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Um dos melhores surfistas do mundo está retido no aeroporto de Lisboa há dois dias

Dane Reynolds veio dos EUA e as autoridades têm-no detido há dois dias, no aeroporto da Portela, por não ter um passaporte. O cameraman do americano diz até que lhe tiraram os atacadores dos sapatos. E este não é um surfista qualquer – é um dos mais talentosos de sempre e, talvez, o melhor free surfer da atualidade, que não se interessa pela competição. O SEF garante à Tribuna Expresso que a situação está “em vias de resolução”, mas há um problema: a embaixada dos EUA não emite passaportes para fora. Ou seja, ele terá que ir lá

Diogo Pombo e Hugo Franco

FREDERIC J. BROWN

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Primeiro, há que explicar quem é ele. Dane Reynolds tem 31 anos, é surfista de profissão, mas não é um surfista como os outros que costumamos ver na televisão ou nas notícias, como Frederico Morais. O português, por exemplo, está na Austrália a competir numa prova do circuito de qualificação, a fazer tempo até ao arranque do circuito mundial, em que vai surfar contra os melhores de março a dezembro, em 11 sítios espalhados pelo planeta. Fá-lo pela competição, pelo prestígio, para se medir contra outros, para conquistar troféus, pelo reconhecimento, também pelo dinheiro.

Mas Dane Reynolds, não.

Houve um tempo em que o americano esteve no circuito mundial, embora esse tenha durado apenas quatro anos. O que é estranho, muito estranho, porque ele é um dos surfistas mais talentosos de sempre, dos que inventam coisas e manobras em ondas que a grande maioria dos pares não se atrevem - nem conseguem - a tentar replicar. A perícia que tem, aliada ao facto de se estar nas tintas para a competição, os pontos, os troféus e o ser melhor que alguém, fez de Dane Reynolds uma espécie de alma do surf.

Mais estranho ainda é que o americano está, há dois dias, retido no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.

Fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), contactada pela Tribuna Expresso, explicou que o surfista aterrou sem ter um passaporte, o que levou as autoridades fronteiriças a retê-lo no aeroporto. Dane Reynolds apanhou em Inglaterra o voo que o trouxe a Portugal.

Alguns funcionários da Embaixada dos EUA em Lisboa têm estado, durante a manhã desta quarta-feira, no aeroporto, para resolver o problema. Até ao momento, não foi possível obter esclarecimentos do departamento de comunicação da embaixada, que não atendeu qualquer chamada.

Não tendo um passaporte, o que pode acontecer a Dane Reynolds é ser proibido de entrar em solo português e ser devolvido ao país de origem - e não a Inglaterra, onde embarcou no avião que o trouxe a Lisboa. Isto caso a embaixada dos EUA não emita um documento provisório a tempo.

O problema, sabe a Tribuna Expresso, é que a embaixada dos EUA em Lisboa não emite passaportes, ou documentos, para fora. Ou seja, Dane Reynolds terá de o levantar pessoalmente, o que implica que lhe seja possível abandonar o aeroporto. Uma das hipóteses, por exemplo, é o SEF escoltá-lo até à Avenida das Forças Armadas, onde está localizada a embaixada americana.

À Tribuna Expresso, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras enviou a seguinte resposta, via e-mail, pouco depois das 13h:

"Na sequência do solicitado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) confirma que no dia 20 fevereiro, às 20:00, chegou ao Aeroporto de Lisboa, provindo de Inglaterra, um cidadão estrangeiro sem passaporte, que se apresentou como sendo o surfista Dane Reynolds. Referiu ter perdido o passaporte no avião, mas não foi encontrado.

Na ausência de documento de viagem, em conformidade com a legislação em vigor, ficou à guarda do SEF, tendo-lhe sido garantidas todas as condições para o efeito.

O SEF, em conformidade com os procedimentos vigentes, contactou a Embaixada norte-americana para efeitos de identificação do cidadão em apreço. Um representante da Embaixada compareceu esta manhã no Aeroporto de Lisboa pelo que a situação estará em vias de resolução."

Instagram

A situação foi denunciada por Jason Blanchard, amigo e cameraman de Dayne Reynolds, que viaja frequentemente com o surfista, através de uma publicação no Instagram. “O Dayne Reynolds está a ser retido e tratado como um criminoso em Lisboa, na cadeia internacional do aeroporto. Sim, na cadeia! Tudo porque perdeu o passaporte! Ele está ali há dois dias. Tiraram-lhe o telemóvel, a mochila e até os atacadores. E, para agravar a situação, a embaixada dos EUA está a fazer muito pouco para o ajudar”, lê-se, no texto que acompanha uma fotografia do surfista, no aeroporto.

No aeroporto, portanto, está um surfista que muita gente gostava de ver a competir contra quem compete para viver. Mas, comparando com o futebol, Dane Reynolds é quase como se Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo deixassem de jogar a sério e passassem a querer apenas jogar com os amigos, quando lhes apetecesse.

E Dane Reynolds já tentou explicar o porquê de ser assim. Como o fez ao site Inertia, há uns meses:

“Não faço ideia o que os miúdos pensam de mim. Quando era miúdo, olhava para o Rob Machado e o Kelly Slater como se fossem deuses. Ter toda a gente à espera que tenhas vontade de competir, só porque és um bom surfista, mas eu não sinto isso. A falta dessa vontade tem caracterizado a minha carreira. Sempre fui muito duro comigo mesmo, mas o que me guiava em miúdo era, todas as manhãs, ir surfar antes de ir para a escola. Um título mundial é apenas um troféu. Quando tudo isto acabar, o que será mais importante - que foste um competidor sem escrúpulos, que toda a gente odiava? Ou que sempre foste simpático e te divertiste? Para mim, isso é mais importante”

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