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Julio Velázquez: “Nós, no futebol, somos uns privilegiados. As pessoas que trabalham noutras situações perigosas têm um valor incalculável”

“Ou todos jogam ou todos param”. Não vai ser assim, mas é assim que Julio Velázquez acha que devia ser: o futebol europeu devia decidir, em conjunto, retomar ou parar, após a pandemia provocada pela Covid-19, não deixando cada Liga decidir sozinha. Em Portugal desde novembro, o treinador do Vitória está agora sozinho em Setúbal, já que a mulher ficou em Madrid, tal como os pais — a mãe, enfermeira, é quem mais o preocupa, numa altura em que, confessa à Tribuna Expresso, o futebol, no qual faz carreira há impressionantes 23 anos (começou aos 15...), “é secundário”.

Mariana Cabral

Julio Velázquez, 38 anos, é treinador do Vitória de Setúbal desde novembro de 2019. Em 2018/19 começou a época na Udinese (mas não chegou ao fim) e, antes, esteve no Alcorcón. Treinou pela primeira vez em Portugal em 2015/16, no Belenenses

RUI MINDERICO/LUSA

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Estás em Portugal ou em Espanha?
Fiquei em Portugal, obviamente, estou em Setúbal. Por uma questão de responsabilidade e porque, afinal, sou o máximo responsável pela equipa.

Estás sozinho?
Sim. A minha mulher vive comigo aqui, mas ficou em Madrid e a família também. Claro que a situação assim fica mais difícil. Ela tinha um voo para voltar para Lisboa, na sexta-feira antes de nós irmos para a Madeira jogar [o Vitória ia jogar com o Marítimo a a 14 de março], mas ir voar no momento que se vivia era impossível. Talvez pudesse ter vindo de carro, mas decidimos que era melhor não fazer isso, por uma questão de responsabilidade social. O melhor foi ela ficar lá e eu aqui. É assim, tem de ser. É uma situação em que todos temos de ser muito responsáveis, pensando no bem da sociedade.

Em Espanha a situação está muito pior do que em Portugal.
Sim, neste momento a Espanha e a Itália estão muito mal. Os hospitais estão com muitos problemas. A dinâmica do dia-a-dia acaba por ser similar com a de Portugal, mas claro que aqui ainda podemos sair e em Espanha é impossível andar na rua. Pelo que me dizem, a situação é muito difícil. Muitos mortos todos os dias. Esperemos que isto mude rapidamente.

O que aconteceu em Espanha para as coisas piorarem de forma tão drástica?
Não sei, sinceramente. Penso que faltava muito material e houve situações com muita população aglomerada e isso não ajudou. Claro que agora é falar por falar. Agora temos é de tentar fazer o melhor possível e arranjar soluções, não é tempo de andar a culpar ou responsabilizar as pessoas. Na altura certa haverá tempo de falar sobre isso. Agora há que ter uma mentalidade positiva, sem querer atirar as culpas. E eu não sou especialista, portanto também não poderia sequer fazê-lo.

A tua família está saudável?
Graças a Deus, tantos os familiares como os amigos estão bem, não conheço ninguém que esteja infetado. Mas, afinal, acho que em momentos assim até podemos dizer que somos todos família, ou seja, qualquer doente ou qualquer morto deve ser sentido como nosso, não? É uma situação de todos e precisamos da ajuda de todos.

É possível um treinador trabalhar fechado em casa?
Estou a aproveitar o tempo para trabalhar outras coisas, por exemplo, tenho aulas de línguas três horas por dia: uma hora de português, uma hora de inglês e uma hora de italiano. Falo com um professor por Skype. Depois, vejo futebol durante cinco a seis horas e também leio muito, vejo os jornais de vários sítios do mundo. Antes disto, também faço desporto, duas horas por dia. E também faço muitas ligações, videochamadas e telefonemas, para falar com a família, com os amigos, com os colegas. É este o meu dia-a-dia.

