Sem cláusula de confidencialidade, ao contrário do que aconteceu na primeira saída do Benfica, Bruno Lage queria ter “a liberdade” de poder contar a sua história, a história da segunda passagem pelas águias. Em entrevista à “Bola”, o ex-treinador dos encarnados diz-se de “consciência tranquila”, ao contrário de há cinco anos, em que acredita que houve “culpa própria” no despedimento.
Numa longa conversa, Bruno Lage abordou o que chama de “erro metodológico”, que vê como importante no desenrolar do despedimento.“Nós sabíamos que o Mundial de Clubes iria trazer-nos algumas desvantagens, principalmente para os nossos concorrentes diretos. Fomos a única equipa que realizou o Mundial de Clubes e depois dez oito jogos no mês de agosto”, começou por explicar.
O primeiro ciclo da época, como lhe chamou, correria bem: a equipa venceu a Supertaça e qualificou-se para a Liga dos Campeões. Os problemas começaram no início do segundo ciclo. “Na minha opinião, e as pessoas sabem, o presidente Rui Costa sabe disso, o diretor Mário Branco também, cometemos um erro metodológico que foi jogar com o Santa Clara na sexta-feira”, apontou, sublinhando que pediu o adiamento do jogo, contrariando declarações do presidente encarnado, que em entrevista à CNN apontou que o calendário era organizado pela estrutura do futebol, como um todo.
“Falámos com quem de direito para adiar o jogo. Nós não podíamos começar aquele ciclo cansados”, continuou o treinador setubalense: “Mas isso não retira a nossa responsabilidade, pois devíamos ter vencido aquele jogo”.
A derrota com o Qarabag, quatro dias depois, com o Benfica a desperdiçar uma vantagem de 2-0, seria o último capítulo de Lage nos encarnados, depois de semanas de críticas às exibições da equipa. “Vou para o balneário, 10/15 minutos depois o presidente manda chamar-me e tivemos uma conversa muito franca, muito tranquila. Foi muito rápido”, recorda o técnico de 49 anos, que diz ter desde logo renunciado a futuros salários, tendo pedido a Rui Costa para respeitar o contrato dos seus adjuntos.
No dia seguinte, despediu-se dos jogadores, o “momento mais difícil”, garante. “Gastámos muita energia em escolher este plantel”, lamentou. Por isso, a saída nesta altura, com jogadores como Sudakov ou Lukebakio ainda com poucos treinos, deixou “um amargo de boca” ao treinador.
Kökçü e Félix
Na entrevista, Bruno Lage negou ter má relação com Angel Di María e com Orkun Kökçü, com quem protagonizou um público bate-boca durante o Mundial de Clubes. Com o turco diz ter tido, na verdade, “das relações mais fáceis” no plantel. “Tivemos aquela situação. Foi um momento infeliz de ambos. No dia seguinte, a seguir ao pequeno-almoço, tomei a iniciativa, bati três vezes à porta do quarto dele, ele abriu a porta e começou a rir-se. A primeira coisa que ele me diz é como é que duas pessoas que se deram tão bem durante nove meses tiveram aquele momento”, conta Lage.
O treinador diz ainda que chegou mesmo a acreditar que João Félix seria jogador do Benfica e que o clube tudo fez para que a vontade do jogador em voltar à Luz fosse uma realidade. “Disse-lhe que iria falar com o presidente para fazermos com que a vontade dele se concretizasse, pois era a vontade de todos. Mas o Chelsea foi sempre muito intransigente naquilo que seriam os valores a pagar e seria muito difícil para o Benfica, apesar de ter feito quase o impossível para voltar a trazer um jogador formado na casa”, aponta, frisando que João Félix “mostrou uma vontade enorme de voltar” ao Benfica. “E também percebeu toda a equipa que eu estava a tentar montar, onde ele podia ser uma peça muito importante, mas as exigências do Chelsea eram impossíveis”, explicou o ex-treinador encarnado.
Quando questionado sobre o momento mais complicado nesta segunda passagem pela Luz, Bruno Lage aproveitou para recordar o pós-jogo com o Casa Pia da época passada, ainda que garanta que não foi o pior. O confronto com adeptos antes da equipa entrar no autocarro assumiu contornos que o técnico quis esclarecer.
“Estou a dar a cara e a defender o meu grupo, mas a conversa aquece muito rapidamente quando um dos adeptos me diz qualquer coisa como ‘Oh Lage, vê lá se queres que a gente vá outra vez à tua casa’. A partir daí a conversa sobe de tom, porque aquilo deixa de ser apenas uma conversa em que eu estou a defender a minha família profissional e passa a ser uma conversa em que eu estou a defender a minha família pessoal. Tive de ser agressivo e falar a linguagem que eles estavam a falar”, explicou.
Sobre o futuro, Bruno Lage diz ao diário “A Bola” que a “garantidamente” não vai ter uma “pausa tão prolongada”, numa fase em que se fala do interesse dos egípcios do Al Ahly.