Falar com um desportista escassas horas depois de uma final perdida pode ser uma atividade pouco agradável. No entanto, quando Nuno Borges se senta para uma entrevista, por videochamada, com a Tribuna Expresso pouco depois de ser batido (5-7, 7-5 e 6-2) na final do Maia Open II, que decorreu no domingo, 19, por Chun-hsin Tseng, o tenista - apesar da natural tristeza associada à derrota - conversa com absoluta clarividência sobre um ano que "dificilmente poderia ter sido melhor", nas palavras do próprio.
Aos 24 anos, Nuno Borges abordou 2021 como a sua primeira temporada completa no circuito de ténis profissional. Em 2019, havia-se graduado na Universidade do Mississippi, onde tinha estudado e competido nos quatro anos anteriores. E em 2020, a pandemia parou o desporto em todo o mundo durante vários meses, pelo que a volta ao sol que está prestes a terminar se apresentava como uma vivência nova para o maiato. O balanço de um ano "de muitas primeiras experiências, etapas desbloqueadas e de criação permanente de novos objetivos, por serem atingidas coisas novas" é altamente positivo.
Nuno Borges chegou a três finais do circuito Challenger, a segunda divisão da modalidade a nível mundial, tendo perdido as do Oeiras Open II e do Maia Open II e conquistado em Antália, na Turquia, o primeiro torneio desta categoria na carreira. Venceu, no Estoril Open, o seu primeiro encontro no circuito ATP - a divisão máxima do ténis - e protagonizou uma escalada notável no ranking, tendo começado o ano como 399.º e estando, agora, na 194.ª posição, tornando-se no 14.º tenista português entre os 200 melhores do mundo.
A juntar a isto, revalidou o estatuto de campeão nacional absoluto e ainda venceu, com Francisco Cabral, seis títulos em pares, dois deles na Maia, ao longo das duas últimas semanas.
Para fechar desportivamente este ano "único", do qual faz um balanço "muito jeitoso", Nuno Borges competiu em casa, no Complexo Municipal de Ténis da Maia. No seu terceiro ano de existência, o torneio maiato passou de uma para duas semanas de duração, tendo Borges, em singulares, chegado às meias-finais no Maia Open e à final no Maia Open II.
O tenista confessa que "jogar com a família e os amigos nas bancadas foi muito especial", descrevendo o court central da Maia como "um dos melhores do país" e a organização do torneio como "excelente", por "acolher muito bem os jogadores e fazê-los sentir importantes e especiais".
Em 2021, os nove torneios do ATP Challenger Tour que se realizaram em Portugal constituíram um novo recorde para o país e Nuno Borges não duvida que "um dos passos para o crescimento do ténis nacional é começar a ter mais e mais torneios destes".
"Pode não se notar imediatamente, mas, por exemplo, no meu caso acho que foi evidente que a minha evolução também se deveu a este tipo de oportunidades. Ao início precisei de convites e a existência destes eventos permitiu começar a ambientar-me a este nível competitivo e a entender como era, porque só estando aqui se melhora. É inevitável que outros portugueses comecem a consolidar a sua posição graças a estes torneios. Tê-los aqui em casa é muito bom para o crescimento", defende.

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Se 2021 foi o primeiro ano completo de Nuno Borges no circuito profissional, isso também se deveu à decisão que o tenista tomou em 2015: rumar aos Estados Unidos da América, para a Universidade do Mississipi, onde estudaria e competiria no circuito universitário. O português explica que a decisão teve, como primeiro intuito, "comprar um bocadinho de tempo".
"Eu sempre gostei muito de jogar, mas nunca pus tudo de parte para poder jogar. Fui top 50 enquanto júnior, mas não era, de todo, de topo mundial. Quando comecei a jogar torneios future, não me via naquele nível competitivo, era intimidante jogar ali. Então, ao ir para os EUA, pude desenvolver o meu ténis sem tanta pressão, estando num circuito universitário, ao mesmo tempo que garantia os meus estudos. Sabia que não estava pronto para o circuito profissional, sempre tive os pés assentes na terra. Assumi que não me devia atirar de cabeça porque não tinha bases sólidas. E acho que correu bem, porque cresci muito como jogador e pessoa", explica.
Nuno Borges graduou-se, em 2019, em cinesiologia, "a ciência do movimento", tendo aprendido "um pouco de fisiologia, de anatomia ou de nutrição". Ainda assim, assume, entre um riso muito genuíno, que "a vida de estudante nos EUA pode não ser fácil", por haver "muitas distrações", as quais não são permitidas a um atleta porque "é preciso manter as notas altas para poder competir", o que gera "pressão por ter boas notas".
O português realça a "boa relação" que construiu com todos os professores, mostrando-se "interessado nas aulas" e fazendo-os ver que "quando faltava" não era por se estar a "baldar". Borges realça que aprendeu a "gerir bem o tempo" e que se divertiu por "estar num ambiente de equipa, o que, muitas vezes, não existe no ténis".
A vida de Nuno Borges em 2021 foi bem diferente da que o jogador da Maia tinha enquanto estudante do outro lado do Atlântico. Treinando no Centro de Alto Rendimento do Jamor, o tenista vive "cem por cento focado no ténis", explicando que os resultados "também vêm desse investimento", ainda que reconheça "não ser ainda daqueles que consegue passar muitas horas seguidas no campo" e prometa melhorar nesse aspeto.
