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Francisca Veselko, a campeã mundial júnior que vai atrás da elite: “Eu apareci e ninguém me conhecia, a malta perguntava quem eu era”

Aos 19 anos, é a nova campeã do mundo júnior da World Surf League e a conversa decorre dois dias após regressar dos EUA como a primeira portuguesa a lograr esta conquista. Quando não está no mar, Francisca Veselko treina no ginásio, tem aulas de pilates, atenta à alimentação e trabalhar com uma psicóloga, tudo para “treinar os pontos fracos e estar com as peças todas no sítio”. Em entrevista à Tribuna Expresso, explica como pretende surfar para entrar no circuito mundial onde nunca uma portuguesa chegou

Texto Diogo Pombo

TIAGO MIRANDA

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“Mas eu quero sorrir, estou feliz porque ganhei!” O repentino desabafo de Francisca Veselko, com o sol a despedir-se na Praia de Carcavelos, em Cascais, onde cresceu, é para retorquir a quem lhe pede que vá mudando de feição para o bem da diversidade fotográfica. A felicidade que nela desagua é mais do que justificada: poucos dias antes, virara, em San Diego, campeã mundial júnior da World Surf League, feito jamais alcançado por uma portuguesa.

Conquistou o título a domar e rasgar ondas nos EUA, país do pai, um surfista como é também a mãe de Francisca, congeminadores do berço de onde a portuguesa brotou para o surf. Um ano e meio após ser campeã nacional sub-18 e sénior, em simultâneo, reina agora sobre o escalão júnior internacional, laurel que a faz ser parabenizada ocasionalmente na areia da Praia de Carcavelos. E ela não pára de sorrir, agradece, está feliz.

És campeã mundial júnior depois de teres sido convidada a participar na prova.
Estou super contente com a minha vitória, sempre foi um sonho meu ser campeã mundial júnior, como estiver a fazer os QS [provas da Qualification Series europeia, uma espécie de segunda divisão de qualificação] e os Challenger Series [o principal circuito de apuramento] não tive oportunidade de me qualificar para o evento. Quando recebi a notícia que ia ter um wildcard fiquei bastante contente, não consegui negar, disse logo ao meu treinador: "Sousa, bora". E o Rodrigo disse logo que me queria ver a ser campeã mundial. E lá fomos nós.

Olhando para as adversárias, sentias-te candidata à vitória?
Sabia que ia ser um evento bastante difícil contra todas as melhores júniores do mundo, com grandes nomes, mas sabia que para vencer este campeonato teria de ser eu a apanhar as melhores ondas, teria de ser consistente, mentalmente forte, mas sabia que o meu surf estava lá, teria só de ser mesmo consistente para ganhar.

Escreveste, no Instagram, que o surf é muito mais do que se vê na água e houve muito trabalho de bastidores. E foi o quê, exatamente?
Nos últimos, pelo menos, três anos ou um bocadinho mais, tenho vindo a trabalhar físico, comecei recentemente umas aulas de pilates e também com uma psicóloga. Acho que todo esse trabalho tem vindo a ajudar imenso, ajudou muito para este resultado. Por isso digo que há muito trabalho, também na alimentação. Há muito além do surf, isto são tudo coisas difíceis de manter numa rotina, às vezes não nos apetece ir treinar físico, mas tem de ser, temos de fazer sacrifícios porque isto não é só surf. Tem dado bastante resultado e estou super contente com o trabalho que as pessoas têm feito comigo. Queria agradecer a todas elas.

É possível hoje um surfista ter resultados preocupando-se só com o que faz no mar?
Por mais talento que tenha, acho que uma pessoa tem de trabalhar muitas outras coisas, eu durante uns anos não fazia nada e agora tenho sentido imensa diferença. Acho que toda a gente o deveria fazer, mas cada um sabe de si.

O Gustavo Ribeiro, campeão mundial de skate, acha que toda a gente, desportista ou não, deveria ter sessões com psicólogos regularmente.
Concordo, com um psicólogo acabas por treinar os teus pontos fracos e consegues arranjar maneiras de dar a volta às situações, há truques. Tem sido super bom poder abrir-me para uma pessoa, falar da vida pessoal e de tudo o que se passa, para estares bem ao nível da competição tens de estar bem mentalmente e estar com as peças todas no sítio. Acho que tem sido uma grande ajuda, a minha final [no Mundial] foi um bom exemplo porque comecei mal o heat e consegui dar a voltar no final. Senti que tudo aquilo pelo que já passei, a experiência competitiva e por tudo o que eu e a minha psicóloga já falámos, consegui juntar tudo e dar a volta. Noutros campeonatos também virei à última e sei que é possível acreditar até ao final, só acaba quando a buzina toca.

