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A casa às costas

“Uma vez parei um jogo. Disse ao árbitro que precisava ir à casa de banho. Estive 15 minutos a ler o jornal, para deixar o jogo acalmar”

“Uma vez parei um jogo. Disse ao árbitro que precisava ir à casa de banho. Estive 15 minutos a ler o jornal, para deixar o jogo acalmar”
NUNO BOTELHO

Os cabelos encaracolados e compridos são imagem de marca de Ricardo Pereira, 49 anos, treinador de guarda-redes do Independiente del Valle, clube com o qual já conquistou uma Taça Sul-Americana, a Taça e a Supertaça do Equador e a Recopa Sul-Americana. Nesta I parte do ‘Casa às Costas’ conhecemos o seu longo caminho como guarda-redes e percebemos como dois cursos superiores, um de Educação de Infância, outro de Psicologia Clínica (e um emprego na Kidzania), não foram capazes de afastá-lo do futebol, a sua grande paixão

Nasceu em Lisboa. Faça um breve resumo da história da sua família.
Os meus pais tiveram uma peixaria durante 48 anos, em Queluz-Monte Abraão. Gente de trabalho, sem ligação absolutamente nenhuma ao futebol. Tenho dois irmãos, ambos mais novos. A minha irmã é psicóloga, somos vários na família, e o meu irmão é professor do ensino básico, mas enveredou pela carreira militar na GNR e hoje é sargento.

Deu muitas dores de cabeça aos seus pais?
Algumas. Três filhos habituados a brincar na rua é natural que por vezes houvesse coisas como fugir um par de horas de bicicleta para ir "roubar" fruta, mas acima de tudo fugir para ir jogar futebol em alguns bairros mais longe. Uma infância normal.

O que dizia querer ser quando fosse grande?
Guarda-redes.

Tem ideia de onde veio esse fascínio pela baliza?
Veio muito de dentro. O aquecimento para os jogos de bairro começava às sete ou oito da manhã, ia buscar os amigos que já estavam acordados, metia-me entre dois ferros, em piso de cimento, e ali estava horas e horas, não sei como os cotovelos e os joelhos resistiram a tanta queda, até passar para o "estádio oficial", que era o ringue do Monte Abraão, para jogar contra os bairros dali à volta. Joguei sempre à baliza. Mas não consigo explicar. Nem sequer tenho aquela justificação de ser mau com os pés ou de ser o gordinho que vai à baliza [risos].

Tinha pelo menos a justificação de ter jeito para a baliza?
Sem dúvida. Tenho memória de defesas que fazia naqueles jogos de rua, que eram como se fossem as nossas finais de campeonatos do Mundo ou algo parecido [risos].

Em casa torcia-se porque clube?
Todos benfiquistas e eu com uma tendência para puxar pelo Sporting.

Quem eram os seus ídolos?
Jozef Mlynarczyk marcou a minha infância, um pouco a par de Vítor Damas e Manuel Bento. Mas uma paixão muito grande pelo Mlynarczyk, ao ponto de ainda existir na família uma relíquia que é um dossiê carregado de recortes dele. Escrevi, para desespero da minha mãe, “Mly”, as iniciais do Mlynarczyk, na porta da casa de banho, com uma tesoura. Quase levei pancada por causa disso. Na minha adolescência o campo de mais fácil acesso para mim era o do Estrela da Amadora, vi muito jogo lá, vi o FC Porto algumas vezes com o sonho de poder entregar aquele dossiê ao Mlynarczyk e nunca consegui. Tive muita pena porque das duas vezes que trabalhei no Legia de Varsóvia, várias pessoas prometeram levar-me a conhecê-lo e nunca se proporcionou. Era um sonho de infância poder conhecê-lo. E há outra grande referência, o Vítor Baía.

Gostava da escola?
Eu tinha muita facilidade em aprender. Acho que isso se confirmou porque fiz dois cursos superiores, o de Educação de Infância e o de Psicologia Clínica, e estive sempre nos três melhores alunos de qualquer um dos cursos.

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