Também fazes videochamadas com os jogadores?
Videochamadas não, telefonemas sim. Temos uma logística preparada diariamente: eu falo com os fisioterapeutas e com o preparador físico, e organizamos tudo. Eles dão-me feedback do que foi feito e passamos trabalho aos jogadores, que todos os dias têm de nos mandar vídeos do que fizeram. Fiquei muito contente porque o clube fez uma parceria com um ginásio, para que os jogadores tivessem em casa bicicletas e material de força, para conseguirem treinar melhor. Claro que também vou falando com os jogadores, mas de forma mais direta, por telefone, e para verificar as questões emocionais, para saber como estão eles, as famílias, tudo isso. E também temos diariamente o feedback da nutricionista, que faz o plano de alimentação de todos e controla o peso. Portanto, dentro das nossas possibilidades, tentamos que seja tudo o mais organizado possível. Dentro das dificuldades que há, é muito importante os jogadores manterem alguma forma, porque se voltarmos a jogar é importantíssimo controlar a maneira como se mantêm durante este período.

Não é estranho para um treinador ver os jogadores terem só um plano físico, sem haver estímulos táticos e psicológicos?
Sim, claro. No que diz respeito à parte psicológica, por isso é que telefonamos uns para os outros, para falar um bocado, para os jogadores saberem que todos estamos envolvidos, todos dentro da mesma dinâmica e na mesma situação. Agora, em termos táticos não se pode fazer absolutamente nada.

Gualter Fatia

Do que tens mais saudades?
Tenho saudades de tudo. O que importa é que o mundo volte a uma dinâmica normal, porque esta é uma situação muito difícil para todos, com muitas mortes. O mais importante neste momento é ficarmos todos bem e voltarmos ao convívio normal. O futebol é secundário, o mais importante é a vida e a saúde.

Achas que será possível terminar a época?
Acho que agora é falar por falar, não se pode dizer nada, porque tudo irá depender da evolução do vírus. Depois do adiamento do Europeu, talvez fique mais um pouco mais fácil, porque há mais tempo. Mas o que para mim não faz sentido é terminar um campeonato, mas o outro não terminar, depois outro terminar... Para mim, tem de ser uma decisão conjunta, nos vários países: ou todos acabam a época, ou nenhum acaba a época. Mas claro que gostaria de disputar os jogos que ainda nos faltam disputar, porque isso quereria dizer que já estaríamos a voltar à normalidade. Mas a verdade é que isso agora é uma incógnita total. Temos de ser profissionais, ficar bem a nível emocional, ficar bem a nível físico e estarmos prontos, caso ainda haja campeonato, para representarmos bem o Vitória.

Tens contrato para a próxima época?
Não, o meu contrato termina no final desta época. Quando cheguei, assinei até final da época porque achei que assim seria melhor, e depois logo se veria no final.

Então o teu contrato termina no final de junho?
Sim.

E se o campeonato continuar a ser jogado em julho?
Não sei. Como te disse, acho que agora é só falar por falar, ninguém sabe nada. Há muita gente que finaliza contrato, sim, mas se os campeonatos continuarem diz-se que se calhar pode fazer-se uma adenda aos contratos... Não sei.

Gostas de estar em Portugal?
Sim, o que posso dizer é que gosto muito, muito, muito de Portugal. Estou contente em Setúbal, estou contente no Vitória, e acho que, dentro das nossas possibilidades, estamos a fazer um grande campeonato. No final da época analisamos e vemos o que é melhor para todos. Neste momento não penso no futuro, só penso no presente e penso a 100% na saúde de todos, isso é o mais importante. Depois, a nível futebolístico, gostaria muito que conseguíssemos terminar a época e depois logo se via.

Muitos clubes já reduziram os salários de jogadores e treinadores devido à falta de receitas. Aqui já falaram nisso também?
Não sei, acho que isso já é uma situação mais a nível da Liga e da Federação... Desconheço se falaram nisso.