Quando estás numa sessão, falas mais do lado desportivo, do pessoal ou tudo está tão interligado que não importa, porque o benefício será sempre geral?
Nunca falamos só de uma coisa em todas as sessões, é sempre um mix, trabalhamos nas duas partes.

Foste buscar o título aos EUA, onde vivem o teu pai e o teu irmão. Quando recebeste o wildcard falaste logo com eles?
Então, eu nasci nos EUA e vim para Portugal muito cedo com um mês, a minha mãe é portuguesa e o meu pai é americano. Desde então sempre morei cá, em 2018 estive com o meu pai nos EUA, é o que o meu irmão mais novo, o Jaime, está a fazer neste momento. Tem 13 anos e está a passar lá um ano. Quando soube que ia competir liguei logo ao meu pai, ficou todo contente, não consegue acompanhar tanto nas minhas viagens, vê sempre no live e tal mas nunca consegue estar presente. Foi super especial ganhar à frente deles e ter sido a primeira portuguesa a conquistar este título, foi uma mistura de emoções, foi incrível. Ter representado Portugal e conseguir meter a nossa bandeira no topo.

O teu pai, pelo passado de surfista, foi mais um treinador na areia?
Não, o meu pai já aprendeu a não se meter [risos], eu não gosto quando ele se mete ou quando começa a dar as suas dicas, ele só ficou na areia e consegui perceber que estava nervoso, quase com um ataque de coração, mas estava confiante, sempre a dizer-me: "Kika, I know you're gonna win, I'm feeling it". Pareceu que estava tudo conectado, eu estava a sentir, o meu treinador estava a sentir, a minha mãe e as minhas tias também em casa, parecia que era meant to be. A energia era super positiva.

Como conheceste o Rodrigo Sousa, o teu treinador?
Eu treinava numa escola que antigamente se chamava Surf Technique, o Rodrigo Sousa fazia parte do grupo de treinadores e todas as quartas-feiras tínhamos treino com ele e foi aí que nos conhecemos. Passados uns anos o Rodrigo foi-se embora, abriu a sua própria escola, eu mantive-me na outra e meio que perdemos o contacto, cada um começou a fazer 'a sua cena'. Depois, eu saí da Surf Technique, tive uns tempos com outro treinador, o Rodrigo vendeu a sua própria escola e, entretanto, eu voltei a contactá-lo bastantes anos depois. Disse que queria voltar a treinar com ele, que na altura também estava com a Carol Henrique [antiga bicampeã nacional e europeia] e a Mariana Garcia. Era um grupo feminino super forte, hoje em dia treino só com a Mafalda Lopes, mas desde então que não deixei de treinar com o Rodrigo. Temos uma relação muito forte, ele sempre foi o meu segundo pai, o meu pai português, conhece-me como ninguém.

Dá-te muito na cabeça quando as coisas não funcionam?
Não, ele é duro quando tem de ser, mas sabe lidar bem comigo, sabe como eu funciono e do meu passado e tudo mais, temos uma dinâmica diferente, ele trabalha de forma diferente comigo do que com outras pessoas. Cada um tem a sua atenção especial.

Kenny Morris/WSL

Tecnicamente, que aspetos achas que tens de trabalhar mais no teu surf?
Hum, de frontside [quando está de frente para a onda] temos estado a trabalhar para soltar mais o tail, antigamente estávamos nos carves e terminar melhor o gauge, mas isso já conseguimos atingir, agora é tentar soltar, dar manobras mais verticais em vez de se tantas rasgadas ou cutbacks, treinar mais a verticalidade. Tentar uns aéreos, trabalhar uns tubos. E de backside olhar mais para trás do ombro para poder dar manobras mais na zona crítica da onda e soltar o tail. Pronto, é um bocadinho de tudo [ri-se].

Sendo campeã mundial júnior agora tens acesso a todas as etapas do Challenger Series, em ondas mais pesadas e desafiantes, além do nível das adversárias.
Sim, o surf está a ficar cada vez mais progressivo, cada vez vejo mais vídeos da Sierra Kerr e da Erin Brooks [ambas com 15 anos] a darem rotações completas nos aéreos e esse também é o nosso objetivo, começar a trabalhar num surf mais progressivo para evoluir e acompanhar esta grande evolução no surf.

É com esse estilo que se conseguirá incomodar mais as ‘velhotas’ do surf, como a Stephanie Gilmore ou a Carissa Moore, no dia em que chegares ao CT?
Quando comecei a surfar já se davam aéreos, como é óbvio, mas sinto que hoje em dia está cada vez maior.

