- Não quero desiludir esta gente toda.
A cabeça pensa sozinha, uma rebelde sem pedir autorização, foca-a neste pensamento. Joana não é capaz de a domar à medida que os seus pés descalços calcam a areia da Nazaré, em direção ao mar. A praia está repleta de pessoas que gritam e vibram, um apoio e um cruzar de dedos que a põem ansiosa e nervosa. Mexem com ela, logo a ela, a algarvia tão descontraída, habituada a estar nas ondas como está na vida, relaxada na tranquilidade que faz sobressair o melhor nela. “As coisas correm-me muito melhor quando não penso no resultado”, diz a bodyboarder que compete por pontos, vitórias, heats, títulos e afins que se originam em resultados.
Mas está a pensar, só pensa nisso, quando está no mar com Alexandra Rinder, uma amiga e ex-campeã mundial que lhe ganha, a meias com os nervos e as ânsias. Joana Schenker perde e continua a pensar, triste embora não derrotada, que ainda há uma etapa nas Ilhas Canárias. Isso faz do não ganhar na Praia do Norte um facto que nada deita a perder. E sobra outro: Rinder ou Isabela Sousa, alemã e brasileira que mais a perseguem no ranking, têm de chegar à final na Nazaré para que ela, a Joana que é profissional a tempo inteiro há apenas dois anos, não possa sair feliz e contente dali.
Uma perde primeiro que a outra, desconexão temporal que coloca uma praia a contar os minutos e os segundos quando se percebe que Isabela pode, e vai, perder. É uma praia de gente nervosa e ansiosa como Joana Schenker, porque Nazaré é terra de ondas grandes e de bodyboard e percebe que há hipótese de, pela primeira vez, uma portuguesa ser campeã mundial ali mesmo.
- Parecia que o tempo nunca mais passava. Estava tudo ali “está quase, está quase, faltam 20 segundos”.
Quando a derrota de outras é a maior vitória de uma vida para Joana, ela perde a noção do tempo, do sítio, do feito, da importância. Celebra, recebe abraços, está nos braços de Francisco Pinheiro, o treinador e namorado, agradece a toda a gente. À noite festeja um pouco com amigos e cerveja e no dia seguinte, só nesta segunda-feira em que lhe falamos, realiza o feito que foi capaz de fazer:
Não é apenas o enorme título de campeã do mundo que logra a 8 de outubro, é o tetracampeonato nacional a 27 de agosto e o ser quatro vezes campeã europeia a 23 de setembro.
Em pouco mais de um mês, a portuguesa que nasceu há 30 anos em Vila do Bispo, perto de Sagres, obra de pais alemães que assentaram a vida no Algarve para terem e verem crescer quatro filhas, ganha tudo o que há no bodyboard. Fá-lo já depois de vencer a etapa do circuito mundial na Praia Grande, em Sintra (17 de agosto), onde embala de vez para a catapulta de sucesso em que se encontra.
E no estado feliz, relaxado e tranquilo em que está, agora sim, quando nos fala desta vitória, do que sentiu na Nazaré, do que aí vem e do que tudo isto pode fazer pelo bodyboard num país "onde é difícil fazer desporto".

João Paulo Araújo
Muitos parabéns, és campeã mundial.
É verdade, quem diria há um mês, hein?
Como foi a festa?
Muito calminha, foi só mesmo uns brindes de cerveja com os meus amigos e o pessoal lá do campeonato. Vim para Lisboa, tenho umas coisas para fazer hoje e depois vou para casa.
Já te caiu a ficha do que te aconteceu?
Sim, já começa a cair, sim. Ontem parecia que ainda não estava a perceber bem o impacto disto tudo. Hoje olhei para os jornais e liguei a televisão e apercebi-me. Não estava à espera de tanto.
Quando é que te apercebeste que já tinhas garantido o título?
Já estava fora da água. Perdi nos quartos-de-final contra a Alexandra [Rinder], num heat direto. Ela também estava na corrida ao título, juntamente com a Isabela Sousa. Era um heat muito decisivo e acabou por não me correr muito bem. Fui eliminada. Pensei que tinha desperdiçado uma grande oportunidade. Claro que nada estava perdido porque, mesmo que uma delas ganhasse o campeonato, ainda podia perfeitamente lutar pelo título nas Canárias. Já nem estava a pensar em chegar ao título nesta etapa, porque tinha acabado de perder, e elas voltaram a competir nas meias-finais. E foram as duas eliminadas! Primeiro foi a Alexandra e aí pensei ‘pronto, agora a Isabela, que é a melhor bodyboarder do mundo, não vai dar hipótese’.
Pois, mas vacilou.
