O FC Porto refastelou-se no janeiro de Evanilson para contrariar o plano de um careca ancião
JOSE SENA GOULÃO/LUSA
Em Faro, onde José Mota tem montado o seu reduto, um certo avançado do FC Porto fez o seu sexto e sétimo golos no mês inaugural de 2024, em que só não marcou num jogo. Evanilson fez dois na vitória (1-3) contra o Farense, em que a meia hora inicial fez a equipa esbarrar na artimanha do treinador com mais jogos na I Liga
José Mota não é treinador com mais jogos na I Liga por obra do acaso, nem a idade, porque também é ele o mais velho, explica sozinha a estatística através do batatal da lógica de andar por cá há muito. Com a sua cabeça preenchida por pele nua, como todos os calvos está careca de tanto pensar em futebol, uma maralha de neurónios terá queimado a matutar a melhor forma de anular boas feituras dos adversários e de as tramar com as valias da sua equipa. Aos 59 anos, esta época acresce à lista das que ele vai acumulando no campeonato em que o seu trabalho é reduzido por adeptos dos ditos grandes, que só assistem às partidas do seu grande, na opinião de que ele é um treinador de retranca.
Ninguém lhe dará esta novidade, José Mota sabe que as perceções baseadas em amostras enviesadas são uma das crueldades impostas pela bola, mas, neste seu 428.º jogo na I Liga, parecia, mais uma vez, ter montado um plano coeso no seu estaleiro de Faro: vendo o recente rejuvenescimento do FC Porto pela rendição de Sérgio Conceição ao talento que tem no plantel, o técnico que os recebeu no Algarve recuou a equipa a defender, juntou duas linhas de quatro à área para fecharem os espaços ao centro e pediu ao avançado, Bruno Duarte, que fosse uma sombra de Alan Varela, o primeiro dos construtores portistas.
Sem puxarmos a estética à análise, José Mota, ancião a radiografar maneiras de atravancar no campo as intenções dos adversários, mostrou durante meia hora o acerto do seu faro. O Farense não deixava os jogadores do FC Porto terem receções dentro do bloco, gestos que por estes dias procuram com Pepê, Nico González e Francisco Conceição a tentarem usufruir das corridas por dentro de Wendel e João Mário, os laterais das underlaps que desviam atenções.
Nesse período, os dragões bateram contra uma parede móvel. Apenas entravam no meio-campo contrário pelas alas, fáceis de defender e dóceis a atacar. Só provaram o sabor do perigo no par de vezes em que empurraram os algarvios saírem de trás por Gonçalo Silva, o central da direita que, ao ser apertado, claramente procurava passes verticais em busca de Matheus Oliveira nas costas da primeira pressão - mas, por esse lado, havia a parceria de Evanilson e Galeno, os mais intensos a perturbar o início das jogadas. Quando arruinou a sua primeira ação, o plano coeso de José Mota começou a descambar, mesmo se, de início, não parecesse.
JOSE SENA GOULÃO/LUSA
Quando um apressado Gonçalo Silva errou um desses passes contra Galeno e o brasileiro lançou Evanilson, o avançado caiu na área quando Elves Baldé o desarmou e apitou-se um penálti que seria anulado. Foi o grito de partida para seis minutos de frenética loucura, de um jogo de futebol a virar um manicómio de novidades em auto-gestão. No ataque seguinte que chegou a uma das áreas, Pastor cruzou para o mesmo defesa central rematar e a bola ressaltar no braço de Fábio Cardoso; esse penálti inventou um daqueles imponderáveis que fogem ao controlo de quem seja: quando Matheus plantou o pé de apoio para o bater, a relva mole inchou um relevo junto à bola, elevando-a só um pouco, mas o suficiente para a tentativa voar em direção à bancada.
A esquizofrenia de lances seria fechada com uma fotocópia da saída falhada do Farense, de novo Gonçalo Silva foi encurralado pelo par de brasileiros e Evanilson, desmarcado pela esquerda da área, marcou na primeira transição rápida pós-recuperação de bola feita com sucesso pelo FC Porto. Foi na tal zona de pressão, não nas aptidões com bola que vinham a melhorar a equipa este mês, que desequilibrou um Farense que até tivera a melhor oportunidade no pé esquerdo de Elves Baldé, fonte de um remate esbarrado na barra da baliza de Diogo Costa, espetador de como alguns contra-ataques compensavam a paciência matreira do Farense.
A desatenção dos algarvios a reagir a um canto curto e mastigado para, com um passe à entrada da área, extrair de um pontapé de Alan Varela a bola do 0-2, castigava ainda mais os anfitriões ao intervalo. Um plano falia em poucos minutos.
Caçando uma desvantagem, os sinais viam-se em campo de que José Mota pediu à equipa para avançar no campo, esticar-se na pressão e ir incomodar Pepe e Fábio Cardoso quando tinham a bola. Foram uns 15 minutos desastrados, com a dupla de homens da frente perdida entre tapar caminhos aos centrais ou olhar por cima do ombro para inspecionar por onde Alan Varela orbitava nas suas costas. Caídos no pecado que é posicionarem em linha, Matheus e Bruno Duarte eram sacados das jogadas por um só passe vertical e o médio argentino do FC Porto jogava à vontade.
Outros castigos quase surgiram nos cruzamentos a que Wendel e Galeno por um triz não chegaram, depois no já clássico ‘mete para dentro’ de Francisco Conceição, viciado em arrancar da direita e cair para o seu pé esquerdo que sacou de Ricardo Velho uma parada. Mas, quando nada o previa, uma receção de Alan Varela na sua área sem scan prévio das redondezas teve o rato Matheus a intrometer-se entre ele e a bola para ser derrubado na reação tardia do argentino. Ao segundo penálti, não houve socalcos na relva a tramar Bruno Duarte, 1-2.
JOSE SENA GOULÃO/LUSA
O alento do golo lançou o Farense de cabeça na pressão. Dispostos a testarem a coesão da equipa, os algarvios esticaram-se pelo campo e nas primeiras saídas que o FC Porto tentou viu-se um quê de tremedeira, más receções e passes indecisos, a entrada de uma bola na baliza deposita bichos dentro das cabeças de quem joga, mas duraram pouco. Varela voltou a ser marcado só pelo ar, Nico González acercou-se dele para a construção de ideias funcionar melhor e desta conspiração hispano-argentina criavam-se os espaços curtos onde Pepê se desembaraça de pernas.
O esguio brasileiro, beneficiário dos novos moldes ofensivos que o reservam para o último terço atacante e tiram das fases onde se pensam as jogadas, livrou-se da carraça que é Cláudio Falcão, evadiu a proximidade do médio do Farense e colocou um passe à frente da diagonal de Evanilson, programado para correr na visão do portador da bola. Lançado na área, o avançado bisou e completou um janeiro bendito, com sete golos marcados - só não os fez numa partida e, nessa, deixou uma assistência para compensar.
Este último golo, em Faro, apanhou José Mota com uma desgraçada garrafa de água na mão, atirada contra o chão por um ataque de fúria do treinador. Timoneiro de tantos filmes semelhantes a este, saberia que o golo decapitaria a reação dos anfitriões, que se veriam condenados a usarem bolas paradas para despejarem a esperança na área quando podiam. Com o terceiro golo no bolso, Sérgio Conceição acrescentou Iván Jaime e Romário Baró ao sol na posse que é Alan Varela. E o FC Porto, tranquilo, deixou passar os minutos.
Quando o tempo findou, José Mota tinha mais uma batalha de desigualdades perdida. Foi outra, na mesma época, que começou com ele e os seus a frustrarem o FC Porto - na primeira volta, o 1-1 no Dragão só apareceu aos 90'+10 - e terminou, novamente, com o ancião a ser frustrado. Agora, por uma equipa que já é outra e respira melhor.