Uma das primeiras lições que Pep Guardiola recebeu de Johan Cruijff teve a ver com perspetiva: “Quando tiveres a bola, olha sempre para o jogador mais distante”. Com isto, o mestre ensinou ao rapazinho de Santpedor sobre ambição e, mais importante, sobre como fazer a bola saltar linhas, derreter a estrutura defensiva alheia e como permitir aos colegas que jogavam à sua frente receberem virados para a baliza (quando o avançado, de costas, tocava para eles). No fundo, tratava-se da lógica do terceiro homem mirando os três ferros no horizonte.
Quem sabe tenha começado aqui a entender que os avançados eram muito mais do que bombers, goleadores e salvadores de domingos santos. Que tinham de participar, desbloquear jogadas e ajudar os companheiros que vinham de trás para a frente. Testemunhar as cartomancias de futebolistas como Romário e Michael Laudrup talvez tenha ajudado Pep a apurar o olhar sobre a posição, aprendendo a pesar a utilidade e, porventura mais pertinente, a quase inutilidade de certos avançados para o jogo da equipa. Em tempos, Tostão, o refinadíssimo avançado do Brasil de 1970, escreveu na “Folha de São Paulo” que o falso 9 era uma falácia, no sentido em que um avançado que sai do lugar e que é bom de bola é um verdadeiro avançado.
Guardiola era médio, daqueles lentos e frágeis nos ossos e músculos, o oposto do que se desenrolava na mente. É por isso certamente que a sua ideia de jogo vive à volta dos médios e quer aparentemente toda a gente a pensar como um médio. É isso que acontece com o guarda-redes, com os laterais que se juntam ao 6, com os extremos que afinal nem sempre o são, com o avançado que não é falso mas sim verdadeiro, recuando, tocando com os colegas e, usando a bola como fogueira, contando histórias de embalar (mais os espaços que cria e as dúvidas que planta no pensamento dos defesas, como admitiu Luís Neto à Tribuna Expresso). A valorização do espaço e passe é a religião que por ali é difundida.
Denunciara as intenções logo no arranque da carreira, naquele Barça mítico. Eidur Gudjohnsen, Thierry Henry, Bojan Krkic e, claro, Samuel Eto’o nunca foram aquele avançado tradicional. O mais perto disso foi o camaronês, obviamente, mas até ele chegou a ser colado à linha. Na final da Champions de 2009, começou no meio, rapidamente foi para a direita e, depois de um início avassalador do Manchester United, aproveitou o espaço entre central e lateral para numa diagonal fazer o 1-0. É isso, aliás, que se via e vê nas equipas de Guardiola e noutras: jogadores colocados entre central e lateral para os segurar ao lugar. Ou seja, às vezes, dois conseguem fixar quatro rivais. Os espaços brotam nesses pequenos detalhes.
Em 2009/10, a chegada de Ibrahimovic ao Camp Nou intrigou. É certo que se tratava de um jogador com um ego glorioso, mas o futebol que levava nas botas permitiu a uma boa parte dos observadores deste desporto suspirarem pela máquina perfeita. Zlatan, que quando surgiu foi pintado como uma versão moderna de Marco van Basten, já havia dado cabo de algumas defesas em Itália. Parecia a peça adequada para o domínio do mundo e arredores. Mas, e é aqui que entra a intriga, o treinador tinha dispensado na primeira época Ronaldinho e Deco, as maiores figuras da equipa. Também estava prevista a saída de Eto’o, que ficou na Catalunha e foi decisivo. Apesar dos 11 golos nas primeiras 14 jornadas, o sueco e o catalão nunca estariam exatamente na mesma página.