Em 2020, Lewis Hamilton tornou-se um dos principais rostos pela defesa da igualdade racial no desporto e no mundo inteiro. Após as mortes de George Floyd e Breonna Taylor, e todos os protestos e conversas que os dois casos provocaram, o sete vezes campeão do mundo de Fórmula 1 decidiu usar as suas plataformas para falar sobre o tema. Aliás, sobre os temas. Hamilton tem dado voz a uma série de causas, seja nas suas redes sociais, através do projeto Mission 44 ou nos fins de semana de corrida.
Entre todas as motivações que tem para tomar esta atitude, está o facto de o próprio piloto saber bem o que é ser vítima de racismo. A esta altura do campeonato, a história de Hamilton já não é novidade para a maioria, até porque o próprio já a contou várias vezes, mas no podcast “On Purpose”, de Jay Shetty, o britânico contou a sua experiência na escola com os detalhes que nunca tinha contado até hoje.
"Eu já sofria de bullying aos seis anos. Nessa escola em particular, eu era um dos três miúdos de cor”, explicou o piloto, que teve que lidar com “os miúdos maiores, mais fortes e intimidantes”.
A forma mais simples que escolheu para fazer entender a situação foi explicando que naqueles momentos em que dois colegas estavam a escolher as equipas para qualquer desporto, ele era sempre o último a ser escolhido ou nem sequer o escolhiam. Mas foi muito mais que isso.
"Os golpes constantes, as coisas que te são atiradas, como bananas, ou as pessoas que usam a palavra pr*** de uma forma tão relaxada. Pessoas a chamarem-te 'meia casta' e não saberes onde te encaixas. Isso para mim foi difícil. Ou quando se vai às aulas de história e não há pessoas de cor na história que nos estão a ensinar. Eu pensava: 'Onde estão as pessoas que se parecem comigo?’”, contou.
O diretor da escola de Hamilton também não ajudava e teimava em chamá-lo à sua sala para o repreender, a ele e dois colegas também negros. Neste caso não interessava quem eram os culpados da situação, a culpa era sempre entregue aos mesmos. Tudo isto enquanto o piloto tinha dificuldades na escola, sendo que só mais tarde, aos 16 anos, descobriu que tinha dislexia.
“Fui colocado em todos os níveis mais baixos na escola e disseram-me: 'Se te correr bem, podes progredir'. Eles nunca me deixaram progredir, por mais que eu tentasse”, continuou.
Hoje o piloto consegue olhar para trás e ficar agradecido pelo seu percurso, visto que foi isso que lhe deu a possibilidade de se tornar a pessoa que é hoje, mas ao mesmo tempo não esquece que foi obrigado a suprir muita coisa.
Dan Istitene - Formula 1
"Senti que o sistema estava contra mim e eu estava a nadar contra a maré”, disse. “Não sentia que podia ir para casa e dizer aos meus pais que estes miúdos continuavam a chamar-me p****, que era intimidado ou espancado na escola, que não era capaz de me defender. Não queria que o meu pai pensasse que eu não era forte".
Todas as emoções que não conseguiu expressar enquanto criança na escola ou em casa, Lewis Hamilton usou para se tornar o melhor na pista. “Os meus superpoderes apareciam quando eu estava a conduzir. Competia contra aquelas crianças e conseguia fazer coisas que elas pareciam não ser capazes de fazer bem. E isso era a minha paixão”, afirmou o piloto.
Hamilton já não tem medo de usar a sua voz ou de sentir seja o que for, mas há uma coisa que continua a ser semelhante: o britânico é o único piloto negro na grelha de Fórmula 1. Foi a pensar na integração de mais pessoas de grupos pouco representados que criou a Mission 44 e o projeto Ignite, que, em conjunto com a Mercedes, procura levar mais diversidade e inclusão à modalidade.
No próximo mês de março o piloto dá início a mais uma época, sendo que é o seu último ano de contrato. Ao que tudo indica, e pelo que Toto Wolff, chefe de equipa da Mercedes, tem dito, a possibilidade de Hamilton renovar é grande e, por isso, a expectativa é que continue a representar aquilo que importa na categoria-rainha.