Nem a bola gostou do que viu, mas Zaidu tratou-a bem à última hora e confirmou a festa
PATRICIA DE MELO MOREIRA
O FC Porto conquistou no Estádio da Luz, nesta tarde de sábado, o 30.º título de campeão nacional. Bastava um empate, mas, após contra-ataque supersónico de Pepê, Zaidu inaugurou a festa dos visitantes. Jogo foi atípico e pobre
Foi um clássico bizarro. À falta de fogo, aparentemente deliberado por parte dos homens que levam o fogo na boca e no coração, juntou-se a falta de qualidade. Foi um jogo pobre, derretido pelo calor do sol e depois pelo calculismo dos visitantes que queriam voltar a festejar na Luz, a casa do Benfica. Apesar de tudo, aconteceu o expectável: o FC Porto celebrou o 30.º campeonato da sua história. Mas também aconteceu o inesperado: Zaidu, tantas vezes olhado de lado, foi o herói da tarde, com um golo já depois da hora. O futebol, que nem sempre se exprime através da beleza e da bola, também anda por aí para devolver orgulhos e recompensar quem sofre em silêncio.
O Benfica entrou bem no jogo contra um desconfiado e sereno FC Porto, errático com bola e a pressionar qb sem aquela fome de sempre. É certo que o empate bastava para os visitantes serem campeões em território quase proibido, mas talvez fosse a chamada ‘fase de estudo’. Não era. Os rapazes da casa mostraram qualidade e ritmo no início, mas, depois, quando caíram, caiu tudo: jogo sem velocidade, longe de ser uma fábrica de memórias e de jogadas tecnicamente interessantes. Depois, entraram as faltas, as queixas, os cartões e o que é oposto ao prazer.
Sem Rafa e Everton, uma baixa de última hora, Nélson Veríssimo apostou numa companhia surpreendente para Darwin Núñez: Valentino Lazaro e Gil Dias, que jogaram do lado oposto ao pé natural. Do outro lado, Sérgio Conceição promoveu o regresso de João Mário à defesa, empurrando Pepê para o ataque, perto de Evanilson e Taremi. Grujic fez dupla com Vitinha no meio-campo. Fábio Vieira ficou sentado no banco, guardado talvez para mais tarde, para ser ele a abrir o perfume mais venenoso que há (não entraria).
Enquanto Darwin ia sofrendo entre os centrais Mbemba e Pepe, Otávio descobriu finalmente Taremi, aos 15’, deixando-o na cara de Vlachodimos. O iraniano não foi fino e a mancha do guarda-redes foi suficiente. Na recarga, de cabeça, a bola não quis nada com a baliza e depois, na ressaca da recarga, Evanilson ainda tentou a sorte, sem sucesso. Foi o minuto mais eletrizante do FC Porto, estranhamente apático aqui e ali. Vitinha estava discreto, Otávio tentava coisas importantes, acompanhadas por sorrisos que desconcertam os adversários. Conceição não estava feliz, esbracejava, talvez a pedir mais aos seus futebolistas que iam somando alguns erros na construção.
Do lado encarnado até havia pressa nos lançamentos, o que denunciava aquela ausência de vontade de testemunhar o maior rival dos tempos modernos a festejar o 30.º título em sua casa. Gonçalo Ramos ia provando que era solidário, tentava ligar jogo, jogadores e ideias, mas o ritmo, seja dos dribles ou da bola, era realmente lento. Pobre? Também. O entusiasmo do arranque do clássico há muito que desvanecera.
Depois das palmas aos miúdos que venceram há dias a Youth League, exibindo orgulhosamente a taça, o segundo tempo começou logo com um pontapé de Evanilson, de longe, com o pé esquerdo. Vlachodimos voou e recebeu um cumprimento do brasileiro, que pouco depois tentaria outra vez.
O jogo ia sendo dos defesas, com mais preponderância para Pepe e Otamendi, e ainda Grimaldo, neste caso com bola. As balizas eram territórios relativamente desconhecidos e pacíficos, até que, aos 52’, Darwin inventou um golaço. Otamendi lançou o uruguaio, que recebeu com um pé, desviou Mbemba com o outro e escolheu, calmamente, onde quis colocar a bola na baliza de Diogo Costa. A Luz virou-se do avesso, o avançado tirou a camisola e levou o correspondente cartão amarelo, mas o VAR disse que não era válido: fora de jogo. Por dois centímetros. Os adeptos do Porto festejaram como se tivessem marcado e começava a cheirar a título.
O jogo até ganhou algum interesse e genica depois daquele minuto crítico. A sombra já se espreguiçava por todo o relvado, queimando assim menos ideias. Seferovic entrou em campo aos 61’, permitindo a Darwin voar para a esquerda, tal como parece gostar. Lazaro passou para a direita. Do outro lado, entrou Galeno por Evanilson.
Gualter Fatia
Não deixa de remeter para a estranheza a falta de fogo do FC Porto. Não pressionava como é hábito, não mordia como morde, não queria engolir o rival na sua casa. Parecia, sim, mais calculista que nunca, mais desconfiado e quem sabe temeroso. Talvez seja um grande elogio ao Sporting de Rúben Amorim.
Com algumas faltas e erros, surgiram também os sururus nos bancos, à vez, resultando em dois cartões vermelhos. Lá dentro, no relvado, Taarabt ia ganhando aqui e ali alguma preponderância devido às tímidas conduções de bola, mas era tudo estéril. Como o jogo, aliás.
Se o golo não chegou depois de um desentendimento entre Gilberto e Vlachodimos, veio a seguir, já depois da hora, após contra-ataque supersónico conduzido por Pepê, pela direita. Zaidu acompanhou e tocou de primeira, num gesto muito difícil, para dentro da baliza do Benfica, confirmando o 30.º para o FC Porto.
O nigeriano, muitas vezes o patinho feio, ajoelhou-se, como que descrente em tudo, levou as mãos ao rosto e talvez tenha chorado, por dentro pelo menos, inundando a alma triste. Conceição, que festejava o terceiro campeonato em cinco anos, deu-lhe um abraço honesto, tal como o sorriso que lhe dispensava.
As muitas substituições não trouxeram mais qualidade ao jogo. O apito final consagrou o seco e aborrecido clássico, como se não estivesse em causa um campeonato nacional entre dois rivais monstruosos, na casa de um deles. O FC Porto agora vai festejar até às tantas, talvez não demasiado que ainda falta a viagem ao Jamor, e o Benfica volta ao sofá, refletindo sobre uma temporada inteira sem títulos.