Até há sete dias, Rafael Nadal estivera em court sete vezes, com pontos a sério e em jogos a contar, desde que o ano arrancara. Seguindo este pensamento, em mais de três meses, um espanhol que tem a vida dedicada a praticar desporto, apenas competira durante algumas horas em 2017, queixando-se aqui e acolá do corpo, o maldito e imprevisível corpo, que lhe rasgava músculos e prendia articulações para o impedir de jogar, ter confiança nele próprio. Só tínhamos visto Nadal no Open da Austrália e, já este mês, na Taça Davis.
E chegámos à fase da época em que o ténis só tem olhos para os campos argilosos, cobertos do pó de tijolo alaranjado que abranda todas as bolas e onde qualquer efeito saído de uma pancada tem o dobro da aderência. É na terra batida que Nadal tem mais tempo para procurar o rotativo pulso esquerdo, que lhe dá um top spin demoníaco para os adversários, e onde esse efeito mais pega e levanta as bolas que lá batam. É redudante lembrar que Rafael Nadal é todo-poderoso neste piso, mas, lá está, ele é efémero, está com 31 anos e o corpo não o tem ajudado.
Resumindo, havia mais dúvidas do que certezas quanto ao espanhol, logo, bastantes expetativas para ver como iria o número um do mundo safar-se na superfície - e, saltando da introdução diretamente para a conclusão, já esteve mais longe o dia em que essa superfície se possa vir a chamar pó de Nadal.
O espanhol em quem se temia estar um físico frágil e uma confiança a meio-gás conquistou, no domingo, o Masters de Monte Carlo, torneio de categoria 1000 que abre a temporada de terra batida. Ganhou a Kei Nishikori por 6-3, 6-2, em cerca de hora e meia, da mesma forma com que batera os outros tenistas com quem se cruzara (Aljaz Bedene, Karen Kachanov, Dominic Thiem e Grigor Dimitrov): sem perder um set.
Em apenas uma semana, todas as dúvidas e questões, os "ses" e os problemas físicos, desapareceram no tenista que, na antevisão ao torneio, dissera que tinha como objetivo apenas terminá-lo. Não se magoar. "Ganhar aqui significa muito, sobretudo por ser o primeiro torneio do ano que consigo terminar", lembrou, no final, lembrando eu que estamos já no fim de abril.
Como se ainda fosse necessário fazê-lo, voltou a dar uma demonstração de como, mesmo que já comece a estar no lado menos bom da idade, ninguém parece ter capacidade para fazer frente na terra batida a um saudável e motivado Rafael Nadal. O espanhol venceu em Monte Carlo pela 11ª vez, maior reinado que qualquer tenista alguma vez conseguiu num só torneio, conquistando a 31ª prova na categoria Masters 1000, outro recorde.
Humilde e contido, Nadal não tentou explicar outro marco no ténis inscrito com o seu nome. "Não sei mesmo como estas coisas acontecem, porque são muitos anos sem erros e sem ter azar durante esta semana. Já fui azarado em muitas outras semanas, mas não nesta", resumiu, quase como um encolher de ombros de quem mais nada tem para dizer sobre o legado que deixará na terra batida. Neste piso, o espanhol tem um registo de 396 vitórias e 35 derrotas.
É um monstro alaranjado.
E, mesmo que não o tenha dito, pelos seus parâmetros é o tenista que quase nunca erra e sempre tem sorte, também, em Roland Garros. O Grand Slam que mais vezes (10) conquistou na carreira, onde mais provas de força costuma dar, arranca a 27 de maio.
Se arrancasse daqui por dias, Nadal jogá-lo-ia sem dores, em forma e motivado por continuar a existir como sempre o faz, em terra batida - dominador, quase imbatível, castigador com top spin e dono de um dos melhores jogos defensivos que o ténis já viu no pó de tijolo. "Agora, tenho de desfrutar esta vitória porque não é todos os dias que se ganha em Monte Carlo", disse, no final, como quem parece estar a gozar sem o querer com quem o ouve.
Chegou aquela altura do ano em que o ténis chega onde Rafael Nadal mais gosta de estar, em que o espanhol acorda, joga, domina, controla e costuma ganhar quase tudo.