O Sporting já vencia por 1-0 em Alvalade, com um golo anulado a Paulinho e mais um par de situações desperdiçadas a evidenciarem a fragilidade de um Gil Vicente que entrou no jogo sem acerto defensivo. Ao minuto 22, um passe longo de Marsà, o elegante central espanhol de 20 anos em estreia a titular, encontrou a rotura de Morita, que discutiu a bola, já perto da área visitante, com Tomás Araújo.
O defesa conseguiu fazer um corte, deixando todos a olhar para o céu, de onde cairia aquele esférico. Quando este se aproximava do solo, Morita amparou-lhe a queda, qual companheiro atento que sustém os golpes dos amigos. O japonês dominou a bola, soltando um primeiro grito de espanto das bancadas. Juntando à técnica perceção do jogo, viu a desmarcação de Pote e, voltando a recorrer à arte que tem nas botas, assistiu o português com um toque de calcanhar que, para fazer um visto em todas as casinhas da beleza, passou por entre as pernas do adversário.
Pote, com a atração pela baliza que o caracteriza, gingou à frente de Lucas Cunha, finalizando com um passe para as redes do oponente. 2-0.
O lance que permitiu ao Sporting ampliar a vantagem e encaminhar o triunfo, por 3-1, contra o Gil Vicente foi a pincelada maior de qualidade numa exibição leonina marcada pelo desperdício. Liderados por um Morita cada vez mais solto, os homens de Rúben Amorim criaram muito mas, talvez deslumbrados pelas facilidades, desperdiçaram em doses iguais.
Do outro lado, o Gil naufragou a defender, mas aproveitou as hesitações dos locais para ter mais chances do que poderia ser de prever. Fran Navarro, artista da procura pelo espaço, rematou cinco vezes, mas só aos 93' bateu o compatriota Adán.
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Se há jogos que demoramos a entender, contendo subtilezas e nuances que se vão descobrindo, outros há que são muito transparentes e honestos desde o início. Este Sporting - Gil Vicente foi um dos últimos casos, um duelo discutido quase sempre nas mesmas bases.
A equipa de Ivo Vieira, com três centrais tal como o seu adversário, apostou numa linha defensiva muito subida, mas a coordenação e o domínio da armadilha do fora de jogo foram deficientes. A intenção do técnico resultou em debilidade da equipa, presa fácil para os lançamentos de Marsà, Inácio e Reis, o trio canhoto de centrais do Sporting, ou de Morita e Ugarte.
Logo aos 11', Nuno Santos isolou Paulinho para que este batesse Andrew, mas o lance foi anulado por posição irregular. O avançado foi titular pela primeira vez desde a jornada inaugural da I Liga e, cinco minutos depois, protagonizou um dos lances que farão Rúben Amorim ter tanto apreço pelo seu pupilo.
Aos 16', Paulinho recuou para receber, descaindo para a direita. Olhando para o lado contrário, serviu o sempre ativo e elétrico Nuno Santos. O ala fez um meio cruzamento, meio remate que foi desviado por Morita para o 1-0.
Marsà estreou-se a titular
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A defesa do Sporting teve alguns problemas com a velocidade e instinto de Fran Navarro, que várias vezes esteve em posição de finalizar, atacando particularmente a zona entre Inácio e Esgaio — o lateral continua a semear dúvidas em muitas das suas ações. No entanto, em posse, Matheus Reis, Marsà e Inácio davam aos locais muitas e variadas soluções.
Fosse pelo passe ou condução, era no trio de canhotos que a superioridade dos leões se começava a desenhar. Marsà, na estreia a titular, actuou 73 minutos e confirmou os créditos de central sereno em condução e agressivo no passe.
Aos 22', um lançamento longo de Marsà voltou a explorar a tal linha descoordenada do Gil Vicente. Morita pintou depois o quadro que Pote concluiria.
Com 2-0 no marcador, boa parte do resto do encontro do Sporting foi uma sucessão de desperdícios face a situações prometedoras para marcar. Perto do intervalo, Esgaio teve a ocasião de servir Pote, mas definiu mal, e Trincão não conseguiu bater Andrew. Depois do descanso, Trincão, Pote ou Nuno Santos beneficiaram de roubos de bola em zonas subidas, mas a conclusão dos lances soava quase a facilitismo, qual aluno deslumbrado pela baixa exigência do exame.
Trincão remata para defesa de Andrew, num dos muitos lances de ataque do Sporting que não terminaram em golo
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Do outro lado, o Gil Vicente, sem fazer muito, pautava pela mesma ineficácia. Murilo, isolado, não bateu Adán, e Boselli acertou com estrondo na barra.
No meio disto, Morita ia espalhando técnica e classe. Uma finta na zona do extremo-direito para depois cruzar, um toque de calcanhar na zona do número seis para aclarar a jogada, uma saída de pressão na zona do interior para dar continuidade à posse, como se a falta de acerto nas áreas não fosse nada com ele.
Sotiris e St. Juste entraram com vontade, dispostos a baralhar as contas de Rúben Amorim. O grego, alinhado com a equipa, falhou um remate aparentemente fácil dentro da área após subida no terreno do veloz central neerlandês.
Aos 82', Ricardo Esgaio, sobre quem já recai, por vezes, aquele burburinho de dúvida tão próprio de Alvalade, serviu com qualidade Rochinha. O ex-Vitória bailou e rematou para o 3-0. Seguindo o seu exemplo, Fran Navarro fez o 3-1 final aos 93'.
Depois do 2-1 no Bessa que, segundo Rúben Amorim, proporcionou uma paragem menos tranquila ao Sporting, os leões voltaram aos triunfos na I Liga antes da deslocação a Marselha, na terça-feira. Voltando ao desperdício ofensivo que tem marcado algumas exibições da temporada, a arte de Hidemasa Morita foi o melhor da noite de Alvalade.