Feito o mais difícil, Portugal não fez o que parecia ser mais fácil no Europeu de andebol. E ficou a fazer figas
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A seleção esteve durante mais de 50 minutos a perder contra os Países Baixos, adversário que já tinha três derrotas na segunda fase do torneio e a teoria dizia ser mais acessível do que a Noruega e a Eslovénia, que Portugal venceu. Cheios de erros na defesa e ineficazes como nunca a atacar, os jogadores portugueses, depois de lá conseguirem uma magra vantagem, deixaram-se empatar (33-33) no último minuto. Agora, para chegarem ao jogo do 5.º e 6.º lugar, terão de fazer figas para que a Dinamarca ganhe aos eslovenos
É hábito inclusivo, nunca exclusivo a uma modalidade específica: aquando dos últimos acordes do hino nacional e perto da freguesia das sílabas do “contra os canhões…”, a fileira de portugueses, normalmente unidos em abraços, começam a chocalhar os corpos, um tumbalalão de tipos grandalhões a abanar com o entusiasmo dos versos derradeiros. No andebol que implica contacto físico a toda a hora, é apropriado haver esse bater de ossos uns nos outros, a ocasião também o justificava: em Hamburgo, a seleção nacional jogava a hipótese, pelo menos, de igualar a melhor prestação portuguesa num Campeonato da Europa.
Confiar somente nos números é enganador, farto está o desporto de o provar e os julgar que os Países Baixos estavam moribundos, pelas suas três derrotas na main round, era errado com salpicos de perigoso. Por cima desse tempero, a necessidade de Portugal vencer para garantir a disputa da partida do 5.º e 6.º lugar combinada com a descontração de o combustível dos adversários ser nenhum além da honra competitiva poderia desgraçar a vida aos portugueses. As leis andebolísticas do entroncamento de corpos mostraram-nos desde cedo.
Em jogo cheio de jogadas que respeitavam a simples regra de atacar a linha defensiva para obrigar um defensor a saltar na marcação, fixar esse homem para escavar espaço e soltar a bola num companheiro que viesse embalado de trás, os neerlandeses foram uma tempestade de movimentos de bloqueio. Fomentados pelo seu pequeno furacão que é Luc Steins, frenético central de 1,73 metros, massacraram a defesa portuguesa. Até ao intervalo (15-17), Portugal cansou-se na caça ao prejuízo, nunca provando a tranquilidade de quem se vê a ganhar no resultado e pode jogar com isso.
As desatenções defensivas que eram atraídas nos engodos dos adversários fizeram, logo ao oitavo minuto, Paulo Jorge Pereira a pedir um desconto de tempo para avisar os seus, no seu tom calmo e sereno, que “uma boa quantidade dos golos” sofridos foi “entre o último e o penúltimo” homem. “Se calhar”, aconselhou, era “melhor começar a fechar os laterais, não sempre, mas às vezes”. Depois, o selecionador perguntou a Rui Silva “o que vamos fazer?”. Mais do que questionar o capitão, o treinador pareceu querer empoderar os jogadores, seduzir-lhes a responsabilidade. Eles é que tinham de reagir e corrigir, adaptar e melhorar.
Mensagem dada, desafio não correspondido, a linha de Portugal continuou porosa face aos rápidos contra-ataques neerlandeses e anormalmente falível quando era altura de atacar. Parecia dia de almoço de família para o desacerto de todos os jogadores se sentarem à mesma mesa: o canhão no braço de Martim Costa acertava na madeira dos postes e da trave; Alexandre Cavalcanti amanteigava receções de bola quando participava na fase ofensiva; a ameaça que sempre se espera de ‘Kiko’ Costa nem um golo teve até ao descanso. Só três portugueses tinham mais do que um remate bem-sucedido no fecho da primeira parte, com louvor para António Areia e a sua meia dúzia de golos que mantinham a seleção à tona.