Neste caso referia-me ao Vitória.
Ah, não, não se falou nada sobre isso.

Gualter Fatia

Agora que tens mais tempo, quantas vezes já viste o último jogo que fizeram, contra o Benfica (1-1)?
Não, por acaso não muda nada, é igual quando ganhamos e quando perdemos: depois dos jogos, como sempre, analiso e revejo o jogo duas vezes. Fazemos a análise com os jogadores, a nível coletivo e a nível individual, e vemos o que fizemos bem e os pontos em que temos de melhorar. E depois, pronto, o jogo fica feito e começamos logo a pensar no seguinte. Por isso já estávamos na preparação do jogo contra o Marítimo, mas afinal não pudemos jogar. Agora é esperar.

Então que jogos vês nessas cinco ou seis horas por dia em casa?
Vejo jogos de outras Ligas. Também vejo jogos de Portugal, mas mais do estrangeiro. Agora vejo muito jogos do Brasil, da Argentina, para ver jogadores, para conhecer o mercado. Também aproveito para ver equipas que gosto a nível de modelo de jogo. É muito importante aproveitar o tempo.

Quais são as equipas que gostas de ver?
Ah, gosto em geral, depende. Não posso falar só de uma, porque às vezes depende dos jogos...

Mas há treinadores que gostas mais de ver?
Não, não. Acho que se pode aprender com todos, tens de ter uma mente aberta. Por isso não gosto de me focar só numa coisa. Gosto de ter a mente aberta, ver situações no Brasil, ver situações em Itália, na Alemanha... Há sempre coisas interessantes para ver, na dinâmica de jogo, nas bolas paradas...

Achas que se joga bem em Portugal?
Não se pode falar assim de forma tão geral, porque cada equipa tem o seu modelo e depois depende das circunstâncias de cada jogo. Mas acho que é uma liga muito importante, que tem capacidade para evoluir. Acho que deve ter duas equipas a aceder diretamente à Champions e a terceira a jogar a qualificação e acho que isso vai voltar a acontecer na próxima época. Foi uma pena quando Portugal perdeu esse lugar no ranking com a Rússia. Portugal tem uma grande Liga, com bons treinadores, bons jogadores e ainda com capacidade para evoluir. Tanto agora como na altura em que estive no Belenenses posso dizer que gostei e gosto muito da Liga e de Portugal, por isso é que tentei falar o mais cedo possível a língua, por respeito ao país e aos adeptos. Sinceramente, aqui sinto-me como se estivesse em casa.

Não sei se já ouviste isto, mas em Portugal diz-se que quando os portugueses vão a Espanha, os espanhóis não percebem nada do que dizemos. Mas os portugueses percebem os espanhóis.
[risos] Sim, já ouvi, e aprendi muito com os portugueses nesta área, porque os portugueses têm uma capacidade incrível para as línguas. Para mim, isso é um ponto muito positivo. Aprendi isso com os portugueses. E não gosto quando estou em Portugal que haja pessoas que tentem falar comigo em espanhol, para me facilitar a vida. Não quero que me facilitem a vida. Já o disse desde o primeiro dia: eu é que estou em Portugal, eu é que falo em português. É assim, por respeito.

Alessandro Sabattini

Em Itália, quando estiveste na Udinese, também foi assim?
Sim, quando fui para Itália fiz o mesmo. Aprendi e em 12 dias já estava a falar em italiano. Agora estamos num mundo muito globalizado e acho que é muito importante saber falar várias línguas, e isso foi uma aprendizagem que tive quando fui para Portugal.

