Há um ano, Maurício Moreira voava a caminho de uma primeira vitória na Volta a Portugal. No contrarrelógio de Viseu ganhava tempo, arriscava, e tanto arriscou que numa curva a roda da frente lhe fugiu, com o uruguaio a dar uma cambalhota por cima de uma vedação de arame farpado antes de encontrar o chão. Seguiu, dorido. No final, a Volta ficou perdida para Amaro Antunes por apenas 10 segundos.
Maurício, que nasceu em Salto, tal como Luis Suárez e Edinson Cavani, mas com mais jeito para pedalar do que para os pontapés na bola, chorou no final. As dores físicas da queda eram o menos, o problema era o que acabava de perder, uma Volta para a sua equipa. Pediu desculpa por isso.
Mas há sempre um ano a seguir.
E em 2022 as lágrimas do ciclista da Glassdrive-Q8-Anicolor foram de alegria, depois de fulminar os melhores tempos no derradeiro contrarrelógio, com partida no Porto e chegada a Vila Nova de Gaia. O ciclista de 27 anos partia com 7 segundos de atraso para o companheiro de equipa Frederico Figueiredo, tempo rapidamente abocanhado pelo ritmo alto do homem que até já tinha andado de amarelo nesta edição da Volta a Portugal, após a vitória na Torre.
Moreira fez o “crono” de 18,6 quilómetros em 25.07 minutos, menos 20 segundos que António Carvalho, também da Glassdrive-Q8-Anicolor, a grande animadora e dominadora de uma prova onde não esteve a W52-FC Porto, suspensa pela União Ciclista Internacional num caso que marcou o início da Volta.
Frederico Figueiredo foi apenas 7.º e perdeu a amarela no último dia, terminando a 1.09 minutos de Moreira. António Carvalho fechou o pódio, já a 2.35 minutos.
As recordações e a dor de bater um colega
Filho de ciclista - o pai, Federico, ainda é hoje considerado o melhor ciclista de sempre do Uruguai -, Maurício Moreira saiu cedo do país em busca de uma oportunidade. A passagem por Espanha não correu bem e foi em Portugal que encontrou o seu lugar. Esta segunda-feira chegou o momento alto. “Acho que ainda não caí na realidade, ainda não acordei, se calhar preciso que alguém me bata para eu acordar para o que acabo de conseguir. Só posso dizer que é um sonho”, sublinhou à RTP pouco depois da vitória, ainda à procura do fôlego.
Durante o contrarrelógio, o ciclista diz não ter pensado muito, mas “não queria que acontecesse o que aconteceu no ano passado”, ou seja, arriscar demasiado, cair, perder a oportunidade.
PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA
Mas, ainda assim, Moreira não era um homem totalmente feliz, porque do outro lado, do lado dos derrotados, uma posição que conheceu da pior maneira há um ano, estava um colega de equipa.
“A vitória não é como imaginava e posso dizer que neste momento não é como eu queria, não é tão feliz como eu queria porque não queria estar a lutar no contrarrelógio contra um colega de equipa, não queria, de coração”, confessou, rebobinando até à véspera, na Senhora da Graça, onde contou com o apoio de toda a Glassdrive-Q8-Anicolor para chegar na frente - ele, António Carvalho e Frederico Figueiredo cortaram a meta juntos, com o mesmo tempo, com vitória para Carvalho.
“Quero agradecer aos meus colegas que ontem [segunda-feira] fizeram a subida toda comigo”, frisou, antes de se emocionar ao falar de Frederico Figueiredo: “O Fred… o que posso dizer é que é uma pessoa excecional, não há outra palavra. Se fosse outra pessoa se calhar ontem tinha arrancado e teria tirado uns quantos minutos e isto hoje não era possível. Ele ontem deixou de lado os seus interesses para me ajudar, mesmo sabendo que se calhar hoje era provável que isto acontecesse. É um verdadeiro senhor”.
Sobre o apoio que teve nas estradas portuguesas, um país que adotou, mas que não é o seu, mais um momento de emoção para Maurício. “Sou do outro lado do mundo, não sou daqui, e ser acolhido desta forma é algo inexplicável, muito bonito”, atirou.
Tão bonito como a história de redenção do novo campeão da Grandíssima.