Mas a vénia maior, transvestida de apoteose precoce porque o jogo ainda ia a meio, era, mais uma vez, para Diogo Rêma e o seu elástico contorcionismo na baliza, adolescente de 13 paradas realizadas de todas as maneiras (até em situações de um para um sem um português num raio de dois metros) para o feitio português ao intervalo não ser ainda mais taciturno. Com uma prestação destas, estivesse o ataque da seleção atinado como nos seis encontros anteriores, Portugal sorriria no resultado. Ao invés, tinha 50% de acerto no remate ao fim de 30 minutos, e nem metade (45%) dos ataques eram finalizados.
FABIAN BIMMER/Getty
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Pior se vestiu o início da segunda parte, o prejuízo aumentou para três golos e as defesas de Rêma eram procedidas de erros não forçados. Na baliza oposta, Bart Ravensbergen bloqueava um remate a seguir ao outro e nem cinco minutos havia e já se viam jogadores da seleção a bradar ao teto do pavilhão, frustrados com a ineficácia. Nem a primeira exclusão da partida para os Países Baixos trouxe um leve avistamento de serenidade, a desvantagem não emagrecia e os pescoços dos portugueses dobrava à retaguarda para olharam ao alto onde estava o relógio.
O tempo urgia, eles preocupavam-se. Martim Costa foi o primeiro a elevar-se a um patamar parecido ao seu habitual. O pivôt Luís Frade, municiado com insistência pelas mãos de caxemira do central Miguel Martins, aos poucos seguiu o batedor desse caminho de retorno a um nível consentâneo ao que Portugal apresentou para atazanar a existência e ganhar a Noruega ou Eslovénia, adversários melhores na teoria do que este. Pelo meio da segunda parte, a seleção já ia tendo o jogo empatado.
Demorou 51 minutos e um segundo a aparecer a segunda vantagem portuguesa no marcador (desde o 2-1 inicial), agoniante sala de espera que não amenizou o ai-jesus que era o jogo. Pouco depois, outra exclusão para os Países Baixos escancarou a oportunidade que Portugal precisava, era uma oferenda e Martim Costa, primeiro, seguido de Miguel Martins, armaram os braços que deram dois golos à maior. Era pertinente serem os carregadores da reação portuguesa a puxarem a reboque da seleção para lá dessa barreira que, transposta, virou presente envenenado.
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Poderão ter sido nervos, ou a ansiedade que é prima afastada, quiçá o afrontamento cénico perante a ocasião e não descuramos a simples balança entre a sorte e o azar, frequente alvo de menosprezo, o mais recorrente até é o esquecimento, mas influente em qualquer jogo. Regressaram os erros de manuseamento de bola, as más receções, passes precipitados e os tentáculos de Ravensbergen a pararem remates.
No último minuto, Portugal já só vencia por um golo, o treinador neerlandês pediu um desconto para sangrar o tempo, aí as tripas dos portugueses ter-se-ão revoltado, quando a ação se retomou a bola esgueirou-se por entre as pernas de Gustavo Capdeville e, nem a 20 segundos do final, o jogo ficava empatado. A urgência de todo o trabalho deixado por fazer encavalitava-se num último ataque à baliza neerlandesa.
O bravo ‘Kiko’ Costa atirou-se contra braços esquálidos e camisolas azuis bebés, nem o costume da cor laranja foi dado pelos adversários que lhe barraram a corrida. Apitou-se uma falta, parecia suficiente para um livre de 7 metros, enquanto a indecisão dos árbitros durou o relógio esgotou-se. Após reverem o lance e o discutirem, a decisão ficou nos 9 metros e no bloco de neerlandeses cimentado na frente de Salvador Salvador para um inócuo último remate. A sirene do final de jogo confirmou o empate (33-33) e a ineficácia suprema de Portugal - feito o mais difícil que era ganhar a adversários mais complicados, não fez o que seria, à partida, mais acessível.
O resultado deixa a seleção nacional a orar e a cruzar os dedos em figas para que a Dinamarca, candidata a ganhar este Europeu e já apurada para as meias-finais, não seja derrotada pela Eslovénia, que terá vibrado com este resultado que lhes entreabre a hipótese de festejarem o desaproveitamento português para tomarem o lugar que parecia de Portugal na disputa do 5.º e 6. lugar.