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Margaret Court, a tenista com mais títulos do Grand Slam: “Admiro a Serena. Mas não me parece que ela me tenha alguma vez admirado”

Controversa, mas inegavelmente uma das maiores da história do ténis, Court, dona de 24 títulos em torneios do Grand Slam, mais um que Serena Williams, opina sobre a norte-americana, que, tudo indica, já não baterá o recorde da australiana de 80 anos, ignorada por muitos devido às declarações e atitudes homofóbicas que têm sido uma constante nos últimos anos

Carlos Luís Ramalhão

Bettmann

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Para alguns, Margaret Court é a maior tenista de sempre. Estatisticamente, isso é inegável: 24 títulos em torneios do Grand Slam. Para outros, as declarações controversas que foi proferindo ao longo dos anos, nomeadamente sobre a homossexualidade, diminuem-lhe o mérito nos campos que carrega até no apelido. Aos 80 anos, a australiana assiste ao fim de uma maratona que tinha como um dos maiores objetivos quebrar-lhe o recorde. Serena Williams tem 23 troféus em torneios major, mas acaba de anunciar o pendurar da raquete. Ao “Telegraph”, ao telefone, Margaret diz: “A Serena, admiro-a como jogadora. Mas não me parece que ela me tenha alguma vez admirado”.

Apesar da glória desportiva, a verdade é que Court parece nunca ter conseguido os aplausos de uma Billie Jean King, de uma Martina Navratilova ou mesmo de uma Serena Williams. A veterana raramente dá entrevistas, mas nesta desabafa: “Estive em Wimbledon este ano e ninguém falou comigo sequer. Pensei, ‘Ah, que interessante’”.

A veterania não impede a antiga atleta de se manter ativa. Conhecida pela sua ligação – por vezes extrema – à religião, Court é, desde 1995, pastora numa igreja em Perth. Enquanto preparava o serviço de domingo, confessou ao jornal britânico que percebe o que está a acontecer ao seu nome no ténis.

“É muito triste, porque grande parte da imprensa e da televisão atuais (…) não querem mencionar o meu nome. Apenas quando tem de ser, porque eu ainda tenho muitos recordes. Em 2020, era suposto eu ir a Wimbledon para o 50º aniversário do meu Grand Slam. Mas veio a covid, por isso a homenagem nunca aconteceu”, diz a octogenária, que lamenta a ausência de convites de Roland Garros e do US Open. “No meu país deram-me títulos, mas eles preferem não mencionar o meu nome”, diz.

“Penso que muito disto tem a ver com o facto de eu ser pastora e fazer questão de divulgar as minhas crenças. Sofri muito bullying”, admite Court, cujas convicções lhe têm garantido muitos inimigos. “Tornei-me cristã quando era número um do mundo”, afirma, com orgulho. O discurso torna-se então mais revelador: “Ainda se sofre muito bullying às mãos dos grupos LGBT. Mesmo quando estou a ajudar os pobres, algumas empresas não são autorizadas a doar à minha igreja por causa do meu nome”. Em 2012, a cristã pentecostal opôs-se publicamente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo na Austrália. Em 2017, declarou que iria boicotar a companhia aérea Qantas pelo seu apoio à causa LGBTQI+.

É conhecida a pretensão de ativistas LGBT para que a arena Margaret Court, do Melbourne Park, mude de nome. O motivo será, segundo os grupos de protesto, o “constante ataque” da ex-tenista à comunidade. “Bom, eles têm tudo o que querem no casamento e no resto. Por isso, eu penso: ‘Porque é que, quando deviam estar felizes com o que têm, continuam a atacar as pessoas com crenças diferentes?’”, diz a vencedora de 1180 das 1287 partidas de ténis que disputou.

Voltando ao desporto, Court não se perde nos números: “A Serena jogou mais sete anos do que eu. Eu terminei a carreira no início dos 30. As pessoas esquecem-se de que eu parei durante dois anos. Primeiro, retirei-me, como a Ash Barty, quando tinha 25 anos, pensando que não voltaria ao ténis. Casei-me, tive um bebé, mas acabei por vir a ter um dos meus melhores anos, ganhando 24 de 25 torneios”.

Diz o “Telegraph” que é notória a dificuldade da australiana em admitir que Williams é uma grande campeã. Se Court ficou marcada negativamente pelos comentários homofóbicos, Serena ficará associada à forma rude como se dirigia aos árbitros – como o português Carlos Ramos, a quem chamou “ladrão” na final de 2018 – ou aos apanha-bolas, por exemplo. Alegadamente, em 2009, a norte-americana terá dito a uma das responsáveis por fornecer bolas às jogadoras que ela devia “pegar na m---- da bola e enfiá-la pela garganta abaixo”.

Torcendo o nariz à postura de Williams no presumível jogo de despedida, em que não deu grande importância à adversária, Court considera: “Fomos ensinadas a ser modelos para os mais novos, na forma como nos comportávamos. Fomos ensinadas a honrar as nossas adversárias. Aprendias com as tuas derrotas. Respeitávamo-nos”.

Falando de respeito, a muito admirada Billie Jean King é uma das vozes que mais critica as posições da australiana sobre homossexualidade. Em 2020, os comentários negativos de Court sobre crianças e mulheres transgénero fizeram com que Martina Navratilova reagisse, chamando-lhe “patética” e dizendo que a antiga campeã estava a “esconder-se atrás da Bíblia”.

Algumas figuras do ténis atual lamentam que se misturem os feitos de Court no desporto e as suas visões pouco consonantes com o século XXI. O compatriota Nick Kyrgios, também ele controverso por outros motivos, disse ao “Washington Post”, em 2020, que Court devia ser admirada pelo ténis que jogou, fazendo questão de acrescentar: “Obviamente, concordo com o casamento entre pessoas do mesmo sexo”. Billie Jean King não teve dúvidas em considerar Serena “a maior de sempre”. Court responde que “é muito mais fácil” jogar ténis hoje em dia.