Cuidado, o Sporting às vezes tem mais dois médios e teve-os no Estoril, mas só até amainar
RODRIGO ANTUNES
A fechar um dia de temporal, os leões foram ao impecável tapete da Amoreira vencer (0-1) o Estoril Praia, que manietaram quase por completo durante a primeira parte em que moldaram a partida como lhes convinha, puxando Inácio de Debast para o meio-campo adversário. Mas, na segunda, quase nada disso se viu: o Sporting amainou, a sua mão no jogo decaiu e o controlo fugiu
Primeiro que tudo, tiremos o chapéu ao verdejante tapete da Amoreira. Um relvado liso, impecável nas costuras com que resistiu a um sábado de temporal, furibundo com chuva e vento, barafunda criada pela visita do Gabrielle a Portugal Continental, tufão que nem pareceu arreliar o campo onde assim o Sporting pôde exibir os seus quatro médios, quase esfregando na cara do Estoril Praia o quão luxuosa é poder jogar com uma futebolística versão de ter não as defesas, sim os defesas em baixo, trocando a guarida da área própria pelo olho ao que são capazes de dar mais perto da outra.
O Sporting tem-no feito, esta época, à maioria das equipas que já enfrentou. Empurra-os para trás pelos números, além de Pote e Trincão magicadores de dúvidas pelo seu posicionamento, perto dos defesas mas não colados, coloca os alas por fora dos laterais e ficam assim cinco jogadores, que por vezes são seis se Morita se animar a avançar uns metros, a encostarem a linha defensiva adversária contra a baliza. O efeito-elástico, desejável em qualquer conjunto que estime a coesão, faz o resto: estando a defensiva baixa no campo, os médios recuam também para não abrir espaços, os avançados vão a reboque.
E eis como o Estoril Praia, pese os seis, sete minutos iniciais a pressionar alto, com os seus lá na frente a chatearem o início das jogadas do Sporting e a ornar as suas jogadas com o seu mais talentoso, João Carvalho, igualmente se viu apanhado na redoma tramada de contrariar dos leões, que muito peculiar se torna pelos quatro médios com que não começa, no papel, mas com que fica assim que logra, como conseguiu, manietar a última linha do adversário trocando a bola rapidamente.
Nem foi Zeno Debast, da direita, a lançar Maxi Araújo, aberto à esquerda, com um passe longo e aéreo como no golo (12’), em que o uruguaio ao primeiro toque deu a bola em Luís Suárez, na área, para o colombiano logo rematar. Nesse lance, foi Morten Hjulmand. Mas, mesmo antes, fora o absurdo belga a descobrir o ala esquerdo com um lançamento ainda mais distante, absurdo porque antes e depois fintou, que nem extremo cheio de truques, quem o ousou pressionar, encontrou gente entre linhas com passes a rasgar pela relva ou descobriu, na área, Suárez com um cruzamento com GPS, a uns 30 metros da baliza.
Eurasia Sport Images
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As pinceladas de Debast, uma trás da outra, aconteceram com ele a jogar plantado na metade do campo do Estoril Praia, toda a equipa da casa aglomerada à sua frente, os seus indecisos entre aguardarem ou irem, precaverem-se ou atreverem-se a pressionar o belga a regozijar-se em mandar nos primeiros passes das jogadas do Sporting, mais ele do que Gonçalo Inácio, o outro defesa central de bom pé, canhoto, mais de passes precisos e picados na sua ‘fatia’ esquerda, sem o atrevimento, o perímetro de alcance, o tanque de técnica que Debast dispõe na chuteira destra.
Com o jogo posto a seu jeito, Sporting fez encolher o Estoril Praia assim, com os dois médios extra que traz para os momentos com bola refastelados no início de todas as jogadas. Morita deslizava entre linhas a cozer maroscas com Trincão e Pote, que haveria de rematar à semelhança do empecilho que Suárez é para quem não de verde e branco, ele o primeiro a ir na pressão que Rui Borges esbracejava por pedir aos seus jogadores enquanto Ian Cathro, aqui e ali, gritava aos de amarelo para que dessem passos em frente, coragem, de modo a desfazerem o molde de jogo a que os leões chamam um figo.
