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Depois da chuva vem o sol, depois do sol virá a chuva outra vez

A uma parte de domínio e tranquilidade do Sporting seguiu-se outra de um caos crescente, que submeteu o jogo a uma troca de repelões onde foi o, há dias, tão criticado Antonio Adán a segurar a vantagem dos leões com um par de paradas vistosas. E, do descontrolo, a equipa de Rúben Amorim foi buscar uma vitória (1-2) onde, a época passada, perdera pontos decisivos

Diogo Pombo

HUGO MOREIRA/LUSA

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Bendito este sábado de sensatez e invulgar sedução aos adeptos da bola em Portugal, onde os jogos dos três clubes movedores de maiores massas adeptos são marcados para a hora comum do lanche ou de um farnel mais tardio, é uma anormalidade no campeonato das partidas noturnas, das prioridades televisivas e de quem vê a partir do sofá, mas este sábado não, é dia de bom-senso para o futebol não engolir a logística do dia e o Sporting colocar a bola a rolar às 15h, ou às 14h, menos uma hora nos Açores.

Só que o dia na ilha de São Miguel ancorada a meio do Atlântico está farrusco, a nebulosidade no céu escurece a boa-nova de um jogo a horas decentes, por lá ainda conta como hora de almoço e os holofotes do estádio estão acesos quando já se joga e o que se joga, condignamente, acompanha a tendência climatérica durante quase meia hora, tempo em que a partida assenta num ritmo lento, em sentido único e numa quase unidimensionalidade pela assunção do protagonismo de uns e a reclusão compreensível de outros.

Com apenas um central disponível (Paulo Eduardo, de 20 anos) e tendo que arrastar um médio para o seu lado, o Santa Clara de Mário Silva concede a iniciativa de bola ao desbarato, pondo todos os jogadores atrás do meio-campo e optando por controlar a largura que é o combustível crónico do jogo com bola do Sporting com uma linha defensiva de cinco, às vezes de seis, posta bem perto da área. Era comum ver-se um bloco açoriano com duas filas de cinco futebolistas a manifestarem a prudência que foi mantendo o encolhimento dos anfitriões, incapazes de existirem ofensivamente em qualquer bola que recuperassem.

Só duas tentativas de se espreguiçarem do contexto de terem sempre a equipa tão encolhido, junta e com as peças próximas fizeram os centrais do Sporting atrasarem um passe para Adán, o guarda-redes a quem a bola foi uma mera visita para os pés - tocar-lhe-ia com as mãos só nos descontos, para agarrar um cruzamento. Alguma ousadia na pressão, apertando as receções de St. Just, Coates ou Matheus Reis, viu-se apenas nos cinco minutos pré-intervalo, quando o Sporting já ligava passes entre os médios e o trio da frente, por fim a tentarem levar as jogadas pelo centro e pelas costas do aglomerado de adversários, ao invés de só explorarem lançamentos que deixassem Nuno Santos ou Esgaio em condições de cruzarem.

Em jogadas sucessivas, da chuteira direta de Ugarte saíram passes para quem aguardava no lado cego dos centrocampistas açorianos e, à segunda, Marcus Edwards arrancou com a bola, rematou-a para uma luva de Gabriel Batista bloquear a tentativa e a recarga ficar à mercê de Morita (29’). O japonês a quem Rúben Amorim já louvou a constância e brincou com as vezes em que o ouve a pedir desculpa oferecia, desta feita, um perdão à antiga equipa, pouco beliscadora do domínio exercido pelo Sporting em tudo o que são métricas (76% de bola, 10 remates tentados contra zero) e preponderâncias detetáveis a olho nu.

Os habituais pedidos de solicitação ora dos alas, ou de um dos ‘extremos’, a arrancarem em direção ao espaço nas costas da linha defensiva adversário mal alguém recebia a bola e, à distância, levantava a cabeça, até se acentuaram no Sporting nos 10 minutos inaugurais da segunda parte, já depois de o Santa Clara parecer mudar de cara com a lavagem de cores no panorama aéreo sobre a ilha.

