A Brisa que lidera o circuito mundial feminino é nómada e Hennessy quer continuar assim: “É importante rebentarmos a nossa bolha de vida”
Brisa Hennessy tem 22 anos, nasceu na Costa Rica, mudou-se muito nova para o Havai e agora vive nas ilhas Fiji quando não está a pular de um sítio para o outro. Chegou a Peniche como líder do circuito mundial feminino, estatuto que conseguiu pela primeira vez na carreira, mas, em entrevista à Tribuna Expresso, não parece fazer muito caso disso: “Sinto-me sortuda por fazer isto. O meu objetivo é conectar-me com o maior número possível de pessoas”
Há uma fotografia de Brisa Hennessy toda encavacada, a encolher-se e a fazer cara de timidez por sentir que estava onde não devia estar: pernas cruzadas, mãos pousadas no colo, costas a empurrarem o costado do assento e a face com um sorriso de boca fechada, a olhar para o passou-bem que se dá mesmo à sua frente. Sentada entre Frederico Morais e Kelly Slater no dia da apresentação do MEO Pro Portugal estava uma surfista envergonhada, mas que, nesse momento, tem uma cor que nenhum dos tipos que cruzam o seu espaço para trocarem um cumprimento tem.
Durante o tempo que estiver em Peniche a surfar, Brisa Hennessy irá para o mar com uma licra amarela vestida. O tom representa liderança no circuito mundial feminino, para quem não se pode adornar com ela no mar é um alvo posto em costas alheias, para a loura de olhos rasgados é um símbolo de calor, sol, felicidade e frescura. Palavras dela, que filosofa e divaga em cada resposta com os 22 anos de existência com uma mãe chef, um pai pescador, um nascimento como costa-riquenha, um crescimento como havaiana e uma adulta vivência como fijiana.
À terceira época em que compete no meio das melhores, Brisa é líder do circuito mundial feminino graças ao quinto lugar em Pipeline e à vitória em Sunset, ambas praias no Havai. Não quer ser um íman de pressão para si própria, fala sim em absorver as energias que caça nesta vida (tentou explicar quais são) e no quão importante é lembrar-se de sair da “bolha de competição” em que diz ser tão fácil um surfista deixar-se ficar.
Disseste há pouco que a tua vida é bastante não convencional. Porquê? Só porque nasci na Costa Rica, completamente fora do radar, no meio da selva, por ser o sonho dos meus pais viverem, surfarem e pescarem ali. Mudei-me para o Havai com 8 anos, ficámos lá durante 10 anos e, depois, mudámo-nos outra vez [solta uma gargalhada]. Fomos para as Fiji, onde agora vivemos parcialmente, pois estou sempre a viajar. Mas sim, chamaria a mim mesma uma cidadã do mundo. Ou uma surfista do mundo! Sou grata por isso.
Na tua página de Wikipédia até está escrito que tens “um estilo de vida nómada”. É verdade, está totalmente certa. Não faço ideia quem escreve essas páginas, mas é bastante engraçado. Sem dúvida que tenho uma vida bastante diferente, fez de mim quem eu sou hoje.
Os teus pais trabalham no ramo da hotelaria. A minha mãe começou por ser chef num ecolodge na Costa Rica e o meu pai é pescador, portanto, são duas profissões com as quais podes para qualquer sítio do mundo, literalmente. Só precisas de ter dinheiro. Eles sempre conseguir safar-se ao longo da vida tendo apenas um coração puro, intenções puras e conectando-se com as pessoas. E a vida é isto, certo? É assim que te vais movimentando pela vida. Aprendi muito com eles e o meu objetivo também é conectar-me com o maior número possível de pessoas.
Foto: Pedro Mestre/WSL
Mas, quando és criança, costuma-se dizer que não é assim tão bom estares sempre a mudar de lugar, porque fica difícil criar raízes ou fazer amigos. Sim, acho que há vantagens e desvantagens de estares constantemente a viajar, claro que é difícil deixares as tuas fundações e as pessoas com quem cresceste, porque são essas as coisas que tem constroem. Penso que a barreira da língua foi muito difícil para mim. Sair da Costa Rica sendo completamente fluente em espanhol e mudar-me para o Havai fez com que passasse por um mau bocado na escola, mas sem dúvida que aprendi muito rápido. Foi uma grande transição.
