Foi uma manhã de sol em Barcelona, em que as t-shirts, os tops e os calções até pareciam em maioria nas bancadas. Na pista Rafael Nadal, Carlos Alcaraz, 18 anos, a próxima-grande-coisa do ténis, como dizem os estrangeiros, jogava frente a um rapaz australiano, mas que tem até mais de hispânico que dos antípodas. Alex de Minaur chama-se na verdade Alex de Miñaur Román, nascido em Sydney mas filho de um uruguaio e de uma espanhola, e que viveu a infância e a adolescência a saltar entre a Austrália e Alicante, em Espanha.
É domingo de manhã e estranhamente joga-se uma meia-final de um torneio ATP. Porque nem todas as manhãs desta última semana foram de sol em Barcelona. Houve nuvens cinzentas e houve chuva, aguaceiros fortes, o terror de todos os torneios de ténis ao ar livre, o que empurrou as últimas jornadas para um condensado fim de semana. Ambos os tenistas já tinham tido jornada dupla na sexta-feira, mas com vantagem física para De Minaur, que viu o sul-africano Lloyd Harris desistir no final do 1.º set antes de bater Cameron Norrie horas depois para chegar às meias-finais. Já Alcaraz teve pela frente Jaume Munar (venceu por duplo 6-3) antes de um intenso encontro dos quartos de final frente a Stefanos Tsitsipas, número 5 do mundo, com direito a mais uns quantos números de circo do grego, que chegou a perder dois pontos depois de se demorar numa ida aos balneários para trocar de equipamento. O duelo, em três sets, durou mais de duas horas, caindo para o espanhol, que já havia batido Tsitsipas com estrondo no último US Open.
No sábado, a chuva voltou a dar de si, pelo que as meias-finais e final ficaram marcadas para domingo, com todo o prejuízo físico que pode ter para os tenistas.
Voltemos então ao duelo entre Alcaraz e De Minaur. Foi equilibrado, com o espanhol, dono de uma impressionante panóplia de pancadas com apenas 18 anos, a mostrar-se algo trapalhão no início, como que numa demorada ressaca do encontro com Tsitsipas. O australiano, número 25 do mundo, mais franzino que os 183 centímetros podem fazer crer mas dono daquele grit que parece regra no outro hemisfério, ganhou o primeiro set no tie-break. No segundo, chegou a servir duas vezes para fechar o encontro, com dois match points pelo meio, que Alcaraz salvou, numa altura em que o seu melhor ténis voltou a aparecer. O tie-break do segundo set foi um hino ao ténis espectáculo, com longas trocas de bola, na marra, no esforço, a aparecerem na sequência de drop shots impossíveis, normalmente cortesia de Alcaraz, capaz dos gestos técnicos mais finos e das mudanças de velocidade de bola mais estonteantes - as comparações com Rafael Nadal não são por acaso.
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Alcaraz, com o público a seus pés e a levá-lo em braços, superiorizou-se nesse segundo set e no derradeiro venceu por 6-4, assinando a passagem à final num duelo com 3h41, uma enormidade em encontros à melhor de três sets.
Horas depois, Carlos Alcaraz estava de novo em court para jogar a final frente ao compatriota Pablo Carreño Busta, impassível asturiano, que reside e treina precisamente em Barcelona. Mas aí não houve história: mesmo depois de todas as horas extraordinárias da manhã, o jogador de Murcia arrumou a questão em pouco mais de 60 minutos, vencendo por 6-3 e 6-2.
A papel químico de Nadal
As comparações entre Alcaraz e Nadal poderão parecer simplistas, mas os paralelismos são impossíveis de não notar. Foi em abril de 2005 que depois da vitória no ATP 500 de Barcelona, Rafael Nadal, então um miúdo também de 18 anos, subiu pela primeira vez ao top 10 do ranking masculino, o que vai acontecer também com Alcaraz, que na atualização de segunda-feira será 9.º, também após levantar a taça do Troféu Conde de Godó. E tudo aconteceu no mesmo dia: 24 de abril, com 17 anos de diferença.
Outro dado curioso é perceber que nesse ano de 2005, Nadal bateu na final Juan Carlos Ferrero, que hoje é treinador de Carlos Alcaraz. Com um registo impressionante de 23 vitórias e apenas três derrotas em 2022, o título em Barcelona foi o 3.º para Alcaraz esta temporada, depois do Rio, também um ATP 500, e de Miami, o primeiro Masters da carreira. Para emular verdadeiramente Rafael Nadal, Alcaraz terá de subir mais um degrau. Porque semanas depois da vitória em Barcelona em 2005, Rafael Nadal venceu o primeiro de 13 títulos em Roland Garros.
Com Nadal a voltar após lesão, com Novak Djokovic com pouco ritmo (perdeu este domingo a final de Belgrado frente a Andrey Rublev) e Daniil Medvedev, Sasha Zverev e Stefanos Tsitsipas ainda à procura de uma verdadeira regularidade em torneios do Grand Slam, não é de todo impossível colocar Alcaraz entre os favoritos no major parisiense, que arranca a 22 de maio.
Para já, Alcaraz vai fazendo o seu caminho. Um caminho desde logo cheio de pressão. Desde o cimentar do big three que nenhum jovem parecia tão preparado, tão cheio de recursos. E este domingo faz crer que não fica a dever em resistência física e força mental aos três tenistas que dominaram o ténis nas últimas duas décadas. Para confirmar na capital francesa, daqui a umas semanas.