Disseste que a Liga portuguesa ainda tinha capacidade para evoluir mais. Referes-te às questões fora de campo, como quando aconteceu aquele vosso diferendo com o Sporting, quando tinham os jogadores doentes?
Essa situação aconteceu, já passou e não quero falar mais sobre ela, não vale a pena. Portugal é um país que gosta muito de futebol. As televisões têm futebol todos os dias, há jogos de todos os países, há três jornais desportivos - há muito futebol e gosto muito disto, porque, para mim, o futebol é paixão, é emoção. Na minha opinião, Portugal também tem excelentes condições para vender a Liga para o estrangeiro. Estamos a falar de um país em que a seleção é campeã europeia, de onde saem sempre grandes jogadores, grandes treinadores, e acho que há todas as condições para se vender ainda mais o campeonato para o estrangeiro, isso poderia ser benéfico para todos.

Os adeptos do Vitória normalmente acompanham muito a equipa.
Sim, sem dúvida, são adeptos extraordinários. Comigo sempre tiveram um comportamento maravilhoso, tratam-me de forma extraordinária na rua e no estádio. Senti-me muito acarinhado desde o primeiro dia. Sinto muito respeito pelo meu trabalho e por mim. Só posso falar muito bem dos adeptos vitorianos, que nos apoiam sempre de forma incondicional em Setúbal.

Já foste comer choco frito?
[risos] Sim, claro, muito. Quando estamos a treinar, vou todos os dias almoçar fora, porque gosto de fazer a minha vida diária no estádio, por isso chego lá por volta das 7h da manhã e vou-me embora pelas 21h. Só saio para almoçar e gosto de fazer isso, para conhecer melhor a cidade. O choco e o peixe são incríveis.

Paolo Rattini

Nasceste em Salamanca...
[interrompe] Nasci em Salamanca, mas morei sempre em Valladolid, por isso considero que a minha cidade é Valladolid. A minha mulher mora em Madrid, porque temos a nossa morada de residência em Madrid, mas tanto a família dela como a minha moram em Valladolid, e foi aí que cresci.

Então quando eras criança apoiavas o Salamanca ou o Valladolid?
O Valladolid. Nasci em Salamanca porque os pais da minha mãe eram de lá e então fui lá nascer, mas depois fui logo para Valladolid. Mas é verdade que íamos muito a Salamanca, porque a minha família tem lá casa. E lembro-me perfeitamente que jogavam lá Taira, Pauleta... Havia vários jogadores portugueses em Salamanca.

Quando é que começaste a ver o futebol português? Antes de vires para o Belenenses, em 2015?
Muito antes. Porque há muitos anos, quando treinava os sub-19 do Valladolid, também fazia observação para a equipa principal, sobretudo da Liga portuguesa. Portanto isto foi há 17, 18 anos. Já nessa altura vinha muitas vezes a Portugal, quando tinha 20 ou 21 anos, para ver jogadores. A cada 15 dias estava cá em Portugal. Acabava o meu jogo em Espanha e vinha, ou vinha antes do meu jogo, já que Portugal fica muito perto de Valladolid. Já sigo a Liga portuguesa há muitos anos e sempre gostei muito dela.

Referenciaste alguém nesse altura?
Ui, isso já foi há muito tempo, sinceramente. Mas fui conhecendo muitas pessoas do mundo do futebol em Portugal e é uma liga e um país do qual gosto muito. E agora estou muito feliz aqui, tanto eu como a minha mulher. Estou bem aqui a treinar e a morar, é um país muito acolhedor.

Começaste a ser treinador muito cedo.
Sim, com 15 anos, ou seja, há treino há 23 anos. Muitos anos [risos].

Já sabias que querias ser treinador?
Sim, era mesmo uma questão de vocação. Na altura jogava e treinava, mas quando cheguei aos 19, 20 anos percebi que era impossível continuar com as duas vertentes, por uma questão de disponibilidade, por isso decidi que queria ser treinador a 100%. Tirei todos os níveis e treinei em todas as categorias, desde os miúdos de sete anos até aos seniores. Passei por tudo.

