Crónica de Jogo

Os fantasmas pairaram em Alvalade, mas o Sporting caçou-os

Os fantasmas pairaram em Alvalade, mas o Sporting caçou-os
Gualter Fatia/Getty

O triunfo (2-1) dos leões contra o Arouca obrigou a equipa a enfrentar os traumas que Rúben Amorim diz querer abandonar. Depois do 1-0 do incansável Gyökeres, Diomande foi expulso antes do intervalo e os visitantes empataram, mas um golo de Morita premiou a reação verde e branca

Os fantasmas pairaram em Alvalade, mas o Sporting caçou-os

Pedro Barata

Jornalista

Costuma dizer-se que os jornalistas, cronistas do presente, redigem sempre o primeiro rascunho da história. A versão mais ponderada e analítica dos acontecimentos, contada com o privilégio do tempo e a amplitude de visão que a distância temporal confere, é feita posteriormente. Ainda assim, quando as coisas acontecem à nossa frente, é possível tentar arranjar-lhes explicações e ditar tendências.

Provavelmente, quando, no futuro, se façam balanços sobre a era Rúben Amorim no Sporting, chegar-se-á à conclusão de que o grande esforço que o treinador fez foi mental. O técnico já explicou que quer ser conhecido por espantar males psicológicos de Alvalade, por mandar embora fantasmas, complexos, medos, aquele fatalismo leonino, o “nem chega ao natal”, a lei de Murphy feita clube.

Contra o Arouca, a certa altura do jogo, esses horrores entraram Alvalade adentro. Com o duelo marcado pela superioridade dos locais, com 1-0 no marcador, Diomande viu dois amarelos, aos 30' e 42', e o Sporting, de uma assentada e de forma dificilmente explicável, viu uma noite que até poderia ser serenar tornar-se numa complicação. Lá estavam os fantasmas, acentuados pelo 1-1, que chegou logo sete minutos depois do descanso.

Mas Rúben Amorim não quer saber de monstros debaixo da cama. O Sporting reagiu, montado nas cavalgadas de Gyökeres, o novo ídolo verde e branco, o titã ponta-de-lança, um sueco que parece possuído por um feitiço, por bruxaria viking, que o obriga a correr desde o primeiro até ao último apito do árbitro, alheio ao cansaço e ao contexto.

Depois da derrota contra a Atalanta e dos assobios do primeiro tempo contra os italianos, a reação após a expulsão deu sequência à resposta no segundo tempo do embate contra a Liga Europa. Alvalade terminou em festa, ignorando complexos e medos. Com 22 pontos em 24 possíveis na I Liga, o Sporting vai para a paragem em primeiro, com mais um ponto que o Benfica, três que o FC Porto e seis que o SC Braga.

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Antes da expulsão de Diomande que virou o jogo de pernas para o ar, os primeiros 30’ foram de encontro bloqueado, de sentido único mas sem oportunidades. O Arouca defendia-se em bloco baixo, sem se esticar no campo nem permitir que o Sporting se aproximasse da sua baliza. Na primeira desatenção defensiva visitante, chegou o golo local.

Quando Marcus Edwards começou a ganhar espaço na meia-direita, os leões passaram a criar perigo. Aos 31’, um cruzamento suave e preciso do inglês encontrou a desmarcação de Gyökeres, que escapou ao Esgaio do Arouca para marcar pelo quinto encontro consecutivo. Logo a seguir, novo passe de Edwards quase deu no 2-0, mas nenhum dos três centrais dos verde e brancos que ainda estavam em campo conseguiu empurrar para o fundo da baliza.

Até que veio o tal duplo amarelo a Diomande. Num desafio com 11 amarelos e dois vermelhos, o costa-marfinense foi expulso depois de um desentendimento com Mujica e uma falta assinalada por António Nobre que levou Alvalade ao desespero. Num ápice as complicações bateram à porta da equipa que aspirava a manter a liderança da tabela.


Com o intervalo para reajustar a equipa, Rúben Amorim abordou a desvantagem numérica recorrendo a uma fórmula que já aplicara no passada: 5-3-1, proteção defensiva, linha recuada intacta. Saiu Edwards, entrou Matheus Reis, Inácio passou para a direita e os leões optaram por tentar proteger a vantagem. A aposta durou sete minutos.

Aos 52’, na primeira ocasião de golo da equipa de Daniel Ramos, chegou o empate. Completando minutos em que tudo correu mal ao Sporting, em que os fantasmas que Amorim quer expulsar e ignorar pairaram bem presentes, Jason cruzou, Mujica cabeceou e o 1-1 deu expressão no marcador ao receio que ia do relvado para as bancadas e das bancadas para o relvado.

O 5-3-1 tão rígido já não servia ao Sporting, que rapidamente o desfez. Baralhando e voltando a dar, Amorim foi ao banco lançar Eduardo Quaresma, que não jogava oficialmente pelo Sporting desde 11 de abril de 2021, e Geny Catamo. O primeiro estabeleceu-se na direita da defesa, permitindo ao segundo ganhar asas na ala e acrescentar desequilíbrio.

Gualter Fatia/Getty

Respondendo na mesma moeda ao Arouca, o Sporting fez o 2-1 na primeira oportunidade após o empate. Pote, o jogador peculiar de Amorim, o homem de quem o treinador não abdica, o transmontano do sorriso fácil, bailou na esquerda. A inferioridade numérica tirou-lhe parceiros de dança, mas Gonçalves foi solista naquele movimento. O cruzamento encontrou Morita na área, que atirou para o 2-1.

Novamente em vantagem, o Sporting apostou tudo no lado emocional do jogo. Agressivo e entusiasmado, o leão apoiou-se no novo ídolo das bancadas.

Gyökeres correu e correu, multiplicou-se, ganhou faltas e segurou a bola, levou a equipa para a frente e afastou perigo, provocou a expulsão de Rafael Fernandes, aos 87', e mostrou ao público que, no relvado, estava uma equipa que valia a pena apoiar. A injecção de adrenalina que o sueco trouxe manteve a chama viva e expulsou qualquer fantasma.

O Arouca, sem muito critério ofensivo, não criou verdadeiras oportunidades para o 2-2. Catamo quase apontou o 3-1, mas Arruabarrena defendeu, numa jogada que começou com uma recuperação de bola de Gyökeres, que segundos antes estava a disputar um duelo aéreo na área, um nórdico a mostrar o milagre da multiplicação e da inexistência de desgaste. É o melhor caça-fantasmas com que Rúben Amorim pode contar.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt