Os leões entraram no campeonato com um susto daqueles frente ao Vizela, vítimas dos erros e das inconstâncias que marcaram toda a temporada passada. Começaram a ganhar, com dois golos brilhantes de Viktor Gyokeres, deixaram-se empatar na 2.ª parte para fazer o 3-2 final aos 90'+8. Um déjà vu pouco confortável para quem parecia já ter o problema identificado
Caminhava-se para um dia da marmota muito particular para o Sporting. A película a passar de novo à frente dos olhos dos já habituados ao sofrimento adeptos em Alvalade, hologramicamente como num um filme de guerra, vendo imagens penosas e violentas do passado, fantasmagóricas, traumáticas, com uma música dramática a acompanhar. Na última temporada, o Sporting viveu na corda bamba, entre momentos de fulgor e quedas abruptas, quantas vezes no mesmo jogo, sofrendo mais do que o devido, semeando pontos por outras paragens com a mesma mão trémula que não conseguia dominar um jogo que fosse.
E eis que, apesar do problema estar perfeitamente identificado, disse-o tantas vezes Rúben Amorim numa espécie de reconhecimento de síndrome pós-traumático, o Sporting voltou a ser o Sporting do ano passado, vivendo perigosa e inconsistentemente, abrindo feridas logo a abrir o campeonato, fazendo gente acordar a meio da noite, ou a meio do jogo, suada, pensando estar rodeada de um napalm futebolístico não laranja, mas verde. Frente ao Vizela, o Sporting entrou soltinho, dinâmico, intenso, para na 2.ª parte se deixar enredar pela atitude minhota, perdendo-se, largando o jogo da mão. Terá de agradecer Amorim aquele remate desesperado de Paulinho aos 90’+8, aquele golo trapalhão, mas que vale os mesmos três pontos que as mais bonitas obras de arte, que deu o 3-2 ao Sporting e que lhe ofereceu uma espécie de segunda oportunidade sem perdas para começar de novo, sem ter de estar já a olhar para cima, para os rivais que fogem, embotelhando a frustração dos pontos perdidos, como aconteceu há um ano.
E com tudo isto, com esta inconstância que se agarrou ao Sporting e da qual o Sporting parece não saber como se desenvencilhar, passou para segundo plano a melhor notícia do ano para os leões, aquele rapaz loiro e sueco que não merecia ser passado para trás das atrapalhações verdes e brancas. Viktor Gyokeres, já percebemos todos, é reforço a sério e um avançado à séria, pelo que joga e dá para os outros jogarem, e que na 1.ª parte ia resolvendo sozinho o jogo, com dois golos em dois minutos seguidos.
PATRICIA DE MELO MOREIRA
Aos 14’, recebeu de pé esquerdo na área, com o calcanhar do direito tirou dois adversários do caminho, para finalizar com a canhota, remate forte, colocado, repentista. Um golo enorme, uma espécie de catálogo de gigante do mobiliário para quem quer conhecer todas as faculdades do atacante vindo do Coventry. Na jogada seguinte, pressionou a saída do Vizela, ganhou a bola, driblou mais dois rivais com um movimento simples e selou a jogada com um remate rasteiro de pé direito. Aos 15 minutos, o Sporting parecia mais do que embalado, seja pela pop em jeito de carro de assalto de Gyokeres como de toda a equipa, oleada e entrosada. Golos poderiam ter sido mais que dois. Buntic, guarda-redes do Vizela, ainda salvou uns quantos, Pote, magnânimo, perdoou mais alguns. Mas não foi por falta de aviso que o Sporting foi para o intervalo com a certeza que o jogo não estava fechado.
Porque ainda na 1.ª parte o Vizela cresceu, foi-se aproximando da área da equipa da casa, mas praticamente sem conseguir rematar. No arranque da 2.ª parte, a conversa foi diferente. Amorim trocou Bragança por Edwards e sem o médio e a sua chuteira com mira o Sporting desatou a sofrer, perdendo a bola e não conseguindo travar as investidas dos forasteiros, corajosos, pressionantes. Vendo a equipa desconfortável, Amorim voltou a mexer cedo, trocou Catamo por Esgaio mas não havia maneira do Sporting assentar. O jogo tornou-se partido, errático: excelente para o show, muito perigoso para os leões.
Foi já com Afonso Moreira e Paulinho em campo que o desastre sportinguista se começou a desenhar, por erros próprios, nada de má fortuna e pouco amor ardente pela ordem. Se o Sporting marcou dois golos em dois minutos na 1.ª parte, o Vizela precisou de três para empatar. O primeiro, aos 75’, numa série de equívocos que permitiram uma passadeira verde no corredor central desde Buntic até Essende, o homem mais adiantado do Vizela. Adiantar-se foi coisa que Adán fez mal, já depois de Coates também não ter ficado isento de culpa na abordagem ao lance. No meio da atrapalhação dos dois jogadores leoninos, o francês marcou. Na jogada seguinte, pressão na saída, bola perdida pelo Sporting com Tomás Silva cruzar na direita para o poste mais afastado, onde apareceu Nuno Moreira para finalizar. Dois ex-Sporting a servir a receita que mais indisposições deu ao clube na última temporada.
Gualter Fatia/Getty
De déjà vu em déjà vu, o que se seguiu não fugiu muito ao que se viu o Sporting desesperadamente fazer na última época: uma procura desenfreada e pouco cerebral de limpar os erros cometidos, indo atrás de um prejuízo que, fosse qual fosse o resultado, já estava feito. Porque o medo fica lá.
Foi quando já muita gente voltava as costas ao jogo e deixava Alvalade que Coates, a jogar a avançado (déjà vu), a conseguir no meio da maior baderna de cabeças e pernas deixar a bola para Paulinho fazer o golo da vitória do Sporting, caído sabe-se lá de onde, permitindo à equipa da casa sair da 1.ª jornada apenas com um aviso e não já mergulhada em profunda depressão, como só o Sporting sabe.
Mas os avisos não são para ignorar: algo continua a não coagular totalmente neste Sporting que teme as vantagens, que não consegue gerir emoções, que se lança ao abismo quando o abismo ainda nem sequer está perto. Chamem-lhe masoquismo, não sei, mas esta equipa terá de se sentar no divã esta semana, caso não queira repetir as escorregadelas iniciais da última época.