Lucas ‘Chumbo’ Chianca não tem guelras, muito menos barbatanas, mas, por estes dias, o seu nome acabará por ecoar nos tímpanos caso a conversa seja acerca de ondas gigantes e, por arrasto, toque nas destemidas pessoas que acham boa ideia tentar surfá-las - e ‘gigantes’ pode significar os mamutes aquáticos que ocasionalmente dão à costa na Nazaré, para lá dos 10, 15 ou 20 metros, ou grossas paredes de mar que talvez nem toquem na dezena de metros de altura e assustam por outras razões. Por estar atento às previsões de ondulação, o brasileiro foi seduzido pela segunda hipótese e apressou-se a viajar para a Polinésia Francesa.
O surfista abdicou de participar numa prova do Qualification Series (QS) regional em Saquarema, nas redondezas do Rio de Janeiro, para apanhar uma boleia com asas até ao Taiti, onde está Teahupo’o, mítico lugar que motiva peregrinações de muita gente com pranchas na bagagem para enfrentarem uma das ondas mais emblemáticas do planeta. No domingo, Lucas ‘Chumbo’ era um dos surfistas a exultarem com a compensação da natureza pelo esforço: viu-se um dia de ondas longas, tubulares e de lábio grosso a mostrarem, uma vez mais, os porquês de os próximos Jogos Olímpicos serem em Paris, mas a prova de surf ser num arquipélago perdido no meio do Oceano Pacífico.
Duas fotografias desse dia (as primeiras) atestam-no e outras duas, captadas noutros tempos, servem para exemplificar o idílico que monta o cenário que envolve Teahupo’o:




A bonança antecipou-se à tempestade e a tela que rodeia o raso recife sobre o qual quebra a onda inundou-se, na manhã seguinte, com as consequências desastrosas de uma tempestade. A 1 de maio, os surfistas que acorreram à ondulação que se magicou contra Teahupo’o presenciaram os ventos e as chuvas fortes que provocaram uma inundação na localidade. A precipitação levou à subida do caudal do rio que lá desagua no mar e, ao raiar de segunda-feira, o cenário contrastar por completo com o que os postais guardam daquele lugar.
Teahupo’o era destruição: casas danificadas, estradas de terra com crateras, o oceano rabugento, pintado de um castanho escuro e alguns carros a boiarem no mar. Tudo terá sido muito repentino. “Fomos surfar na alvorada, logo à primeira luz. Tinha chovido na noite anterior e, depois, houve cerca de uma hora e meia de chuva muito forte”, disse Dylan Longbottom, surfista e shaper de pranchas, ao site “Surfline”, relatando como, durante a chuvada, uma onda de quase dois metros pareceu descer ao longo do rio e vinda da montanha no costado da vila: “Parecia uma zona de guerra.”
É comum na ilha do Taiti e na zona onde está Teahupo’o que se registem ocasionais inundações e períodos de chuva frequente, mas, explica o mesmo site, raramente provocam semelhante destruição. A intempérie motivou vários/as surfistas do circuito mundial - Kelly Slater, John John Florence, Gabriel Medina ou Tatiana Weston-Webb - a apelarem, nas redes sociais, a ajudas para a região.
Em 2024, a segunda presença do surf nos Jogos Olímpicos está prevista para Teahupo’o, relocalizando os atletas para longe de Paris, cidade-anfitriã da maior competição desportiva do mundo. Na estreia em Tóquio, no Japão, as medalhas de ouro foram conquistadas pela havaiana Carissa Moore e pelo brasileiro Ítalo Ferreira.