Em setembro e outubro, o circuito WTA voltará, pela primeira vez desde 2019, à China. A interrupção dos torneios de ténis feminino no gigante asiático deveu-se, primeiro, à pandemia de covid-19, mas, desde novembro de 2021, a causa do afastamento de território chinês deveu-se ao caso Peng Shuai, a tenista que acusou um antigo vice-primeiro ministro do país de assédio sexual e cuja denúncia foi silenciada.
A antiga número um mundial de pares, através de uma publicação na rede social Weibo, disse que Zhang Gaoli a assediara, num post que foi, depois, removido da plataforma. Na sequência da denúncia, Peng Shuai desapareceu, levando a WTA a pedir explicações às autoridades chinesas. Um órgão de comunicação social oficial de Pequim chegou a publicar uma suposta carta da jogadora, afirmando que estava tudo bem, mas a entidade que rege o circuito feminino não acreditou no conteúdo do texto.
Na sequência da tensão diplomática, a WTA fez o que prometera desde o início do processo, suspendendo todos os torneios na China, numa decisão de grande impacto. Em 2019, no último ano antes da pandemia e do caso Peng Shuai, disputaram-se nove eventos no país asiático, incluindo as WTA Finals, no final da temporada, que reúnem as melhores do ano.
A tenista viria, depois, a negar o abuso sexual e a culpar os “mal-entendidos”, anunciando, também, a sua retirada dos courts. Ainda assim, a decisão de cortar laços com a China por parte da WTA manteve-se, uma postura praticamente única na elite do desporto mundial. Outras entidades, como o Comité Olímpico Internacional, a Premier League, a FIFA ou a NBA foram, sempre, estando alinhadas com Pequim.
Em janeiro de 2023, a WTA chegou a garantir que o regresso do ténis feminino à China dependeria da “resolução da situação de Peng Shuai”, exigindo uma “investigação formal” do sucedido e a “oportunidade” de haver um encontro “privado” entre dirigentes do circuito e a agora ex-tenista.
Não obstante, a WTA altera, agora, a sua posição. Em comunicado, a entidade explica que “depois de 16 meses de competições suspensas na China e de esforços contínuos para atingir” os seus pedidos originais, “a situação não mostrou sinais de mudança”. A WTA concluiu que “nunca atingirá os objetivos” iniciais que tinha, sendo os “jogadores e torneios” quem paga um “preço extraordinário” pelo “sacrifício” feito.
“Recebemos muitos elogios pela nossa posição de princípio e acreditamos que mandámos uma mensagem poderosa ao mundo. Mas só o elogio não é suficiente para trazer mudança”, lê-se no comunicado da WTA. O circuito diz ter recebido garantias de que os jogadores e staff que estiverem nos torneios na China estarão “seguros e protegidos”.
Um logo da WTA é projetado num edifício em Zhengzhou, durante o Zhengzhou Open de 2019
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O regresso da WTA à China permitirá que o ténis feminino recupere uma importante fonte de receitas. Se o calendário for semelhante ao de 2019, antes da pandemia e do caso Peng Shuai, as WTA Finals voltarão a Shenzhen, que tem um contrato de 10 anos em vigor para acolher a competição de fecho de temporada. Esse acordo permite que o prémio monetário das WTA Finals seja de €12,7 milhões. Como comparação, as Finals de 2022, em Fort Worth, no Texas, distribuíram cerca de €4,5 milhões.
À BBC, Steve Simon, CEO da WTA, garantiu que “a maioria das tenistas” apoia o regresso das competições a solo chinês, sublinhando ser o seu “papel” ter a capacidade de “escutar” a vontade dos membros da WTA.
Human Rights Watch pede “ação conjunta” dos “negócios internacionais”
A decisão já motivou reações por parte de organizações humanitárias. Em comunicado, a Human Rights Watch, através da voz de Yaqiu Wang, investigador em matérias de direitos humanos na China, diz que o recuar da WTA “não surpreende”, tendo em conta o “dinheiro em jogo” e os antecedentes de “outras entidades” na relação com Pequim.
A Human Rights Watch apela a uma “ação conjunta” por parte do mundo dos “negócios internacionais” para que se façam “as coisas certas”.
“É difícil enfrentar o governo chinês sozinho, mas se diversas organizações atuarem juntas, o equilíbrio de poder pode mudar”, pode ler-se no texto, que conclui concedendo que “o caminho para expor os abusos de direitos humanos do governo chinês é difícil” e “acarreta custos”.