HUGO MOREIRA/Lusa

Com o fim dos chuviscos e a fuga das nuvens, o sol já brilhava quando Matheus Nunes se desleixou num passe, a pressão subida dos açorianos o intercetou e Tagawa, depois de trabalhar a bola na área, a passou para Pedro Bicalho obrigar Adán a esticar uma palmada (47’) que deu canto. Os lugares onde começavam a pressionar o Sporting eram outros, mais avançados e atrevidos, mas as ações com bola ainda tardaram a ter o acerto para corresponder às vezes que já eram capazes de existir na metade adversária da relva.

Essa outra postura no jogo pressupunha maiores espaços entre linhas, expondo uma linha defensiva que não era das mais rápidas a reagir e deixava, repetidamente o trio da frente do Sporting receber a bola, apertando-lhes as ações só ao segundo ou terceiro toque. E, com mais espaço, viram-se mais jogadas dos leões a solicitarem Paulinho para servir de rotunda para tabelas e deixar Pedro Gonçalves de frente para a baliza, a usar a sua simplicidade para lançar o perigo driblador de Edwards: o inglês, deixando um adversário caído e fixando outros dois, já na área (55’) falharia a melhor oportunidade da equipa na segunda metade.

A fórmula, contudo, foi sendo esta até Trincão e Rochinha refrescarem as companhias a Paulinho para os derradeiros 20 minutos, quando o Santa Clara, vendo o relógio a desfavorecê-lo, arriscou na pressão ao homem para abanar a árvore dos frutos. Antes de ser substituído, forçou uma má receção a Edwards para logo lançar Ricardinho pelo meio de um Sporting descompensado. O atacante que será dono do mais apurado sentido de baliza, mas que passara 45 minutos a cumprir deveres de fechar a ala esquerda em linha com os defesas, disparou (68’) para Adán deixar uma senhora parada em São Miguel.

Não seria a sua intervenção da tarde, a que constará nos highlights a que o consumo futebolística já veta tanta coisa, porque o jogo viraria uma troca de esticões, de passes longos a serem repetidos dos dois lados para os defesas recuarem, adaptarem as posições, voltarem a avançar para depois serem novamente testados no controlo às traseiras da sua casa, a terceira idade do Santa Clara-Sporting acabaria com todos a renderem-se às transições rápidas e ninguém a ser capaz de gelar uma partida caótica.

Nesse estado de alma, o jogo ficou à mercê de ações mais elementares como a disputa de segundas bolas, onde os açorianos igualaram e até superaram os leões, como quando Ricardinho lançou a corrida de Gabriel Silva ou o pé esquerdo de Bruno Almeida, à entrada da área, curvar um remate a meia altura (84’) que retirou de Adán, aí sim, a vistosa defesa a uma mão que salvou a equipa de arrelias e frenesins tardios.

Pouco depois, na continuação da troca de contra-ataques constantes, o Sporting chegaria ao 0-2 na ressaca de um canto, numa tal segunda bola batida de primeira por Nuno Santos. Com os pulmões enchidos com ar e o fôlego restabelecido, a equipa de Rúben Amorim fez por acalmar o jogo de vez, diminuir-lhe a temperatura, mas na último espernear do Santa Clara em que Bruno Almeida encarou a linha defensiva e Coates a abandonou para o encarar, Gonçalo Inácio foi mais lento a encurtar o espaço vagado pelo central do meio do que Tagawa acelerou uma sorrateira desmarcação nessa nesga e o japonês ainda reduziu, nos descontos.

Após a mini-tragédia em que se pareceu revestir a derrota em Marselha, o Sporting regressou às vitórias com uma segunda parte aos solavancos que, mais do que os pontos, mostrou como seja qual for a profissão não livra vivalma de errar, somos humanos como Antonio Adán, o calamitoso guarda-redes que arrastou consigo a equipa para a lama na Liga dos Campeões e, na tropelia nos Açores, a salvou de maiores problemas. Quem levou com tantos dedos culpadores e doentia onda de insultos nas redes sociais foi a mesma pessoa que voltou a ter um dia como tantos que já teve (seria eleito o melhor em campo) e há uma lição que deveria ser tão simples de entender, já os Smoke City cantarolavam.

Ou, como disse o espanhol no final, “foi uma semana exatamente igual às outras e amanhã será igual aos dias anteriores”.