Sai-lhe da boca, mais do que uma vez, a frase “é sempre um árbitro de cadeira que me pinta como o mau da fita” ou uma parente próxima. Arisco e revoltoso, está sentado sob a guarida de um chapéu de chuva e refila com o juiz, quase possesso de raiva pela bola que ele dera como válida, parcos minutos antes, ao descer à terra batida e ir examinar a marca. Já aí vociferava sem cerimónia, atirando uma toalha de suor contra o cesto. Dois pontos depois, Novak Djokovic quebrou-lhe o serviço e no momento de descanso para os tenistas o sistema Hawk-Eye mostrou que a tal bola, realmente, batera fora dos limites do court.
Holger Rune tinha razão em barafustar - parou de jogar no tal ponto, confiando que todos veriam o que ele constatara no ressalto caído quase aos seus pés. Atazanado pela frustração, um fisioterapeuta a tratar-lhe de um joelho enquanto ventilava quasi-insultos na direção do juiz Mohamed Lahyani, como “és uma anedota”. Quando regressou ao campo, o dinamarquês perdeu o segundo set (4-6) após ganhar o primeiro (6-2) e parecia estar a ceder à consequência das cócegas com que acordou um gigante adormecido.
Na pesada terra batida de Roma, a absorver a humidade e a chuva que não têm largado Itália por estes dias, o meio combalido sérvio, erróneo como não lhe é costume, ressuscitou no segundo parcial após pedir assistência médica. As estribeiras meio que perdidas por Rune face à má decisão do árbitro encravaram um pouco as pancadas absurdamente potentes com que colocava o líder do ranking a correr no fundo do campo. Djokovic fechava pontos a arfar, com a boca aberta para a ventilação o recompor: a aptidão de Rune para acelerar a bola quase sem preparação, capaz de desencantar potenciais winners de todo o lado, obrigavam o sérvio a puxar do atleticismo que não o abandonou, mas natural é que já o lembre de estar a uma semana de lhe lembrarem que tem 36 anos.
Há várias gerações entre ele e os 20 do dinamarquês, cujo estilo nada meigo de caminhar, como um gigante a quem pedem contrição, virá da corpulência que lhe sustenta o ténis que joga. Holger Rune tem pernas inchadas de músculos, um tronco largo e um corpo que parece maior do que realmente é (1,88 metros) também pela forma como usa a raquete para espancar uma bola de ténis. E a esperteza com que o faz, à idade atual.

Após lhe ganhar a final do último Masters de Paris, em novembro do ano passado, Holger Rune voltou a vencer Novak Djokovic.
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As brutais pancadas que consegue soltar sem embalou e com os pés trancados no court, aliadas às escolhas sagazes na condução dos pontos, atropelaram (6-2) o sérvio no terceiro set. Quando o acelerado Rune já vencia por dois jogos a zero, as orelhas do árbitro de cadeira foram ateadas de novo por Djokovic, furibundo por o ouvir a atualizar o resultado ao microfone quando o sérvio já imergido estava no seu transe de preparação para servir - “Qual é o drama de esperar por dizer o marcador em italiano e inglês? Estás a encenar? Por que demoras 20 segundos a dizer o resultado?”. A decair na partida, era a vez do dono de 22 Grand Slams ceder às suas estribeiras.
Acabaria derrotado e a abraçar amigavelmente o dinamarquês na rede, seis meses após a última vez. Em novembro, Djokovic felicitara Rune pela vitória na final do Masters de Paris e agora afagara-o pelo seu avanço para as meias-finais em Roma, onde a chuva chegou a interromper o jogo durante cerca de uma hora. Quando as nuvens se controlaram e se destapou o court do Foro Italico, o irascível nórdico passou por cima do sérvio que está em forma titubeante quando pouco resta para chegarmos a Roland-Garros.
Vergado pelo mau-feitio de Holger Rune, pelas birras que norteiam o seu jogo e a reputação que já o persegue que nem sombra - ele faz por isso, como ainda em Madrid se viu, ao apagar no pó de tijolo uma marca de bola que o seu adversário contestava -, as certezas que o dinamarquês quer mostrar sobrepuseram-se às dúvidas presentes no ténis atual de Djokovic. Chegará na melhor forma ao major da terra batida?, ainda está aí para as curvas onde terá de suster as investidas da nova vaga de tenistas? “Eu é que tenho de lhe pedir conselhos. Ganhou-me duas vezes, não tenho sugestões a dar-lhe, está a safar-se muito bem”, disse o sérvio, quando lhe perguntaram, no final, se tinha dicas a fornecer ao adversário.
Holger Rune ainda é um novato no ténis e a questão entende-se. Em parte por causa dele, o Masters da capital italiana não terá, pela primeira vez desde 2005, Djokovic ou Rafael Nadal, um deles, a jogar a final do torneio. “Continuo humilde, devias ser sempre humilde. Acho que o sou e espero que as pessoas me vejam assim”, confessou o dinamarquês. Todo o seu promissor talento responsabilizaram-se por afastar o sérvio e coincidir com o espanhol num ponto, porque o señor tierra tinha sido o último tenista a ganhar dois jogos seguidos a Novak. Esse pequeno hábito mudou agora de freguesia.