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Entrevista a Patrick Morais de Carvalho: “Foi extraordinária esta ida ao inferno porque uniu os adeptos do Belenenses à volta do clube”

O presidente do Belenenses, um clube histórico recém promovido à II Liga, deu uma entrevista à Tribuna Expresso na qual falou sobre a caminhada dos últimos cinco anos desde a última divisão distrital até aos campeonatos profissionais. A conversa abordou as verdades do futebol amador, o duelo com a SAD e ainda o futuro, o mais imediato são as eleições a 24 de junho para as quais Patrick Morais de Carvalho prevê para já não concorrer, mas também as novas exigências regulamentares que assume serem injustas e que entende beliscarem a integridade da competição

Hugo Tavares da Silva

Patrick Morais de Carvalho é presidente do Belenenses desde 2014

Nuno Botelho

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Que tarde de sábado foi essa no Restelo?
Foi um dia extraordinário. Somos invadidos por muitos sentimentos difíceis de traduzir em palavras. Talvez o sentimento principal seja: prometi e cumpri. Fomos ao inferno e deixamos agora o Belenenses à beira do paraíso nos campeonatos profissionais. Isso é muito importante para nós.

Quando há cinco temporadas começaram na última divisão distrital, qual era o plano?
Na altura, o que dizia aos sócios do Belenenses é que sentia que, com a nossa grandeza, a força da massa associativa e o apoio que os sócios iam dedicar ao clube, que iriam andar com esta equipa ao colo, tinha a forte esperança de que íamos subir todos os anos e que iríamos ser fortes em todos os contextos em que estivéssemos. A minha máxima era fazer o nosso melhor com as condições que tivéssemos até termos condições melhores para fazer coisas melhores. Eu acreditava, falei na altura até no TGV, que era um TGV imparável. Felizmente também temos tido aquela pontinha de sorte que protege os audazes e temos conseguido cumprir este objetivo, que parece fácil, mas que é muito difícil.

Imagino que seja inédito. Tenho de ir ver…
Penso que há mais dois clubes, a nível mundial, que subiram cinco vezes, embora não tenham chegado a campeonatos profissionais. Portanto, subir cinco vezes e chegar a um campeonato profissional é recorde do guinness.

De que se lembra especialmente quando pensa nestes cinco anos?
Em primeiro lugar, em 2018, quando num belo dia acordei com esta ideia de o Belenenses criar novos direitos desportivos e ir para a última divisão distrital, pedir o apoio dos meus colegas de direção, depois do presidente da assembleia geral e do presidente do conselho fiscal, que me deram esse respaldo e conforto para alimentar a ideia e depois apresentar esse plano aos sócios do Belenenses e os sócios acreditarem em mim e virem atrás de mim e da equipa. É uma coisa que me emociona, emociona-me muito.

Certo.
Depois, lembro-me que estou há nove anos à frente do clube, com muitos sacrifícios pessoais, sem ganhar um tostão, por amor ao clube e a esta massa associativa incrível. Depois, lembrei-me de todos os campos por que passámos dos distritais, que é uma riqueza extraordinária que só o Belenenses tem. Passámos por todos os campos, fomos sempre muito bem recebidos por toda a gente. Havia presidentes dos outros clubes, quando íamos jogar fora, que me diziam que queriam que o Belenenses ganhasse porque nós não éramos dali e que apoiavam a nossa causa. Fomos sentindo sempre um entusiasmo muito grande à volta da equipa. Depois, claro, houve momentos marcantes: tivemos de atravessar a covid-19, muitas incertezas, campeonatos que podiam não terminar. Se olharmos para trás, tivemos de ser sempre muito competentes em todos esses cenários e contextos, por isso estou muito feliz.

Já viveu o futebol da 1.ª Divisão e o da última distrital. Qual é o encanto do futebol amador?
Senti que voltei ao futebol dos anos 80, com o velho pião, com campos inacreditáveis. As pessoas recebiam-nos com as melhores condições possíveis que tinham, mas muitos campos não tinham condições para receber clubes com a dimensão do Belenenses, pelo número de adeptos que nós carregávamos sempre nos jogos fora. Houve momentos extraordinários, voltar ao courato e à imperial, àquele puro futebol. Foi doloroso, foi um caminho cheio de espinhos, mas ao mesmo tempo também trouxe uma riqueza extraordinária ao clube.

O que foi mais difícil até aqui?
Em todas as divisões que o Belenenses chegou, para nós era sempre uma novidade, não conhecíamos os adversários, os campos, os treinadores, nada. Então, o foco tinha de ser sempre em nós próprios e tentar sempre montar rapidamente a equipa que se adequasse ao campeonato que íamos enfrentar. Depois, apesar de o clube ter uma situação económico-financeira muito estável e de ter um património invejável, a tesouraria do clube é um caos constante, portanto houve esses problemas associados à guerra jurídica que fomos trabalhando contra a SAD, porque não nos podemos esquecer que este caminho tinha de ser trilhado em dois planos. No plano jurídico era muito difícil obter os sucesso que conseguimos obter e depois casar isso com o plano desportivo, ainda havia essa situação. Tem ainda mais valor por causa disso, havia aqui muitas contingências à volta desta equipa.

Patrick Morais de Carvalho, presidente do Belenenses, no Restelo

Patrick Morais de Carvalho, presidente do Belenenses, no Restelo

Nuno Botelho

O Belenenses tem estrutura e estará pronto para a II Liga? Não há perigos nesta subida vertiginosa?
Para já, o que tenho de dizer é que, com o jogo do próximo 21 de maio [Belenenses-Leiria decidem campeão no Jamor, 18h], a minha missão fica cumprida. Tudo fiz, lutei, a dada altura, principalmente esta época, fui dos poucos senão o único que sempre acreditou na equipa, no treinador e nos jogadores, que foram fantásticos, não precisaram que ninguém acreditasse neles para conseguirem atingir este objetivo. O Belenenses tem bases para estar na II Liga. É um campeonato muito exigente. Do ponto de vista orçamental, é muito mais exigente. É preciso reunir-se uma série de condições, algumas estão reunidas, outras vão ter de ser reunidas, a que o Belenenses vai ter forçosamente de dar resposta, desde logo o licenciamento do estádio. Há exigências, no meu ponto de vista enormes e se calhar algumas sem grandes sentido da Liga e da APCVD, que obrigam de imediato o clube a ter de despender centenas de milhares de euros. Estamos a falar de mais de meio milhão de euros para licenciar o Estádio do Restelo, portanto é uma dificuldade acrescida para nós. Entendo até que exista alguma concorrência desleal e que até se coloca em causa a integridade da competição, porque a todos os clubes da I e II Ligas foi dado um período transitório de dois anos para se adaptarem às novas exigências. Agora, a União de Leiria e o Belenenses, e se houver um terceiro clube a subir da Liga 3, não temos qualquer período transitório, temos de adaptar imediatamente os nossos estádios às exigências. No caso do Restelo, que até é um estádio que tem recebido jogos internacionais nos últimos anos, as exigências somam mais de 500 mil euros, é disso que estamos a falar. Antevejo obviamente tempos muito difíceis, mas essa tem sido a sina do Belenenses.

Por caprichos do futebol, o Belenenses pode agora defrontar a SAD nos relvados da II Liga. Como vê esse cenário?
É um adversário como outro qualquer. Nem sequer é um rival, os rivais do Belenenses são Benfica, Porto e Sporting, portanto a BSAD ou a Cova da Piedade, o que for, é um adversário como outro qualquer, absolutamente igual aos outros. Não antevejo nenhuma dificuldade, será um adversário como outro qualquer.

Podia haver um gostinho em ganhar contra eles…
Não, não.

Acredita que este recomeço aproximou os adeptos do clube?
Claro, claro que isso se sentiu. Ainda ontem [sábado] estavam oito ou nove mil pessoas no Restelo. Muita juventude. Os adeptos do Belenenses uniram-se na adversidade para fazerem esta caminhada e nós temos sentido isso no aumento da cotização, no aumento do número de sócios. As pessoas neste momento estão muito felizes, muito empolgadas e, até ao momento e em termos associativos, foi extraordinária esta ida ao inferno porque uniu de facto a massa associativa à volta do clube. Nos últimos anos em que a SAD esteve no Restelo, havia já um divórcio muito grande, ninguém sentia aquela equipa como a sua equipa, portanto desse ponto de vista foi muito positivo, em termos associativos.

E agora, qual é o plano?
Há eleições a 24 de junho, é preciso entregar listas até 24 de maio. Apelo aos sócios que se organizem, que façam listas, que apareçam, porque à data de hoje continuam sem estar reunidas condições para eu ser candidato. Teremos de ter um plano orçamental viável e há a possibilidade de nos profissionalizarmos, não sei se vai ser possível garantir isso, pelo menos da minha parte até dia 24 de junho. O plano é: o Belenenses é imortal, vai encontrar certamente soluções e para o ano na II Liga vão ter de contar com o Belenenses.

Não se pode recandidatar?
Eu posso recandidatar-me, mas à data de hoje entendo que não estão reunidas condições para ser candidato. Não sei o que vai acontecer até ao mês que vem.

Porquê?
São nove anos, é um esforço extraordinário, porque já tenho dificuldades de explicar a mim próprio o racional da decisão, porque sou um dirigente pro bono, eu e os meus colegas de direção. Porque pagamos para servir o clube, não recebemos um tostão, é uma exigência brutal, é um número de horas de dedicação ao clube enorme. Fizemos isto tudo por paixão e amor ao clube, mas sentimos agora que prometemos, cumprimos e que a nossa missão fica cumprida no final do próximo dia 21.

Soa a despedida.
Sim, um bocadinho, à data de hoje diria que sim.