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A casa às costas

“Emprestei o meu carro e no dia seguinte acordo e vejo na 1.ª página do jornal: 'Em véspera de jogo Ricardo Nunes rebenta com o carro'”

“Emprestei o meu carro e no dia seguinte acordo e vejo na 1.ª página do jornal: 'Em véspera de jogo Ricardo Nunes rebenta com o carro'”
D.R.

O lateral-esquerdo Ricardo Nunes, de 37 anos, saiu do Benfica aos 20 anos para jogar na Grécia. Seguiu-se Chipre, onde jogou em três clubes, antes de regressar a Portugal para duas épocas, no Trofense e no Portimonense. Voltou ao estrangeiro, fez duas épocas e meia na Eslováquia, e experimentou ainda o futebol na Bulgária, antes de se fixar seis anos na Polónia. Entre várias histórias, conta o episódio que o levou a ser novamente crente em Deus e confessa que agora gostava de fazer mais qualquer coisa ligada ao futebol, além de acompanhar o filho de nove anos

Como surgiu a hipótese de ir para o Lamia, na Grécia?
O Benfica no final da época informou alguns jogadores que não iam renovar e fui um deles. Passado duas semanas a equipa B acabou. Ninguém ficou. A malta que tinha contrato foi emprestada e os outros juniores, que iam subir, foram todos embora. Nós vivíamos numa ilusão. Quando saí do Benfica, pensei que ia encaixar fácil em qualquer lado. Mas as coisas não eram assim. Hoje, um miúdo que joga nos sub-23 do Benfica tem um leque de oportunidades gigante. Naquela altura não jogávamos a Youth League, não jogávamos na II Liga, onde os jogos são televisionados. Hoje os miúdos fazem um golo, está na televisão e aquele golo fica a passar um mês, há redes sociais. Fomos campeões de juniores, também fazíamos coisas brutais, mas ninguém via. Agora, mesmo que um miúdo não encaixe no Benfica, a seguir é emprestado a equipas da I Liga, uns até vão para equipas no estrangeiro, conceituadas, sem terem jogado na equipa A ou tendo jogado pouco.

Ainda não explicou como foi parar à Grécia.
Eu tinha a ideia de sair do Benfica e voltar ao Estoril, porque ainda lá estava um vice-presidente que gostava muito de mim, o Paiva Henriques, que me dizia que quando saísse do Benfica, voltava ao Estoril. O Estoril estava na II Liga, mas atravessava uma fase má, com salários em atraso, havia muita confusão. A pessoa com quem eu trabalhava na altura, e cujo nome é escusado dizer, dizia-me: “O Estoril não, vou arranjar-te melhor. Estou a pôr malta em Espanha”. Fui esperando, esperando, e nada. Passado uns dois, três meses ligou-me para eu ir para o União da Madeira.

Não aceitou?
Então o Estoril não era bom e o União da Madeira que está na II B era melhor? Ele disse que o treinador era dele, que ia ser bom. Eu não quis, e por obra do acaso, conheci outro empresário que me levou à experiência a essa equipa na Grécia, o Lamia, com outros jogadores.

Pelos vistos gostaram de si?
Correu-me bem e fiquei lá, mas tenho um episódio engraçado pelo meio.

Força. Conte.
Fui ter com a equipa à Bulgária, estava em pré-época, com mais três portugueses. Quando acabou o período de testes tínhamos de voltar para Portugal porque só depois nos davam informação de quem tinham gostado. O diretor deles, grego, levou-nos a uma paragem e meteu-nos num autocarro, que era suposto levar-nos até Atenas, que é longe, para depois apanharmos o avião de volta para Portugal. Junto à fronteira, o autocarro pára e manda sair toda a gente. Não percebemos o porquê, até que o motorista nos explicou que aquela era a última paragem, que o autocarro só levava as pessoas até à fronteira e que a partir dali estávamos por nossa conta.

O que fizeram?
Aquilo deu vontade de rir, de chorar, de tudo ao mesmo tempo. Passámos a fronteira a pé, cada um com o seu trolley e a sua mochila, e logo a seguir à fronteira havia uma espécie de área de serviço, com um café. Abancámos lá os quatro, cabisbaixos, tristes. Um de nós era mais velho, tinha mais experiência, viu um táxi de matrícula grega a passar e começou a chamá-lo. Quando dissemos que queríamos ir para Atenas, o taxista chamou-nos malucos, disse que não podia levar-nos a Atenas, que era longe, e que o máximo que podia fazer era deixar-nos na paragem de autocarros de Salónica; de lá apanhávamos o autocarro para Atenas. E foi assim, o taxista teve pena de nós, fez-nos um preço especial, levou-nos para Salónica e lá conseguimos desenrascar-nos com o autocarro para Atenas. Foram sete ou oito horas de viagem, e por sorte não perdemos o avião em Atenas [risos].

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