Há um ano e meio, quando ganhaste o título nacional sénior e sub-18, já dizias que o objetivo era entrar no circuito mundial. Agora já sentes mais pressão em consegui-lo?
Não, aprendi muito ao longo deste ano, qualifiquei-me para o Challenger Series, andava a ter bons resultados em Portugal e na Europa, de repente cheguei aos Challengers e comecei a perder tudo, a aperceber-me da realidade e do nível, que estava realmente bastante elevado. Percebi que tinha de puxar ainda mais por mim e este ano cresci imenso como atleta, na penúltima etapa, no Brasil, já tive um 9.º lugar e senti que mais para o final do ano fiquei mais confiante e a sentir-me mais dentro da cena. Era tudo tão novo, eu não sou uma pessoa tímida, mas, ao início, estava um bocadinho, é um meio em que todas têm grandes nomes, são muito conhecidas e sempre tiveram hype. Eu apareci e ninguém me conhecia, agora aos pouco já me vão conhecendo, mas era engraçado porque quando passava alguns heats ia para as entrevistas e a malta perguntava quem eu era. Davam-me os parabéns pelo meu surf, não faziam ideia, nunca tinham ouvido falar de mim. Por isso é bom que agora me vão reconhecendo aos poucos pelo meu trabalho. E pronto, também aprendi que cada um vai demorar o seu tempo, é tudo um processo, já percebi a dinâmica e estou confiante para este ano.

Também disseste que, a pouco e pouco, querias ir surfando ondas mais pesadas para te habituares. Já o começaste a fazer?
Sim, estive muito tempo fora, mas agora sempre que sei que vão dar ondas maiores ou mais desafiantes tenho ir para os Coxos [na Ericeira] também; estive agora no Havai, em Sunset, onde surfei ondas bastante grandes. Acho que é preciso viajar, Portugal tem altas ondas para treinar para o CT, como Supertubos, mas viajar também é importante.

Para à Austrália, ao Havai, ao Brasil e aos EUA terá de viajar muito, o que implica bastante dinheiro. Os patrocínios cresceram neste ano e meio?
Já tinha o meu contrato com os patrocinadores, no ano em que fui campeã nacional já consegui juntar algum dinheiro e fazer uns eventos. Em vez de gastar o dinheiro dos prize moneys em coisas parvas juntei tudo para poder fazer os campeonatos todos, é muito caro e difícil de fazer tudo, mas consegui. A Mafalda [Lopes] também se qualificou para o Challenger Series, o que ajudou bastante e fica um bocadinho mais fácil, pois dividimos as despesas.

TIAGO MIRANDA

Quando aterraste em Lisboa, a Mafalta Lopes e a Teresa Bonvalot estavam no aeroporto à tua espera. Dá a ideia que vocês, no surf feminino, são muito mais unidas e torcem umas pelas outras.
Somos obviamente super competitivas quando estamos dentro de água, amizades à parte, mas temos todas uma boa relação. Eu e a Mafalda viajámos com a Teresa para a Austrália, onde tivemos a sorte de presenciar a primeira vitória da carreira dela no Challenger Series e fiquei super emocionada, como se tivesse sido eu a ganhar. Acho que criámos uma relação super forte, é como se fôssemos família, assim como ela me apoia a mim e eu a ela, somos unidas mesmo sendo rivais.

E se tu e a Teresa, ou tu e a Mafalda, entrassem no CT ao mesmo tempo?
Não sei, aí pronto, o meu grande objetivo é estar no CT, quantas mais portuguesas fôssemos melhor, também para mostrar que o nosso país está ao alcance disso e que estamos a conseguir acompanhar a evolução dos outros países, seria importante e giro estarmos todas. Mas é um caminho individual, não é um trabalho de equipa, claro que somos unidas como já disse, mas é um desporto individual. Vou-me focar no meu caminho, cada uma se foca no seu e se estivermos todas seria muito bom.

O surf feminino ainda é pouco valorizado por comparação com o masculino?
Se calhar ainda é um bocadinho desvalorizado, mas está cada vez a ficar igualado, vamos tendo mais atenção, no CT temos o mesmo prize money, sempre houve uma grande discrepância para os homens. Fico feliz por estarmos a ficar ao mesmo nível. Somos menos nas competições, entramos uns rounds mais à frente, mas o trabalho é árduo da parte dos dois, não interessa se é surf masculino ou feminino, se calhar até há mulheres que trabalham mais do que homens e isso não tem de ter nada a ver. Estou contente com o que tem vindo a acontecer.

Será que vais ter um wildcard para a etapa de Peniche do CT?
Eu gostava muito, nunca participei num evento do CT, está nas mãos da WSL decidir isso. Estou aqui, cheia de vontade, espero que me chamem.