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A casa às costas

“Na Polónia, antes de um dérbi, adeptos grandes e carecas entraram no campo e ameaçaram: “Têm de ganhar, se não ganharem não saiam à rua”

João Nunes iniciou a aventura pelo estrangeiro na Polónia, onde ganhou uma Taça, o seu primeiro e único título como profissional, até agora. Seguiram-se as passagens pelo Panathinaikos da Grécia, e pela Hungria, onde jogou duas épocas no Puskás Akadémia FC. Nesta segunda parte do Casa às Costas o defesa conta muitas histórias que viveu lá fora, antes do regresso a Portugal, este ano, pela porta do recém-chegado à I Liga, Casa Pia

Alexandra Simões de Abreu

José Fernandes

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Quais foram as primeiras impressões quando chegou ao Lechia Gdansk, da Polónia?
Fui muito bem recebido na Polónia. Superou as minhas expectativas naquilo que é qualidade de vida e o ambiente de futebol.

Foi sozinho?
Sim, a minha mãe acabou por ir ter comigo para ajudar-me na adaptação. Ela começou a dar aulas lá, ensinava português a estrangeiros. Felizmente que tive esse suporte. Há éne casos de colegas que vão para fora e que acabam por ter problema atrás de problema por não terem ninguém que os ajude na adaptação. Porque um jogador jovem que acaba de mudar de país, sozinho, é mais fácil ir almoçar aqui hoje, amanhã jantar ali, sair à noite ao sítio “x”. Tudo se torna muito atrativo, é muita novidade.

Gostava de noitadas?
Não, muito pelo contrário. Ainda hoje, quando isso acaba por ser um tema de conversa, digo sempre que prefiro um bom almoço de amigos do que uma saída à noite. Obviamente que esporadicamente uma ou outra situação, por que não? Mas quando pomos isto num jovem de 20 anos, que sai do país, que está num ambiente completamente novo, onde o dinheiro é facilitado... A estabilidade de haver uma pessoa contigo, a apoiar, é essencial. As pessoas às vezes não têm noção, mas voltar a casa e ter alguém com quem falar, trocar uma palavra, falar a nossa língua, uma pessoa que cozinha a comida a que estamos habituados a comer, é muito importante.

Como era o seu inglês?
Eu comecei a aprender inglês com três anos. Sempre falei muito bem inglês.

Quando conheceu o clube, o que achou?
Aí foi o meu principal choque.

Porquê?
Porque entrei num clube enorme, com um estádio espetacular, adeptos fantásticos, hooligans mesmo, a cantar nos jogos todos; tinha prémios de assinatura, tinha salário… E ao fim de três meses, não tinha recebido nada. Disse à minha mãe, vamos embora. E eu até estava a jogar. Isso foi o principal choque. Não recebia, eles prometiam, prometiam que era para a próxima semana e nada. Até que fui falar com o presidente: “Vou fazer as malas, vou comprar um bilhete e vou voltar para Lisboa”; “Mas porquê?”; “Estou aqui há três meses, tenho um prémio que não recebi, tenho salários que não recebi e eu não tenho uma carreira com 15 anos, nem com 10 anos. Não tenho a minha vida estável, tenho 20 anos, estou a começar a minha carreira, não posso estar fora do meu país sem receber. Vou pedir a rescisão com justa causa”; "Espera aí, se calhar foi um erro qualquer de contabilidade, vou ligar lá para baixo". Passado uma hora tinha o dinheiro na conta. Dois meses de salário e o prémio.

Que tal o ambiente no balneário?
O balneário foi um choque também porque era uma cultura diferente, em que alguns não falavam inglês, outros falavam e não queriam falar com alguns portugueses no balneário.

Que outros portugueses lá estavam?
Os irmãos Marco e Flávio Paixão. Mas atenção, fui extremamente bem recebido. Um balneário com alguns jogadores da seleção polaca, que já tinham jogado na Bundesliga, em Inglaterra. Jogadores com estatuto e com personalidades muito fortes. Acabou por ser um choque porque foi a primeira vez que entrei, de facto, para ficar, num balneário duro com um ambiente difícil, em que havia discussões de homens.

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