Basquetebol

Dennis Schröder: o líder da seleção alemã foi vítima de racismo em criança e deu lição ao ser porta-estandarte nos Jogos Olímpicos de Paris

Dennis Schröder: o líder da seleção alemã foi vítima de racismo em criança e deu lição ao ser porta-estandarte nos Jogos Olímpicos de Paris
Milad Payami

Aos 31 anos, o base dos Sacramento Kings é capitão do adversário de Portugal nos oitavos de final do EuroBasket (sábado, 13h15, RTP2) e um dos jogadores mais em forma deste Europeu, onde há poucos dias se tornou o segundo jogador alemão a ultrapassar os 500 pontos na competição, depois de Dirk Nowitzki. Filho de uma gambiana, Schröder era uma promessa do skate, mas a morte do pai levou-o a dedicar-se ao basquetebol para ajudar a família

Em fevereiro deste ano, Dennis Schröder sentiu na pele como poucos a efemeridade da NBA. Em menos de 24 horas, no último dia para trocas, o base alemão esteve em três equipas. Começou o dia nos Golden State Warriors, onde jogava nem há dois meses, vindo dos Brooklyn Nets. Foi trocado então para os Utah Jazz, que ainda antes do final do dia o enviaram para os Detroit Pistons. 

Schröder soube da primeira troca enquanto tomava banho após o treino dos Warriors. Tinha acabado de arrendar uma casa em San Francisco. Tudo isto aconteceu dias depois do alemão, com 12 anos de NBA às costas, comparar o período de trocas com “escravatura moderna”, em que “toda a gente pode decidir” para onde um jogador vai “mesmo que este tenha contrato” e sem que nada possa fazer.

O primeiro base germânico a chegar à NBA, em 2013, tornou-se um muito válido journeyman na liga norte-americana de basquetebol, onde na próxima temporada vai representar a 11.ª equipa do seu currículo, os Sacramento Kings. Mas com a camisola da sua seleção vestida, a coisa muda de figura. Schröder deixa de ser um bom suplente, um ativo dispensável para virar um líder, o MVP do último Mundial, em que a Alemanha bateu os Estados Unidos nas meias-finais, ganhando à Sérvia na final, conquistando assim o seu primeiro título na prova.    

Borja B. Hojas

Este sábado (13h15, RTP2), é a sua batuta de capitão e construtor que Portugal terá de tentar amainar nos oitavos de final do EuroBasket, onde já nesta edição se fez o segundo jogador alemão a passar a barreira dos 500 pontos em Campeonatos da Europa, ao lado de um tal de Dirk Nowitzki. Depois de uma fase de grupos perfeita (cinco vitórias em cinco jogos), a Alemanha surge como uma das principais favoritas ao título europeu, que seria o primeiro para Schröder e o segundo para os germânicos, que não vence desde 1993, em casa. 

Do skate ao basquetebol

Nascido em Braunschweig há 31 anos, filho de um alemão e de uma gambiana que se conheceram no país da mãe, Dennis Schröder viu os seus longos braços, rapidez e entusiasmante capacidade de drible pela primeira vez notados por Liviu Calin, um treinador romeno radicado na cidade do centro-norte da Alemanha, não muito longe de Hannover. Na altura com 11 anos, Dennis e o irmão paravam muito no Prinzenpark de Braunschweig, não para brincar com a bola laranja, mas sim a fazer piruetas no skate park local - e eram bons ao ponto de já contarem com patrocinadores. Nas pequenas pausas do divertimento com o skate, era normal aqueles rapazes desenjoarem com jogos de basquetebol numa tabela ali mesmo ao lado e as capacidades de Schröder não passaram despercebidas a Calin.

Numa entrevista ao jornal “Frankfurter Rundschau”, Schröder confessou que só aos 16 anos começou a levar a modalidade a sério, após a morte do pai, Axel. “Prometi-lhe que tomaria conta da família”, contou. Na seleção e nos clubes, o base germânico usa o número 17 em memória do progenitor, falecido em 2009.

As origens em Braunschweig continuam a ser uma parte essencial da vida do jogador, que em 2023, quando se sagrou campeão do mundo, foi recebido por milhares de conterrâneos na praça principal da cidade. Foi lá também, ainda na escola secundária, que conheceu a mulher Ellen, com quem tem três filhos, dois rapazes e uma menina. 

Em 2018, Schröder construiu ainda mais laços com a cidade, ao comprar uma participação no Löwen Braunschweig, a equipa de basquetebol local, onde jogou antes de dar o salto para a NBA. Dois anos depois, tornou-se o único proprietário do emblema.

Orgulho olímpico

Em 2024, o basquetebolista foi votado pelo público e pelos colegas como um dos dois porta-estandartes da Alemanha na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em pleno Rio Sena. 

“Foi a maior honra levar a bandeira por toda a equipa da Alemanha”, confessou ao portal Anscape, frisando a mensagem que passou no seu país, de que “negros, brancos, qualquer cor, asiáticos, turcos, todos podem chegar longe com trabalho duro e paixão”. 

Yong Teck Lim

“Foi uma grande afirmação ter um negro a levar a bandeira da Alemanha”, reforçou. Na mesma entrevista, o jogador dos Kings falou de como foi “duro” crescer na Alemanha sendo negro. “No infantário perguntava-me porque é que a minha cor de pele era negra. Perguntavam ‘porque é que estás sujo?’ e todas essas coisas duras”, revelou. Tudo melhorou quando começou a jogar basquetebol, um mundo onde se sentiu “respeitado” e “aceite”. 

Mas o racismo, infelizmente, não deixou de fazer parte da vida de Schröder, que ainda neste EuroBasket ouviu insultos xenófobos nas bancadas em Tampere, na Finlândia. “Fazerem sons de macaco é algo que não posso respeitar. Insultos, estou OK com isso. Mas o racismo simplesmente não pertence ao desporto”, disse aos jornalistas depois do jogo com a Lituânia. Um dos adeptos que atacou o jogador, identificado através de vídeo, foi expulso do torneio. 

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