Acabou por cair, nem queria acreditar. No fim do heat, quando já só faltavam cinco minutos, nem estava a conseguir olhar bem para a água. Parecia que o tempo nunca mais passava. A praia estava cheia de pessoas a torcerem por mim, quase a sentirem a mesma ansiedade, praticamente toda a gente sabia como estavam as contas. Estava tudo ali ‘está quase, está quase, faltam 20 segundos’. Foi muito giro.
Acusaste a pressão do momento antes de a prova arrancar?
Acho que sim. Naquela heat de ontem em que perdi com a Alexandra acusei um bocado a pressão. Não estava na minha forma total. Cometi erros, estava nervosa, sabia que não queria deixar escapar esta oportunidade. Tinha que estar focada nela e não no resultado. Acho que me foquei demasiado no resultado e isso não funciona bem comigo. Normalmente as coisas correm-me muito melhor quando não penso no resultado. Tinha toda a gente na praia a olhar para mim, naquele heat. Quando acabou percebi que nada estava perdido, mas claro que fiquei triste. Tinha acabado de desperdiçar uma oportunidade.
Como é que se aprender a lidar com isso?
É o crescimento normal de um atleta. Antes acusava muito mais a pressão, e muito mais depressa, em outras situações. Agora já me consigo controlar. Esta foi a primeira vez que estive num heat que podia decidir o campeonato mundial [ri-se]. Por norma controlo-me bastante bem, mas, aí, a minha ansiedade falou mais alto.
Agora que já és campeã mundial, como vais encarar o próximo ano?
Neste momento não sei. O meu foco vai ser competir, como é óbvio. Em 2018 começa tudo do zero, as coisas que estão para trás ficam na história e não contam para o que aí vem. Temos de começar de novo. O mais importante que levo comigo é surfar muito e ir evoluindo. Se conseguir fazer isso, acho que os resultados vão aparecer. Para o ano vou com uma bagagem ainda maior, portanto, vou estar mais tranquila e confiante naquilo que sou capaz de fazer. Já mostrei a mim mesma que é possível.
Porque chegaste ao título ao segundo ano completo em que consegues competir no circuito.
Exatamente, o que é incrível! Surpreendi-me muito a mim mesma, não por achar que não era capaz, mas por não pensar que as coisas se iam compor tão rapidamente. Para se vencer o circuito mundial há muitas vertentes que se têm de encaixar. Não é só o atleta que tem de estar bem, há muitas coisas que podem acontecer. Estamos no mar e o mar é uma coisa imprevisível. E pensar que tudo se resolveu, a meu favor, no espaço de um mês é incrível.
Achas que todas as entrevistas e a exposição que agora terás vai dar um boom ao bodyboard?
De certeza, de certeza. Claro que eu beneficio disto, mas até acho que é o bodyboard que terá mais a ganhar. Para já, vai dar uma visibilidade enorme. Depois, nós temos tanto talento, que muitas vezes é esquecido, que se calhar isto dará uma lufada de esperança a todos os que andam a lutar para se manterem neste desporto. Porque é difícil fazer desporto em Portugal. Acho que isto pode servir de inspiração e motivação para todos verem que é possível, que vale a pena continuar e que há muita coisa para fazer. Portugal é um país de bodyboard e tem uma tradição muito, muito forte. No futuro vamos ter muito mais alegrias, tenho a certeza disso.
Ainda por cima há três etapas do circuito feminino que param em Portugal. Esta última até se realiza numa terra onde as pessoas vibram com o bodyboard.
Sim, claro. O facto de ter ganhado ali, na Nazaré, em Portugal, numa praia onde as pessoas estavam a vibrar, ganha ainda mais impacto. Para mim foi mais gratificante. Se tivesse fora, noutro país qualquer, era importante na mesma, mas não tinha o mesmo carinho que senti na praia. Desde que ganhei em Sintra que tenho recebido tantas mensagens de apoio, tantas pessoas a mandarem boa energia, que a minha ansiedade também vinha um pouco dali: de ter medo de desiludir tantas pessoas.
Estava tudo à espera do mesmo?
Sim, ainda bem que acabou bem! [ri-se]
Melhor só se tivesse sido em Sagres, não?
Para isso teria de haver lá um campeonato! A última etapa vai ser nas Canárias e, depois, vou para casa desfrutar das ondas sem buzinas, sem relógios, sem cronómetros, apenas para fazer aquilo que mais gosto, que é surfar.
Basicamente, podes ir agora fazer isso para as Canárias.
Até podia não ir, mas, por uma questão desportivo, ficaria muito mal eu não competir mais. Cabe aos atletas marcarem presença em todas as etapas, acho que será bom para mim e bom para todos. É ainda melhor porque não tenho pressão em cima de mim, posso ir para lá relaxada, o que é bom, porque normalmente até surfo melhor.