Crissy Perham tinha apenas 19 anos quando descobriu que estava grávida. O ano era 1990, Perham estava no seu segundo ano na Universidade do Arizona, fazia parte da equipa de natação e tinha o sonho de se tornar uma atleta olímpica. Sonho esse que a levou a escolher abortar.
"As minhas hipóteses eram talvez melhores do que as de outras", disse ao "The Telegraph", agora com 52 anos, referindo-se ao apoio da família e do noivo na altura. "Mas eu também era muito imatura. Talvez não tivesse sido capaz de me manter concentrada na universidade. Poderia não ter querido voltar e nadar como mãe. Ainda bem que não tive de enfrentar essa decisão".
Poucos anos depois, em 1992, a nadadora venceu duas medalhas de ouro e uma de prata nos Jogos Olímpicos de Barcelona. Na altura, Perham teve a oportunidade de fazer uma escolha que a levou a esta conquista desportiva, mas muitas mulheres atletas estão neste momento em risco de ver esse direito negado nos Estados Unidos.
De acordo com documentos do Supremo Tribunal dos Estados Unidos que vieram a público, a decisão histórica do caso “Roe vs Wade”, que levou as mulheres norte-americanas a terem o direito de interromper voluntariamente uma gravidez de forma legal, está em risco de ser anulada pelo próprio tribunal, que entregará a decisão a cada estado, de forma individual. Em estados conservadores, a proibição é uma forte possibilidade. O que não só torna todo o processo muito mais perigoso para quem optar por fazer um aborto, como também restringe os direitos das mulheres.
A resposta do mundo do desporto foi rápida. Muitas atletas juntaram-se e manifestaram publicamente a sua indignação. A primeira iniciativa sobre o tema já tinha surgido no ano passado, altura em que foram dados os primeiros sinais de que a lei seria anulada, quando 514 atletas do género feminino, incluindo Perham e nomes bem conhecidos como Megan Rapinoe, Diana Taurasi e Sue Bird, assinaram um documento enviado ao Supremo Tribunal com argumentos contra as restrições ao aborto.
"Se as mulheres fossem privadas destas garantias constitucionais, as consequências para o atletismo feminino - e para a sociedade no seu conjunto - seriam devastadoras", lê-se no documento.
Ao longo do mês de maio, com as intenções do Supremo Tribunal a ficarem cada vez mais claras, os protestos entre as equipas e desportistas femininas têm-se intensificado.
“E se eu quiser engravidar e o médico diz-me numa fase inicial que existe uma mal-formação? Estão a dizer-me que se eu quiser salvar o meu filho de uma luta e dor, tenho de o trazer para este mundo e simplesmente deixá-lo sofrer e morrer em vez de o fazer mais cedo?", questionou a jogadora de basquetebol Tianna Hawkins em conversa com o “The Washington Post”.

Tianna Hawkins joga atualmente pelas Washington Mystics
Meg Oliphant
A WNBA divulgou uma declaração onde condena as notícias e apoia o seu sindicato de jogadoras, que tinha publicado um artigo de página inteira no "New York Times" em resposta às restrições ao aborto no Texas. Elana Meyers Taylor, atleta olímpica de bobsleigh, explicou nas redes sociais como a sociedade poderia ser diferente para os homens se uma lei fosse aprovada para considerar os homens "financeiramente responsáveis por uma mãe grávida e a criança".
"Pergunto-me como seriam os direitos reprodutivos", afirmou.
As reações têm-se multiplicado nas redes sociais e junto da imprensa. É que estas atletas olham para a situação como uma questão entre “pró-escolha ou pró-vida”, mas também como algo que as pode separar de medalhas e títulos importantes. "O nosso tempo como atletas é muito finito", continuou Perham. "É uma janela muito pequena. Acontece que o momento de estar no nosso auge como atletas coincide com um momento realmente bom para ser mãe".
Se por um lado existem vários exemplos de mães que conseguiram ser bem sucedidas no desporto, por outro os direitos de maternidade no desporto continuam a ser básicos. As futebolistas profissionais em Inglaterra tiveram que esperar até este ano para lhes ser garantida uma política de maternidade pela primeira vez.
Se os Estados Unidos optarem por dar um passo atrás em relação à lei do aborto, Perham teme que o desporto feminino venha a perder algumas das suas atletas para sempre. "Haverá pessoas que não terão meios financeiros, sistema de apoio ou recursos e terão de desistir da faculdade ou deixar de praticar desporto. Trata-se de autonomia corporal e saúde reprodutiva, e de poder escolher o que é melhor para mim", concluiu.