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A chorarem e de mãos dadas, “qualquer noite” que Nadal e Federer passem juntos “nunca parece ser tempo suficiente”

Ténis

ANDY RAIN

A confissão veio do suíço, algo taciturno e solene na última vez que falou perante jornalistas após uma partida onde “ajudou muito não estar sozinho" no court. O espanhol revelaria que viajou de propósito só para jogar com Roger, admitindo que “uma parte” da sua vida “também vai embora” com a despedida de Federer. As lágrimas, assim como a história feita no ténis, foram de ambos

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Diogo Pombo

Diogo Pombo

em Londres

Jornalista

Chorar é visivelmente um ato que ensopa os olhos, de lágrimas a irem às rugas de expressão para escorrerem bochechas abaixo. Visto de fora e de forma crua, pode ser encarado apenas como uma reação do corpo a um tremelicar da alma, mas um pranto custa, seja euforia alegre ou comoção melancólica, tentar aguentar uma choradeira suga a energia de qualquer pessoa e os sinais disso vêm depois, quando já se arranjou maneira de erguer uma barragem nas emoções. Notavam-se os efeitos da ressaca em Roger Federer quando, já na madrugada deste sábado, apareceu na sala de imprensa da Laver Cup, em Londres.

Encasacado com o adorno do torneio, penteado hermético e dando o ar de estar refeito da inundação no court, o suíço não aguentou a máscara por muito tempo. Aparecido na sala com Rafael Nadal onde para lá de 50 jornalistas os esperavam, a primeira pergunta dirigiu-se ao espanhol que, no início do jogo de pares que serviu para fechar a cortina à carreira do amigo, admitiu estar “a tremer um pouco”, descrição que seria eufemística se posta na boca de qualquer uma das quase 17 mil pessoas na Arena O2. “Tudo ficou muito emocional. Quando o Roger sai do circuito, uma parte importante da minha vida sai também”, disse, logo de seguida. E a confissão prendeu Federer à âncora das emoções novamente.

Não que o suíço fosse um poço de sorrisos, mas, calando-se o espanhol e indo as questões da sala, naturalmente, para o recém-retirado, a sua postura mudou - taciturno e cabisbaixo, a olhar para as mãos enquanto ouvia as perguntas, o estado de Roger poderia ser confundida com um amuo, uma desolação. “Os últimos dois dias foram duros, para não dizer mais. Houve momentos em que me esqueci completamente, dormi bem, tudo foi maravilhoso, consegui desfrutar, por isso acho que vou ter melhores memórias de como tudo se desenrolou. Mas sei que só me vou lembrar de metade”, descreveu, tentando colocar ordem nos pensamentos após a azáfama sentimental acontecida em campo.

O jogo terminou e o primeiro e apertado abraço foi dado entre os outrora temíveis adversários, evoluídos para intensos rivais e metamorfoseados, “nos últimos 10 anos”, em amigos cada vez mais próximos. Os vintes de Nadal e Federer fizeram-nos ser um vice da versa do outro, alguns pontos altos da carreira do suíço significaram o ocaso momentâneo para o espanhol, o inverso também sucedeu e, quando foi Roger o derrotado, as lágrimas estiveram lá, os soluços na voz de quem é mais permeável a escancarar as emoções cá para fora. Na noite entre sexta-feira e este sábado, ambos choraram desalmadamente para, talvez sem o tencionarem, darem mais uma lição do que deveria ser o desporto.

Não tanto na sala de imprensa, onde mantiveram a compostura e Federer alinhou-se para dizer que não teve “fogos de artifício na cabeça” nem viu “a carreira a passar-lhe à frente dos olhos”, isso “aconteceu há semanas”.

Foi no campo, de onde ficaram fotografias de ambos sentados no banco, a chorarem baba e ranho e de mãos dadas a ampararem-se, demonstração de como adversários não têm de se deturpar ao ponto da animosidade e podem, tão só, elevarem o seu nível no respeito pelo confronto e levarem a reboque uma modalidade - eles, os seus 42 Grand Slams e os 21 de Novak Djokovic, o rival de muitas outras núpcias que também empapou os seus olhos e abraçou a primeira das lendas a surripiar-se para os bastidores do ténis. “Mas esta noite foi só felicidade, isto não é o fim, estou feliz, estou saudável, tudo é maravilhoso, isto é só um momento no tempo”, relativizou Federer.

Há semanas, admitiu “o medo” que sentiu ao antecipar a despedida, não queria “falar ao microfone” porque sabia que isso o desmancharia, como se viu, um dos travões postos pelas lágrimas foi quando falou para a mulher, Mirka. “Podia ter-me parado há muito, muito tempo, mas permitiu que continuasse a jogar”, agradeceu. Para já não tem planos, gostava de “ir jogar” eventos de exibição a “lugares onde nunca” bateu uma bola para “dizer obrigado”. Durante mais de duas décadas, ninguém sentiu mais apoio generalizado do que o suíço em qualquer sítio onde pegasse na raquete. Em Londres, durante aquelas duas últimas horas, “ajudou muito não estar sozinho no court”.

Aos 40 jogos que partilharam antes, juntaram este para o qual o enferrujado Nadal, recolhido nas últimas semanas a Maiorca, onde a gravidez da mulher teve alguns problemas, viajou propositadamente para estar ao lado do amigo com quem se sente “confiante em falar de qualquer assunto pessoal, o que é muito bonito”. Fatigado e claramente esgotado, Rafa ainda falaria em espanhol para uns quantos jornalistas do seu país. A fixar o vazio, compenetrado nas respostas e a sacudir a pressa do assessor da Laver Cup que tentou acabar com o momento ao fim de dois minutos, admitiu “não estar bem” do corpo e, também, da alma, perante o “conflito interno bastante importante” que tem de ligar face à despedida do amigo.

“Não podia faltar a este dia” por “saber que era importante” para Federer, garantiu, fugidio aos pensamentos da sua própria retirada - “ainda não estou nesse momento” - embora admitisse que chegou a pensar nisso em Roland Garros, onde o problema crónica no pé o revisitou com dores antes de, no US Open, romper músculos no abdómen pela segunda vez este ano. O espanhol agora quer “organizar a vida” e tentar voltar a ter “um pouco de normalidade em todos os sentidos”. Haverá um que isso lhe escapará. Quando regressar aos courts, já não terá Roger à vista.

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    Federer nunca quis um conto de fadas e não o teve no último jogo da carreira, na Laver Cup, factualmente falando. Perdeu, esvaindo-se em lágrimas no final enquanto Rafael Nadal, o maior rival tornado amigo, com quem jogou em pares na despedida, chorava como um bebé. Aos 41 anos, um dos maiores tenistas da história, provavelmente o mais elegante a alguma vez pisar um court, despediu-se em apoteose: “Estou feliz, não estou triste. Foi uma noite fantástica”. Crónica e reportagem em Londres

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    Nas horas que antecederam a despedida de Roger Federer dos courts, na Laver Cup que, por culpa da ocasião, virou momentaneamente o foco do ténis em Londres (e no mundo), os elogios em massa ao suíço que está a viver o torneio dando “alcunhas a todos” e “sempre a rir-se” em modo “pateta” sucederam-se durante todo o dia. Reportagem da capital inglesa, onde decorre o torneio que acolhe o último jogo da carreira do tenista suíço