1992, o Europeu de todas as mudanças políticas

Jornalista
9 de novembro de 1989. O Muro de Berlim caía, marco simbólico do definhar do bloco de Leste e do início de uma série de transformações políticas e geográficas que mudariam o puzzle do território europeu.
Em pouco mais de dois anos, a Alemanha seria reunificada, arrancava o desmembramento e as guerras civis na Jugoslávia e a União Soviética deixaria de existir - e o Euro 1992 seria uma montra de todas estas mudanças.
A começar pela Alemanha, pela primeira vez a surgir numa grande competição como uma única equipa, depois do processo de reunificação da República Federal da Alemanha e República Democrática da Alemanha. Ou, de forma mais prosaica, Alemanha Ocidental e Alemanha de Leste.
A nova seleção alemã acolheria o palmarés da antiga RFA, campeã europeia em 1972 e 1980, com a esmagadora maioria dos jogadores convocados para o Europeu da Suécia a transitarem da equipa da Alemanha Ocidental. Excessão para Matthias Sammer, Thomas Doll e Andreas Thom, que haviam sido internacionais pela Alemanha de Leste.
A Alemanha cairia na final, de forma surpreendente, frente a uma Dinamarca que nem sequer estava entre as equipas apuradas para o Europeu de 1992. E a sua presença está mais uma vez relacionada com política.
Porque 10 dias antes do arranque da competição, a UEFA seguiu os passos e recomendações das Nações Unidas, que haviam aplicado duras sanções à Jugoslávia devido ao eclodir da guerra nos Balcãs. Assim, expulsou a seleção do Euro, numa altura em que os jogadores já se encontravam na Suécia. Reza a lenda que os dinamarqueses, que tinham ficado em 2.º no grupo de qualificação ganho pela Jugoslávia, já estavam de férias quando receberam chamadas telefónicas a chamá-los para a competição.
A composição do grupo de atletas que teriam ido a jogo pela Jugoslávia já mostrava bem o nível de tensão que se vivia na região. As estrelas de origem croata Prosinecki, Boban, Jarni e Suker, todos eles campeões mundiais sub-20 em 1987, recusaram vestir a camisola da Jugoslávia, numa altura em que a Croácia já tinha declarado a independência e estava em luta armada com os sérvios. Srecko Katanec, de origem eslovena e jogador da então fortíssima Sampdória, foi outro que boicotou o evento, tal como vários jogadores bósnios de religião muçulmana.
Os convocados dos plavi eram essencialmente jogadores de origem sérvia, montenegrina, da Macedónia e um par de eslovenos, apesar de nessa altura a Eslovénia já ser um país independente e inclusivamente admitido na ONU.
O fim da União Soviética, assinado formalmente em dezembro de 1991, colocava outra questão em cima da mesa para o Euro 92: se a seleção da URSS que tinha conseguido a qualificação já não existia, quem iria ocupar essa vaga?
A solução passou pela formação de uma seleção da Comunidade de Estados Independentes (CEI), organização constituída por nove antigas repúblicas soviéticas, e que faria a transição até ao aparecimento das novas seleções nacionais
Foi, portanto, uma espécie de last dance para um grupo de jogadores que até aí tinham sido companheiros e a partir de 1992 seriam adversários. Na equipa estavam, por exemplo, Kakhaber Tskhadadze, que seria depois internacional pela Geórgia, Oleksiy Mykhaylychenko, que transitaria para a seleção da Ucrânia, Sergei Aleinikov, mais tarde jogador da Bielorrússia, com o grosso dos jogadores a tornarem-se no futuro internacionais pela Rússia, inclusivamente Sergei Yuran, na altura jogador do Benfica, mesmo que nascido na Ucrânia, tal como o selecionador Anatoliy Byshovets, natural de Kiev e que em 2003 teve uma curta passagem pelo banco do Marítimo.
Talvez pelo ambiente de canto do cisne, de final anunciado, a seleção da CEI esteve longe de viver à altura das expectativas criadas pelas anteriores participações da União Soviética no Euro - campeã em 1960, finalista em 1964, 1972 e 1988. Num grupo com Alemanha, Holanda e Escócia, a equipa da CEI ainda conseguiu empatar com a duas primeiras, grandes favoritas à vitória final, mas na última jornada tombou por 3-0 contra a Escócia, terminando assim em último lugar no grupo 2.
Foi também sob bandeira unificada que várias antigas repúblicas soviéticas participaram nos Jogos Olímpicos de Barcelona, poucos meses depois do Euro.
A geo-política e suas idiossincrasias não foram o único ponto de novidade no Euro 92, que foi a primeira grande competição em que as camisolas dos jogadores tiveram números à frente e nomes na parte de trás.
Em termos de regras, o Euro 92 foi o último torneio com apenas 8 equipas (Inglaterra 96 já teve 16) e com uma vitória a contar apenas dois pontos.
A introdução de novas regras de passe para o guarda-redes foi também realidade pouco depois do fim do Europeu de 92.
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