Chalana lembra-se como se fosse ontem, mas foi há 35 anos que se estreou como sénior pelo Benfica. Tinha 17 anos e 25 dias, mas isso eram coisas de um BI que já aldrabara aos 14 para vestir a camisola do Barreirense contra o Benfica no torneio Costa Azul. Na sua cabeça, era homem feito desde o primeiro joelho esfolado nos jogos de bairro entre o seu Lavradio e os putos mais velhos da Baixa da Banheira. Ganhava peladinhas e trocos para matraquilhos. “Cresci depressa.” Por isso, quando Toni lhe estendeu a mão naquela tarde de 7 de março de 1976, Chalana não sentiu um pingo de nervosismo. Só um friozinho na barriga. “Sempre estive à vontade.” Entrou ao intervalo do Benfica-Farense (3-0), um dos três jogos disputados em 1975/76: foi campeão nacional. Júnior e sénior.
Aos 17, Chalana conquistava um título de homem, com atitude de homem e com barba de homem igual à dos outros ídolos depois da revolução. “O Ângelo Martins (treinador dos juniores) não gostava, mas o meu pai deixava-me andar barbudo.” Falar com ele sobre talentos precoces é ridículo: Chalana foi um predestinado. “Melhor do que Futre ou Figo? Não sei. Eles é que me vinham ver jogar”, brinca
Do Barreiro à Luz
A história de Chalana no Benfica arranca com o “senhor Mário Coluna” a sair à socapa do Luso para não levar “umas porradas da malta do Barreirense” quando o foi observar. Coluna informou o Benfica, e o treinador Mirolad Pavic (1974/75) convenceu o clube a largar 750 contos, maravilhado após um treino de Chalana vestido com calções largueirões, que lhe caíam joelhos abaixo. O futebol português despertava para o pós-Eusébio.
Nos primeiros tempos, Chalana dava-se com “o Bastos Lopes e o Nené. Éramos os coca-colas.” Tinham o espaço deles dividido por um muro e do outro lado estavam os outros: os “cobras”. Humberto, Toni, Bento, Pietra: as velhas glórias que provocavam os do lado. “A gente dava-lhes troco! Mandávamos umas toalhas molhadas como mísseis!” Ninguém se descosia quando Humberto perguntava pelo “engraçadinho.” E pela calada, Chalana ganhou estatuto, e quando esfrangalhou o Sporting naquele 5-0 (três assistências dele) de 19 de novembro de 1978 já era uma estrela. “O Presidente Ramalho Eanes acenou com a mão aberta. Coincidência!”
Nesse jogo, Chalana fez gato-sapato de Artur. “Dizia-me: ‘Ó puto, Sai daqui que não te quero aleijar.’ O que me deu mais gozo foi marcar ao Sporting!” Será? Ao ouvi-lo, parece que preferia tourear os adversários a fazer-lhes golos. Os defesas não achavam piada. Num Roma-Benfica, o italiano Nela sentiu-se humilhado, cuspiu-lhe e deu-lhe umas “cacetadas.” Chalana respondeu num ritmo paso doble: “Fintava-o a ele e ao Falcão e gritava-lhes: ‘Olé!’ O Eriksson [treinador do Benfica em 1982/83] perguntou ao Toni se eu estava maluco.”
Eriksson marcou-o. Gostou do treinador; não tanto do homem. Diz-se que o sueco quis fazer dinheiro com ele. Chalana não finta a dúvida. “Em 1984, perguntava-me para onde queria ir jogar e para falar com o seu agente. Disse-lhe que Barcelona e Roma estavam interessados mas não fui ter com o agente. Ele disse-me: ‘Na Roma não jogas.’ Nesse ano, ele foi treinar a Roma.”
Chalana, que recusara o Sporting, uma batelada de dinheiro (25 mil contos), uma reforma vitalícia e uma casa, espreitava o estrangeiro. O brilharete no Euro-84 acelerara o processo. O Barcelona tinha-o sondado em 1982 mas preferiu Maradona, “um génio” que Chalana viu, de birra, ir direito ao túnel a meio de um amigável do Benfica na Argentina. Por fim, o Bordéus e os 400 mil contos para a construção do 3º anel. Chalana saiu. “Pedi 700 contos. o Boavista dava-me mil e o presidente Fernando Martins ofereceu-me 450.”
A Anabela
Lá foi ele para o Bordéus. Ele e a Anabela, que muitos acusam de lhe ter arruinado a carreira. “Os dirigentes não a proibiam de viajar comigo. Mas o que ela dizia não ajudava.” Foi ganhar mais (2500 contos), mas encontrou menos: um clube a roçar o amadorismo. Tinha de “urinar” atrás da árvore no campo de treinos e lavar os calções. “Quem me Massajava era o Dieter Muller [avançado alemão].” O joelho explodiu, a vida em casa implodiu: regressou à Luz em 1987 e saiu para Belém em 90. “Não fui mais o mesmo.”
O divórcio levou-lhe o dinheiro: viveu à custa de amigos pescadores e perdeu-se nas noites do Whisper’s. “Morri.” Renasceu no Benfica por um acaso. “Estava no Oeiras e havia um puto que fomos mostrar ao Benfica. Depois disse tudo o que me tinha ficado entalado ao Gaspar Ramos.” O rapaz do Oeiras não ficou, ficou Chalana, a cargo dos miúdos da Luz. Foi campeão a treiná-los e entre viagens ficou de cara à banda com “o benfiquista Ronaldo”, que indicou à Luz. “Não o quiseram.” Subiu à equipa principal a convite de Jesualdo, que acabou por desiludi-lo — “Não me ligava puto” — e foi adjunto de Camacho. Duas vezes. À segunda, o espanhol demitiu-se e Chalana ficou (2007/08). “Foi terrível.” Perdeu no Dragão, em Alvalade, foi assobiado. “Não quero treinar o Benfica. Quero ensinar.”
Também passou pelo Paços (adversário do Benfica na segunda-feira) como braço direito de José Gomes, mas diz que o trabalho foi minado pelas visitas de José Mota. Agora, comanda os juvenis da Luz, corre diariamente, atualiza o Facebook e delicia-se com Messi. E jura que se o pusessem em campo, seria melhor do que muitos que por aí andam. “Sempre terei jeitinho. É instintivo”, remata. Golo.