Estando "muito agradecido" pelas "oportunidades" que a Federação ou o Estoril Open lhe deram de entrar em torneios, Borges conta que, nos últimos tempos, viaja "sempre acompanhado por alguém da Federação Portuguesa de Ténis" para os torneios, dizendo que isso ajuda a mantê-lo "na linha quando é preciso".
O galáctico mundo dos vencedores de majors é cheio de glamour, passadeiras vermelhas e contratos milionários, mas a vida de um tenista nas profundezas do ranking mundial é bem diferente. Nuno Borges sublinha que ainda se está "a habituar a este tipo de vida", referindo que "com a pandemia o calendário se tornou mais incerto, com tudo definido à última da hora, sem uma programação trimestral, nem pouco mais ou menos", o que deu ao seu quotidiano uma marca evidente: a da incerteza.
"Às vezes, quatro semanas antes ainda estávamos a decidir onde é que eu iria competir. Lá nos fomos arranjando no meio de um calendário irregular, mas faz parte, é a vida de um jogador de ténis. Se não fores um tenista de elite mundial, nada está planeado, tens de saber lidar com a incerteza e agarrar as oportunidades. Os torneios vão aparecendo e muitas vezes é difícil prever onde vamos jogar. Aconteceu eu já estar a planear jogar um qualifying, mas à última da hora entro no quatro principal, só que depois há jogadores que dois dias antes decidem ir ao torneio... É mesmo assim. Até haver a consolidação num novo patamar do ranking é tudo muito incerto".

Nuno Borges no Estoril Open 2021, onde chegou à segunda ronda
Millenium Estoril Open
Sob o ponto de vista financeiro, Nuno Borges diz que, "como os torneios têm corrido bastante bem", não está "com problemas, o que dá algum fôlego". Não obstante, reconhece ser sempre "uma luta", havendo tenistas que são "forçados a uma gestão apertada", porque "viajar com um treinador é caro, as despesas de um jogador são muitas e tudo isto leva a um grande stress". E não se esquece do "papel muito importante" que os seus pais tiveram, sendo "graças a eles" que continuou a jogar: "Se não fosse por eles, já teria saído do desporto. Sempre me apoiaram imenso, não estaria aqui sem eles", assegura.
Tendo subido mais de 200 posições na hierarquia mundial em 2021, Nuno Borges sublinha, todavia, que não é "obcecado" pela tabela, não "olhando nem para baixo nem para cima nem estando sempre a fazer contas" para saber em que posição estará consoante o seu próximo resultado. O tenista opina que é melhor "pensar no jogo que se vai ter a seguir e não estar focado em nada mais, porque isso é meramente um resultado do que acontecer no encontro. Não ajuda nada estar sempre a pensar nos números, ajuda é pensar no jogo e em como ganhá-lo".
Borges assume-se ainda "um novato" em torneios profissionais, precisando de "absorver a experiência e ensinamentos dos que competem há mais tempo". Respeito pelo tempo e pela duração do processo é, aliás, um ponto várias vezes sublinhado pelo jogador, que afirma que "o crescimento passa por estar mais tempo em contexto de alta exigência", precisando de "melhor tecnicamente e de crescer fisicamente", mas que tudo isso só vem com o já mencionado "tempo de trabalho".
Maia Open
Para 2022, Nuno Borges quer "continuar a melhorar", mas não coloca um objetivo concreto a nível de lugar no ranking, até porque "um torneio pode mudar a vida de uma pessoa para sempre" - que o diga Emma Raducanu, vencedora do US Open vinda do qualfying: "Quando fui à Turquia há três semanas, sair de lá campeão mudou totalmente a perspectiva do meu ano e do meu futuro próximo. É importante ambicionar objetivos, mas se calhar é melhor ir pensando torneio a torneio. É tudo um processo".
No processo do tenista, a próxima etapa é a estreia num torneio do Grand Slam, "algo que há bem pouco tempo não seria de esperar". Devido à sua ascensão na hierarquia mundial, Borges estará no qualifying do Open da Austrália, o primeiro major de 2022. O português diz que "ainda não há nervosismo" para o evento, revelando que irá viajar "com vários dias de antecedência" com o objetivo de se "ambientar bem ao fuso horário e a todas as condições".
Depois do torneio de Melbourne, o português vai "fazer um pouco de pré-época" e afrontar um ano com a mente colocada no circuito Challenger e "num ou outro torneio de maior dimensão".
Sempre com noção de que as coisas podem demorar o seu tempo e ponderando bem a próxima etapa, Nuno Borges vai crescendo no difícil mundo do ténis profissional com passos certeiros. As conquistas do final de 2021 enchem-no de confiança para um 2022 em que, além das suas ambições pessoais, irá torcer para ver Roger Federer, o "ídolo" que o "fascina", de volta aos courts.
Se há bem pouco tempo Nuno Borges "não acreditaria" que passaria por uma fase tão boa, agora os sonhos não deixam de estar bem presentes na sua cabeça. E o jogador não duvida na hora de escolher um deles como desejo de futuro: "Poder, um dia, jogar contra um cabeça de série num court central de um torneio do Grand Slam. Além de ser um sonho, é um sonho que sinto que um dia pode acontecer. Vou trabalhar para isso, para um dia jogar num central desses com imenso público a ver e toda a pressão e o ambiente do momento".
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