Jogavas em que posição?
Era central. Não era mau nem bom, gostava muito, mas sabia que queria ser treinador. Eu com 19 anos treinava jogadores de 18 anos [risos]. Por isso é que tive me concentrar a 100% em ser treinador, ainda que tivesse sempre acompanhado a carreira com a minha formação académica: primeiro estudei marketing e depois educação física, como licenciatura e mestrado. Mas o meu objetivo era claro: tentar ser treinador profissional. Consegui, graças a Deus, e espero continuar assim durante muitos anos.

Quem eram as tuas referências naquela altura?
Já foi há muito tempo, mas quando comecei a treinar, quem treinava o Valladolid naquela altura era Pacho Maturana, treinador colombiano, por isso ia vê-lo treinar. Também via o Vicente Cantatore, que também treinou o Valladolid. E também gostava muito de seguir treinadores de todo o mundo. Analisei muito o Arrigo Sacchi quando comecei, Johan Cruyff também... Muitos treinadores de vários países, porque quando somos novos temos de conhecer várias coisas e tentar melhorar constantemente, para aprender mais.

Hoje há alguém que seja mais especial para ti?
As coisas evoluem constantemente e gosto de apanhar ideias boas de todo o lado. Pode haver situações interessantes em todo o lado, na 1ª Liga ou na distrital, por isso gosto muito de falar com colegas treinadores, porque todos podem dar-te algo. Se uma pessoa é humilde, consegue sempre ouvir e adquirir coisas dos outros.

Em Portugal há muito a mania de se dizer que os treinadores portugueses são os melhores do mundo. Já ouviste isto?
Não ouvi. Acho que estamos num mundo globalizado e há bons treinadores em todo o mundo. O mais importante é ser respeitoso com o trabalho e com os colegas. Devemos seguir o nosso caminho sem chatear os outros. Só posso falar bem dos meus colegas portugueses, porque sempre me senti muito respeitado em Portugal e tento sempre respeitar todos. Pelo menos essa é a minha maneira de ver a vida. Sejamos do Japão, de Espanha ou de Itália, já estamos a viver num mundo globalizado, como se vê pela situação da pandemia. Temos de ser todos mais humanos nas nossas vidas.

Gualter Fatia

Em Espanha, em Itália e em Portugal notas, por padrão, muitas diferenças no tipo de jogo praticado?
Tudo vai mudando. Em Itália, antes, as equipas jogavam mais fechadas, mas isso mudou, basta ver o Nápoles com Sarri ou a Sampdoria com Giampaolo ou o Inter com Spalletti... Ou o Milan com Sacchi... Acho que as coisas vão mudando. Há coisas que se notam mais em algumas ligas, claro: o futebol italiano é muito tático, não há muito espaços, e isso continua assim; no futebol inglês há muito ritmo, muita dinâmica, idas e voltas constantes de área a área; no futebol francês depende-se mais do físico; no futebol espanhol há mais técnica, mais relação com a bola; e no futebol português acho que temos algo muito misto, muito global, com muitos duelos individuais, também com um futebol técnico. Mas depois tudo depende de cada equipa, de cada treinador, dos jogadores, do modelo de jogo... Ao longo da época também vais mudando princípios, por exemplo, por isso acho que já não há assim tendências tão claras e fixas como anteriormente.

Como é que o teu modelo de jogo foi influenciado nas várias equipas e ligas onde estiveste?
Para mim o modelo de jogo é dinâmico, depende sobretudo dos jogadores que tens, mas, claro, da sensibilidade e da ideia que cada um tem da maneira que quer jogar. No final, somos nós, as nossas circunstâncias e a forma como vamos evoluindo na vida: como quem falamos, quem temos perto... É assim que nos vamos construindo, pessoal e profissionalmente. Eu gosto de ter uma mentalidade positiva, quero que as minhas equipas tenham uma mentalidade baseada em ganhar sempre, em casa e fora, que tentem jogar sempre no meio-campo adversário, que queiram atacar muitas vezes a baliza adversária, que joguem para os adeptos, para que eles desfrutem. Gosto de um futebol positivo: tentamos atacar e jogamos sempre para tentar ganhar.