Apenas num momento, aos 15’, quando Holsgrove descaiu à direita para combinar passes com Rafik Guitane e rematar, duas vezes seguidas, os anfitriões chegaram à baliza por força própria. E só nos cinco minutos antes do descanso, mais agressivos a morderem as receções dos adversários quando de costas para a baliza, os estorilenses já viram mais do seu imaculado tapete, recuperando algumas bolas na metade do Sporting. Uma delas, quase fatal para quem, deixado à vontade, é uma fatalidade para quem o tem de contrariar.
Quando foi dobrar Inácio para intercetar a bola, Zeno Debast julgou ter o conforto da solidão, estava de costas para os adversários e quis virar-se de frente, sem ver que Alejandro Marqués ia embalado para o roubar. O avançado espanhol ficou livre para correr contra Rui Silva, picou suavemente a bola, mas os instintos do guardião regressado de lesão desviaram a tentativa com a ponta das luvas. Pouco depois, soltos do encolhimento, os jogadores do Estoril Praia abrilhantaram-se quando o craque João Carvalho cortou um passe comprido para a esquerda, onde, na passada, Pedro Amaral fez a sua interpretação do apogeu da carreira de Van Basten - o seu remate de primeira, com a bola a cair, quase estampou um golaço na Amoreira.
Sports Press Photo
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A supremacia do Sporting seria restaurada na segunda parte, se bem que desprovida de igual acutilância, em parte, pela inércia do Estoril Praia em recuar tanto o seu bloco como antes: a linha defensiva resistiu, manteve-se mais subida, os três da frente a perturbarem um pouco mais os passes pensadores no início das jogadas. Mas Guitane, Marqués e João Carvalho cedo se desgastaram, os canarinhos perdiam cedo as bolas que recuperavam, mesmo que não deixassem Inácio e Debast terem toques para lá do equador do campo, o posicionamento mais subido da equipa aproximou Hjulmand da bola. Baixando no campo, fugindo à marcação que Patrick de Paula parecia estar em campo para lhe fazer, o capitão ajudou a filtrar passes.
Mas custou aos leões produzirem finalizações. Mais afastados da baliza, a bola pertencia-lhes embora já não tanto, Holsgrove já desenhava os seus passes arriscados também, o Estoril Praia soltou-se aos poucos, Guitane teve um ou outro raide. Sem Morita e com Kochorashvili, perdida a genica do japonês a ir e vir, a espreitar adiante, a ser mais um nas conspirações ofensivas, ficou o Sporting com a maior normalidade procedimental do georgiano. O jogo que era uma supremacia virou um de encaixes.
A tendência foi para os caseiros, com o tempo, avançarem o bloco, atreverem-se a mais, irem à caça do empate e o Sporting, minguando, ia empalidecendo com as substituições, não foram Ioannidis, Fresneda ou o retornado Geny Catamo a restaurarem o ímpeto da primeira parte. O jogo já não estava do jeito que os leões tentam ajeitar cada partida que por estes dias têm para aí esparramarem a sua melhor face. Nos segundos 45 minutos não, os seus defesas centrais limitaram-se a cumprir as suas funções de origem, e cada vez mais.
RODRIGO ANTUNES
Os derradeiros 10 minutos viram-se escorregadios para o Sporting, a sua pega no jogo a perder aderência e sem jogadores que acalmassem, com a bola, a crescente inclinação atacante do Estoril Praia, dono de tão-só uma vitória em seis jornadas. Com os minutos, aliás, reuniu foi gente no campo apta a fazer o contrário e a acelerar, forçar, carregar com a bola para a frente como Alisson Santos e Catamo, agitadores por natureza. A subjugação primeiro, o domínio depois, foram propriedades que abandonaram os leões conforme a partida avançou.
Quando terminou já chovia de novo, que chovesse à vontade, o relvado da Amoreira aguenta. Ultrapassado o Benfica e chegado ao 2.º lugar do campeonato fruto do quinto golo de Luis Suárez, o Sporting foi uma versão descendente do que pode ser: na primeira parte fez do jogo o que mais lhe convém, se e quando o repetir, qualquer encontro assim terá a equipa de Rui Borges confortável a explanar as armas que tem. Não o conseguindo, conhecerá a produção assim-assim que deixou na segunda metade - só com dois médios, Debast e Inácio remetidos a serem apenas defesas centrais.