Hoje em dia dá jeito dominar dois idiomas? Sem dúvida. Mas as viagens abrem o mundo às crianças, acho que o normal é ficarmos na nossa bolha da vida e é importante rebentarmos essa bolha, vermos culturas diferentes e fazer com que evoluamos enquanto pessoa.
Ser surfista profissional ajuda-te a seguires essa intenção? Claro, sinto-me muito sortuda por poder fazer isto e ter os meus pais a virem à boleia comigo muitas vezes. Isso deixa-os bastante felizes.
Vieram para cá? A minha mãe está lá fora, é super especial tê-la aqui.
Não achas que isto é um estilo de vida do qual de vais fartar daqui a uns 10 ou 15 anos? Andar sempre a dar voltas ao mundo? Muitos surfistas já disseram que torna-se cansativo. Sabes, digo sempre que me canso de viajar, mas, quando paro e permaneço num sítio durante algum tempo, começo a pensar: “Bom, quero ir ver o mundo outra vez!”. O truque acho que está em procurar esse equilíbrio, aprenderes a escutar o corpo e saber qual é o tempo para ficar em casa mais um pouco, no teu espaço, antes de voltares a partir.
O que dizem o teu corpo e a tua mente agora que chegas aqui a Portugal como líder do circuito mundial? Sinto uma combinação de coisas. Nunca, nos meus sonhos mais loucos, pensei que teria a licra amarela. Se pensar em todas as surfistas que já a vestiram, são as melhores do mundo. Sinto-me super honrada. O meu estado mental ao chegar a Portugal como líder é tentar aproveitar o que representa a cor amarela: quando penso nela, é vibrante, solarenga, feliz e fresca. É esse tipo de energia que pretendo abraçar enquanto visto esta licra. Não quero ter a pressão do que realmente é, mas sim a energia que tem. E claro que espero poder trazer mais calor e sol a Portugal com ela também [ri-se].
Foto: Pedro Mestre/WSL
Para as outras surfistas, essa cor representa um alvo, que agora está nas tuas costas. Pois, daí ter o objetivo de encarar o amarelo desta forma [volta a rir].
Aproveitaste para conhecer a região do oeste, aqui à volta de Peniche? Fomos à Nazaré ver as ondas, não estavam assim tão grandes, mas, mesmo assim, a energia que transmitia era de loucos. Depois, fomos a uma pequena vila com um castelo, Óbidos, e achei-a muito bonito. É raro encontrar outros lugares com uma história como a que se vê aqui, sentimo-nos conectados com a natureza e as pessoas. Aliar isso ao surf e ao desporto, honrando a história dos lugares, é incrível.
Tentas arranjar tempo para visitar todos os lugares onde o tour pára? Esse é a minha prioridade, até mesmo quando viajo para lugares que já conheço. Quero conhecer pessoas e tirar tempo para honrar a cultura e, também, aprender um pouco da história e divertir-me um pouco. Sair da zona de conforto. É muito fácil deixarmo-nos ficar na nossa pequena bolha de competição e limitarmo-nos a surfar, surfar e surfar. Mas tens de ter um equilíbrio enquanto humano e fazer o que também gostas de fazer.
O que pensas da onda de Supertubos? Sem dúvida que vive de acordo com o seu nome. Sinto que nunca vi tantos tubos numa mesma área. É muito poderosa, é crua e é bonita, espero que apanhemos boas ondas.
Como líder de um circuito mundial, qual a opinião que tens da guerra que está a acontecer na Ucrânia? Bom, é um assunto doloroso para quem está a assistir de fora. Sentes-te muito inútil e sem esperança, de certa forma. É a conversa da bolha outra vez. Para nós, atletas, é muito fácil não nos apercebermos do que existe à nossa volta e há um mundo lá fora, que é difícil. Envio o meu amor para a Ucrânia e os ucranianos, e também para o povo russo, porque estão a colocar a sua vida em jogo em prol de um movimento… O que posso dizer é que acredito que, por dentro, todos somos bons.