O adolescente está descontraidamente sentado no hall de um qualquer hotel de luxo em Miami. Nas suas costas, alguém se aproxima em passo apressado, de sorriso na cara. O miúdo olha para trás, vê quem lá vem, dá um salto de entusiasmo e funde-se num abraço emocionado com quem não esperava ver ali.
É possível que parte da histórica vitória de Carlos Alcaraz no Masters de Miami, no domingo, a sua primeira em torneios desta envergadura, tenha começado ali, naquela surpresa, filmada e colocada nas redes sociais de Juan Carlos Ferrero, seu treinador desde os 15 anos, com quem a coqueluche espanhola tem uma visível ligação que irá para lá das bolas trocadas em academias do sul de Espanha.
O antigo jogador foi nos seus dias o melhor tenista do mundo em terra batida (venceu Roland Garros em 2003, ano em que chegou à final do US Open e subiu ao número 1 do ranking), conhece bem as exigências do circuito e nos últimos dias não esteve com o seu pupilo, que a cada vitória em Miami lhe dedicou mensagens de apoio. O pai de Ferrero, Eduardo, faleceu nos derradeiros dias de março, quando "El Mosquito", como era conhecido nos seus tempos de jogador, já acompanhava Alcaraz em nos Estados Unidos. Apesar do difícil momento pessoal, voou à última hora para Miami, para assistir à primeira final num torneio Masters 1000 do jovem murciano, que se podia tornar, aos 18 anos e 333 dias, o mais jovem de sempre a vencer em Miami, onde nunca nenhum homem espanhol, nem mesmo Ferrero ou Rafael Nadal, haviam logrado a vitória.
E foi com lágrimas nos olhos que Ferrero voltou a abraçar Alcaraz após o triunfo do miúdo por 7-5 e 6-4 frente a Casper Ruud, duríssimo norueguês que muito dificultou a vida ao espanhol no primeiro set, para no segundo quebrar perante a variabilidade de pancadas e força mental de Alcaraz, que assim destronou Novak Djokovic como o mais jovem de sempre a vencer em Miami - o sérvio tinha 19 anos e 314 dias. Alcaraz é também o terceiro mais jovem de sempre a vencer um Masters 1000, categoria que vem logo abaixo em estatuto aos quatro torneios do Grand Slam.
Carlos Alcaraz já tinha entrado na história neste mesmo 2022, ao tornar-se no tenista mais jovem a conquistar um ATP 500, no Rio de Janeiro. No mesmo torneio onde em 2020 venceu o seu primeiro encontro no circuito, com imberbes 16 anos e uma expectativa já difícil de controlar. Há muito que se falava de um rapaz que se treinava em Villena, Alicante, e o muito que se fala nem sempre ajuda os prodígios. No caso de Alcaraz, não parece que tenha sido exagero: desde Federer, Nadal e Djokovic que não aparecia alguém com tantas armas, tão bem preparado, com um jogo capaz de rodar em qualquer superfície - ele que até se sente mais cómodo nos pisos rápidos, como confessou Ferrero ao “El País” em 2020, dando assim, para mais, um estaladão às ideias pré-concebidas em relação a tenistas espanhóis. A pandemia apenas parece ter atrasado aquilo que era inevitável e a transformação física dos últimos meses também atesta o compromisso de Alcaraz, que tem alguns dos melhores exemplos em casa.
ERIK S. LESSER/EPA
Tal como Rafa, o ídolo espanhol, Alcaraz parece também ter sido cunhado na categoria dos gentlemen. No torneio de Miami, ficou na retina não só os recordes quebrados, aquilo que mostrou em court, mas também o fair play que ganha bancadas: nas meias-finais do torneio, frente a Hubert Hurkacz, pediu a repetição de um ponto que estava ganho, por o polaco ter sido prejudicado durante a jogada por uma decisão errada do árbitro. O público adorou, claro.
E depois disto, o que se segue no fabuloso destino de Carlos Alcaraz? O tempo de ser modesto já acabou para o espanhol, que com a vitória em Miami ficou às portas do top 10 mundial - é 11.º. Ferrero já tinha avisado em 2020 que Alcaraz pensava “em grande”, que não tinha receio de enfrentar qualquer adversário fosse qual fosse o seu nome e o jovem já se vê a terminar 2022 de olhos ainda mais arregalados. Ganhar um torneio do Grand Slam ainda esta temporada não é algo que descarte, vê-se preparado para tal, numa fase em que as dúvidas quanto aos três grandes do ténis de adensam: Federer só deve regressar depois do verão, Nadal está lesionado e Novak Djokovic não tem competido devido a impossibilidade de se deslocar a uma série de países, por não estar vacinado.
“Diria que sim, que estou preparado [para vencer um torneio do Grand Slam]. Tenho o nível, tenho o físico e a mentalidade para o conseguir”, sublinhou à imprensa espanhola logo após o triunfo em Miami. “Talvez Roland Garros, quem sabe. Mas sim, vejo-me preparado para ganhar um torneio do Grand Slam este ano e não tenho medo de dizê-lo. Sei que há muitos grandes jogadores como o Rafa [Nadal], Medvedev, Tsitsipas, Zverev ou Djokovic, os melhores do mundo. Mas não tenho medo de dizer que estou preparado para ganhá-lo”, atirou, dizendo, no entanto, que não se considera “especial”.
“Não, nada disso. Vou ter o meu espaço, cada um procura o seu lugar”, frisou.
ERIK S. LESSER/EPA
E o seu lugar parece ser entre os melhores do mundo, mais cedo do que tarde. Sobre o seu jogo, fala sem amarras ou falsas modéstias, porque sabe que está um nível acima dos jovens da sua geração e até da geração que lhe precedeu - em Miami ultrapassou três top 10, um deles Stefanos Tsitsipas, que também já tinha batido no US Open de 2021.
“Sou um jogador muito dinâmico, tenho bastantes recursos e posso recorrer a diferentes pancadas. Isso é algo de positivo que tenho, há que dizê-lo. Há muitos jogadores tão agressivos quanto eu, mas não há muitos que tenham tantos recursos, que possam ir à rede e também dar força à bola, que procurem winners. Diria que sou o jogador que mais amorties faz”, disse também na (boa) ressaca do triunfo na Florida.
Rafael Nadal, que travou a sua caminhada em Indian Wells nas meias-finais, num intenso duelo de três sets, foi rápido a congratular aquele que surge como seu mais que provável sucessor no ténis espanhol. “Muitos parabéns Carlitos pelo teu triunfo histórico em Miami. O primeiro de muitos que vão chegar, seguramente”, escreveu o recordista de títulos em torneios do Grand Slam (21) no Twitter. Quando o maiorquino der descanso aos músculos que já lhe vão dando que fazer, a raqueta ficará em boas mãos.