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A inteligência do meio-campo português - e como ela nos ajuda a defender coletivamente

A inteligência do meio-campo português - e como ela nos ajuda a defender coletivamente
ESTELA SILVA/EPA

O treinador e analista Blessing Lumueno explica a importância de Fernando Santos ter fugido às suas escolhas mais conservadoras no primeiro jogo do play-off para apostar na inteligência como fator diferencial para a escolha dos três médios centro titulares frente à Turquia. E espera agora que não haja retrocessos

A inteligência do meio-campo português - e como ela nos ajuda a defender coletivamente

Blessing Lumueno

Treinador de futebol

Fernando Santos surpreendeu mais de meio mundo com a composição da equipa, no jogo com a Turquia, sobretudo pela forma como montou o meio-campo. Olhando, aliás, para os nomes dos três médios centro - Moutinho, Bernardo Silva e Bruno Fernandes -, dá vontade de utilizar a caricatura tão conhecida da Sofia Oliveira: "Mas quem é que defende?!".

Na praça mundial, e Portugal não é excepção, são poucos os que concebem um meio-campo sem jogadores de características marcadamente defensivas. Admite-se jogadores que se notabilizam a atacar, mas que também sejam conhecidos pelos seus dotes defensivos, mas outros de quem apenas se fala pelo que dão à equipa no momento em que esta tem a posse, nunca podem jogar sem alguém que os equilibre. No fundo, crê-se que, para ter alguém que diz atacar bem, precisas de uma muleta que defenda tão bem quanto o que ele ataca.

Essa crença deriva de uma cultura que ainda está instaurada de forma inconsciente, onde se pensava no futebol como um jogo partido, onde o colectivo era pouco importante para o seu desfecho e por isso se colocavam, para equilibrar a equipa, cinco jogadores para atacar e cinco jogadores para defender. O futebol mudou muito, mas ainda há crenças enraizadas desde o tempo dos Flintstones. Felizmente temos tido, em algumas zonas do globo com mais frequência, exemplos que nos mostram o contrário, que há outro caminho a fazer, e que, sobretudo, o futebol é um desporto de equipa. E como tal, os problemas do jogo, ofensivos ou defensivos, devem ser resolvidos na sua esmagadora maioria colectivamente.

A maior vantagem de ter jogadores no meio-campo (ou se quiserem, no campo todo) que sabem jogar à bola, que a tratam bem, que não têm receio de a pedir, que não se escondem quando são apertados, é o colocar-se a equipa adversária a defender na maior parte do tempo. Por isso, há um fundo de verdade quando se diz que com bons jogadores tecnicamente, com boa tomada de decisão e criativos, quem defende são os outros. Mas não no tempo todo. Acredito ainda que, o facto de se colocar a equipa adversária a defender na maior parte do tempo, com percentagens de posse de bola altas (70/30%, por exemplo), é o primeiro passo para se defender melhor; mas também entendo que não é o suficiente.

Esse entendimento, da insuficiência para se resolverem outros problemas defensivos quando a equipa está dotada de jogadores “ofensivos”, é o que leva a querer-se juntar a eles os carregadores de piano, os trincos, os que defendem. Chama-se pelos médios mais altos para ganhar bolas de cabeça, mais robustos morfologicamente para provocarem e/ou resistirem ao choque, mais potentes fisicamente para chegarem mais rápido próximo da zona de intervenção que possa necessitar deles. Basicamente, quer-se mais músculo, mais altura, mais peso.

Para quase todos, é inconcebível que uma equipa de jogadores baixinhos, e falados pelos seus argumentos ofensivos, seja capaz de resolver colectivamente problemas defensivos, por acharem que estes se resolvem, fundamentalmente, pela força. Sabendo-se que a ação individual sobre a bola é essencial, daqui não sai que a melhor forma de resolver problemas defensivos seja uma ação individual desconectada do resto dos comportamentos da equipa.

Um exemplo máximo disso, pela forma horripilante como era ultrapassado constantemente por todo lado e como era batido em velocidade por ser lento, é o Luisão que chegou a Portugal. A falta de agilidade fazia dele presa fácil nos lances de um contra um, e a morfologia não lhe permitia compensar isso porque mesmo correndo no máximo, os adversários há muito que tinham ido embora. Contudo, encontrou um treinador que colocou a equipa a defender como um todo, criou uma linguagem comum para todos os sectores, um dialecto entendido na ligação entre sectores, e uma forma de comunicar que fazia com que a linha defensiva defendesse junta, com os mesmos objectivos, a reagir da mesma forma, protegendo dessa forma cada uma das individualidades de si mesma. Luisão deixou de ser ultrapassado tantas vezes porque compreendeu que, jogando com os colegas, com a bola, com o fora de jogo, evitava expor-se aos seus defeitos. E quando era ultrapassado, era para sítios mais difíceis de aproveitar, para zonas controladas pelos seus colegas, ou para espaços que beneficiavam a ação do guarda-redes.

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