campo que os homens, partilhavam refeitório, viajavam da mesma forma e tinham o balneário personalizado a qualquer que fosse a equipa. Em três anos no clube, venceu três vezes a Liga dos Campeões.

Entretanto já regressou ao Manchester City, por duas épocas, e protagonizou uma das mais importantes contratações do atual mercado de transferências: vai jogar no Barcelona. Mas o principal objetivo continua a ser só um.

Vencer o Europeu.

Lucy tem a memória de ser eliminada pelos Estados Unidos no Mundial de 2019 bastante presente. "Essa eliminação atingiu-me duramente. Senti que estava no meu melhor momento. Muita gente me pergunta qual é a minha motivação depois de todos os meus títulos. É simples, ganhar o Europeu no meu país", disse ao “El País”.

Christopher Lee - UEFA

A seleção inglesa passou a fase de grupos e eliminou a gigante Espanha. Tem agora pela frente a Suécia, esta terça-feira, às 20h. É um desafio difícil, mas se o necessário é saber ir à luta na cara de qualquer adversidade, Lucy Bronze é a pessoa ideal para lhe dar resposta. E olhando para a história mais recente, provavelmente terá os seus dois países a torcer por ela.