Vivemos a ressaca de umas Olímpiadas muito pobres, no que a medalhas diz respeito. No entanto, há mais medalhas além das que se conquistam nos Jogos Olímpicos. Que o diga a seleção nacional de surf, que conquistou há um par de semanas a medalha de prata nos ISA World Surfing Games - o mundial da modalidade -, que decorreram na praia de Jacó, na Costa Rica.
Um grande feito - que não é inédito. Já no ano passado, nas belas praias de Playa Popo na Nicarágua, Portugal sagrou-se vice-campeão mundial, sendo apenas ultrapassado pela seleção da casa e batendo equipas como EUA e Austrália, que estão bem acima da nossa seleção no ranking. E ainda era possível fazer melhor, diz o presidente da Federação Portuguesa de Surf (FPS): “Não pensámos em ir lá tentar, fomos lá para conseguir e fiquei muito triste por não ter conquistado o ouro, estivemos muito perto. Já tínhamos conseguido o segundo lugar no ano passado e o nosso mínimo era manter, apesar de sabermos que o nível este ano subiu”.
João Aranha garante ao Expresso que os adversários não tinham ido lá para brincar: “França levou a artilharia pesada toda, a Costa Rica também apostou forte com atletas de topo, os EUA levaram a Tia Blanco e o Brett Simpson, que são atletas do WCT, da 1ª liga do surf. A nossa equipa estava, em termos de ranking, muito abaixo destes atletas”.
A força da seleção portuguesa esteve no espírito de equipa, que desde cedo foi bem evidente. “Criou-se um grande ambiente de equipa logo que entrámos no avião. Viu-se que todos se davam muito bem e isso é muito importante, criar uma família”, explicou João Aranha.
OLÁ. Guilherme Fonseca tem 19 anos e é um dos vice-campeões mundiais portugueses em surf
Esta segunda medalha de prata consecutiva é consequência da força e da importância que o surf tem vindo a ganhar em Portugal. Segundo o presidente da FPS, “o surf é claramente um desporto em ascensão”, diz, “que se estima estar a gerar cerca de €400 milhões por ano, com campeonatos e principalmente com a vertente do turismo”.
Só que nem tudo é positivo. João Aranha queixa-se de algum “desgoverno em relação às escolas de surf e em relação aos hostels - cada um faz o que quer e não há muito controlo”. Mas a federação quer mudar isso. “Lançámos um projeto para a certificação de escolas em que nos deslocamos às escolas e fazemos uma análise às condições e atribuímos uma norma de qualidade. Isso vai dar alguma segurança às que já trabalham bem e a quem procura essas escolas com o selo de qualidade da Federação, porque no fundo é um sistema que procura certificar a qualidade. Só para que haja uma ideia, neste momento existem 200 escolas registadas, mas estima-se que sejam mais de 400 as escolas com as portas abertas, ou seja, o controlo é inexistente.”
A parte boa é que, desde 2013, altura em que João Aranha tomou posse na Federação, a “base de praticantes triplicou”. Hoje há 3800 atletas federados em Portugal, diz o responsável pelas seleções de desportos de deslize, como lhes chamam. Porque a “FPS não é só surf, é também bodyboard, skimboard e skate, entre outros”, esclarece o presidente.
No meio de tantos surfistas novos, como é que se conseguem fazer as convocatórias para a seleção? João Aranha explica: “São feitas através das competições nacionais e também dos estágios que a FPS organiza, pela avaliação ao longo dos anos dos atletas, até pelos rankings nacionais e internacionais. São tudo aspetos a ter em conta para podermos avaliar a qualidade e competitividade dos atletas e tomar as decisões”.
ESTILO. Parece fácil, não é? Gui, como é conhecido no mundo do surf, já faz isto desde os 6 anos, em Peniche
Um dos convocados da seleção vice-campeã mundial de surf foi Guilherme Fonseca, “uma das melhores apostas, que deixou de ser júnior há bem pouco tempo e tem um espírito de luta incrível”, diz João Aranha. O jovem surfista de 19 anos, conhecido por Gui, explica-nos que se iniciou aos 6 anos, quando o pai lhe ofereceu uma prancha de bodyboard.
Desde então, percebeu que era no mar que se sentia bem. O facto de viver em Peniche e de ter um pai que adora pescar facilitou a relação com as ondas. Gui também já jogou ténis mas estar num court, limitado pela repetição dos movimentos, fez com que optasse pela liberdade que a prancha e o mar lhe proporcionam. Acabou o 12º ano e congelou a sua matrícula na universidade para se dedicar exclusivamente à sua carreira desportiva. “É possível viver do surf através de participações em competições, como, por exemplo, as do circuito WQS.”
Gui, que olha para Mick Fanning como o surfista modelo, confessou-nos um dos seus maiores sonhos: “Adorava um dia surfar numa piscina com ondas e com um estádio à volta, com as bancadas cheias de pessoas a vibrarem”. Explica que este sonho faz parte do seu lado mais competitivo, até porque as piscinas com ondas - que já existem - são o oposto ao tal lado mais natural do surf. “Mas é neste tipo de condições que se vê quem são os melhores surfistas, pois as ondas são iguais para todos os competidores.”
Gui ainda não largou a sua medalha desde que saiu da Costa Rica e diz que já quer outra: “Quero estar no ano de estreia do surf nos Jogos Olímpicos”. E já em 2020, em Tóquio.