Mas sabes que o Vitória, antes de chegares, tinha uma ideia de jogo totalmente oposta a essa.
Sim, mas como já disse, gosto de ser muito respeitador dos colegas e não gosto de falar do passado, só posso falar do tempo em que estou no Vitória. Respeito o trabalho que foi feito antes. Ficámos muito orgulhosos do trabalho que os jogadores têm feito, apanhámos um balneário extraordinário em termos humanos. Temos dificuldades de orçamento, temos o orçamento mais baixo da Liga, mas mesmo com as nossas dificuldades, sem campo de treinos fixo, acho que estamos a fazer uma época muito boa, a jogar muito bem, com os adeptos a gostar. Estou muito satisfeito com o nosso trabalho.

Na primeira semana de treinos no Vitória, tendo em conta essa ideia de jogo que mencionavas anteriormente, focaste-te mais em organização ofensiva?
O futebol é um todo, não se pode trabalhar uma fase sem trabalhar a outra. Digo muitas vezes: se atacamos bem, defendemos melhor; se atacamos mal, vamos defender mal. Gosto que fique bem claro o modelo de jogo e depois, dentro disso, a cada fim de semana, há outros pormenores, tens de trabalhar um plano estratégico, vendo como joga a equipa adversária, que pontos fracos tem e como podemos atingi-los. Olhamos mais para os pontos fracos do adversário do que para os fortes, para lhes tentarmos causar problemas. Temos de tentar levar o jogo para onde nós queremos.

Quais eram então os pontos fracos do Benfica?
Bom, agora não faz sentido falar sobre isso. O jogo já terminou, fizemos um grande jogo, com grande transcendência. Era um jogo muito importante para eles e nós ficámos muito orgulhosos, tal como os nossos adeptos. Foi muito bom para o clube, para a cidade, mas agora é pensar no futuro, e isso passa por resolver este problema que temos a nível mundial. O jogo contra o Benfica foi extraordinário, mas já está num passado longínquo, agora o nosso presente é a nossa vida.

Quando isto tudo acabar, qual é a primeira coisa que te apetece mesmo fazer?
Sinceramente, só quero ver a minha família. É uma situação difícil para todos, mas claro que me sinto sozinho, porque a minha mulher está em Madrid, também sozinha. E os meus pais também, e ainda por cima a minha mãe trabalha num hospital, por isso fico sempre muito preocupado, não é? São pessoas já com alguma idade e espero que não aconteça nada de mal. Só quero que isto acabe e que possa ir lá vê-los.

A tua mãe está agora a trabalhar?
Sim, é enfermeira num hospital de Valladolid. E ela reforma-se em junho... Mas agora, com esta situação, o mais importante é ajudar as pessoas para que tudo fique bem. Claro que isto me deixa preocupado, porque é um trabalho que agora é muito perigoso, mas tem de ser. Também fico muito orgulhoso da minha mãe, porque estes são trabalhos que ajudam as outras pessoas num momento muito difícil para todos.

Antes disto, a sociedade endeusava o futebol, mas, no meio da pandemia, o futebol passou a ser irrelevante?
Não acho que o futebol seja irrelevante, mas numa situação extrema como esta, é claro que passa completamente para outro plano. Quem trabalha no futebol é um privilegiado, nós somos uns privilegiados. As pessoas que trabalham noutras situações perigosas têm um valor incrível. Não só as que trabalham nos hospitais, mas os polícias, os padeiros, as pessoas que trabalham nos supermercados, as pessoas que levam o lixo... São trabalhadores que deviam ter um valor incalculável para a sociedade.

Versão alargada da entrevista originalmente publicada na edição semanal do Expresso de 4 de abril de 2020