Crónica de Jogo

Quando se joga em serviços mínimos, fica-se à mercê do risco. O erro de Otamendi empatou Benfica e Santa Clara em noite de assobios

Quando se joga em serviços mínimos, fica-se à mercê do risco. O erro de Otamendi empatou Benfica e Santa Clara em noite de assobios
JOSÉ SENA GOULÃO

À semelhança do visto em Alverca ou na Amadora, as águias apresentaram um futebol pobre, mas desta vez escorregaram mesmo (1-1) diante do Santa Clara. Os açorianos ficaram com 10 aos 38', Pavlidis parecia que ia dar os três pontos aos encarnados, só que um deslize de Otamendi levou à igualdade aos 90+2'

Quando se joga em serviços mínimos, fica-se à mercê do risco. O erro de Otamendi empatou Benfica e Santa Clara em noite de assobios

Pedro Barata

Jornalista

À entrada do período de descontos do Benfica-Santa Clara, a época da equipa de Bruno Lage era um êxito estatístico. Nove jogos, oito vitórias, um empate numa eliminatória que foi superada. Entrada na Liga dos Campeões, triunfo na Supertaça, a caminho dos 12 pontos em 12 em disputa no campeonato.

Mas os números, na sua frieza objetiva, podem esconder sensações. Podem camuflar a ideia que ficara na Amadora, quando o Benfica ficou a centímetros do empate, ou em Alverca, palco de outra exibição com muitos minutos de desconforto.

No regresso da I Liga, as águias foram, novamente, uma entidade de mínimos, poucochinha, tímida. Uma expulsão para o adversário, um golo a favor, adeus, está feito. Quando assim é, quando não se cavalga a teórica superioridade para marcar distância, uma escorregadela marca tudo, porque tudo caminha sobre um arame fino, sobre uma base do um-a-zero-ísmo.

Foi, literalmente, uma escorregadela. Minuto 90+2. Bola longa do Santa Clara, Otamendi a falhar o atraso para Trubin, Vinícius Lopes isolado. Remate, empate, assobios. Menos dois pontos, o resultado que poderia ter-se dado na Amadora ou em Alverca a chegar em plena Luz, diante de quem atuava há dezenas de minutos com menos um.

Gualter Fatia

O Santa Clara tinha na Luz o ponto de começo de um novo momento da sua temporada. Após a pequena aventura europeia, com seis jogos sem chegar à fase regular da Liga Conferência, os açorianos tentam apoiar-se nas bases do passado recente: defesa sólida, agressividade, solidariedade. Mantiveram o treinador, este onze tinha somente dois reforços, a aposta é claramente na fórmula do êxito.

O arranque do Benfica não foi muito inspirado, abrindo caminho a um primeiro tempo em que se escutaram assobios vindos do público da casa. Começaram cedo, ganhariam intensidade- Ríos, insistente nos remates de longe e nos passes falhados, testou Gabriel Batista em duas ocasiões nos primeiros 15’, mas as águias não criaram muitas dificuldades aos visitantes.

Se o Benfica é uma equipa de mínimos por incapacidade, o Santa Clara é uma equipa de mínimos por vocação, um coletivo de redução, de atrito, de causar fricção e problemas na engrenagem rival. Foi quinta na época passada apesar de ter somente o 10.º melhor ataque e conseguiu levar a noite para uma zona de pouca continuidade no jogo dos lisboetas.

As duas caras novas que os de Vasco Matos apresentaram na equipa titular estiveram em destaque. Brenner apresentou um futebol com velocidade de Usain Bolt, mas uma relação pouco íntima com a bola. Desequilibrou, mas resolveu sem eficácia as situações que o próprio criou. Mas o instante marcante da etapa inicial deu-se aos 38’, quando Paulo Victor foi apanhado nas malhas do VAR após lance com Tomás Araújo e foi expulso.

A superioridade numérica não deu vantagem imediata aos locais. Bem pelo contrário. Em cima do intervalo, o Santa Clara dispôs da melhor oportunidade até ao descanso. O espírito de Beckenbauer entrou no corpo de Venâncio, que galgou dezenas de metros até à área local. Aproveitando a passividade defensiva, o central atirou para defesa de Trubin, com Gabriel Silva a não ter pontaria na recarga. Era o aviso para um Benfica desconexo.

O vermelho visto por Paulo Victor
JOSE SENA GOULAO

O Benfica da parelha Ivanovic-Pavlidis é um Benfica que não parece saber como deve atacar. A dupla, que passou os minutos antes do recomeço em diálogo, parece viver em comprimentos de onda diferentes. O grego tocou meras 15 vezes na bola no primeiro tempo, o menor registo para um jogador de campo na etapa inicial.

Não obstante a falta de caudal ofensivo, o 1-0 chegou aos 59'. Otamendi, o protagonista da noite, foi lá acima cabecear um livre lateral. Gabriel Batista defendeu e, na recarga, o 18.º toque de Pavlidis no desafio levou ao golo.

Antes e depois do 1-0, o encontro teve momentos em que parecia um loop, uma repetição constante. Posse de bola do Benfica, circulação para as alas, cruzamento, lance perdido. Sem grande rasgo de uns e sem capacidade de outros, o relógio foi avançando com escassas oportunidades. Ivanovic atirou forte para boa defesa de Gabriel Batista, minutos antes de Sudakov se estrear pelo emblema que reforçou no final do mercado de transferências.

O Santa Clara teve o enorme mérito de nunca deixar de olhar para Trubin. Vasco Matos foi mexendo com a equipa e os açorianos nunca se encolheram, ameaçando através de Calila ou Serginho. Aos 92', houve ecos de 23 de junho de 2020, quando, em plena pandemia, um golo de Zé Manuel aos 90+5' deu a única vitória do Santa Clara diante do Benfica, num 4-3 que contribuiu decisivamente par ao despedimento de Bruno Lage.

Na sequência do erro, Otamendi penitenciou-se perante o público da Luz. O 1-1 foi como um fantasma que vinha perseguindo o Benfica, uma hipótese não concretizada em rondas passadas mas que, agora, se materializou. Talvez seja melhor não entrar na roleta russa dos mínimos e maximizar vantagens.

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