Não haverá prova de fogo mais cabeluda para um futebolista do que ser lançado ao protagonismo em tempos de crise. Marcar um golo pouco depois e provocar um suspiro de alívio coletivo será uma boa maneira de dar a volta a esse momento periclitante. Jeremiah St. Juste foi o primeiro reforço do Sporting para 2022/23, numa altura em que 2021/22 ainda nem sequer tinha terminado. Elogiou-se a antecipação dos leões, as cirúrgicas idas ao mercado que têm sido regra desde que Rúben Amorim chegou ao Sporting de bisturi em riste. Uns meses depois, a estreia do neerlandês dá-se com a equipa de Alvalade longe da frente, com duas derrotas seguidas às costas e horas depois do fecho de um mercado que, palavras do treinador, falhou no planeamento.
As circunstâncias não eram fáceis e St. Juste apareceu mesmo a tempo, dando pelo menos a agressividade às bolas viajantes pelo ar que tanta mossa fizeram ao Sporting nos últimos jogos, com a equipa já órfã de Matheus Nunes, uma das tais peças do planeamento que falhou. Ainda nem 15 minutos havia no marcador e o central, cuja entrada nos titulares enviou Gonçalo Inácio para o banco, já espantava demónios, dirigindo-se à área do Estoril para brincar com Francisco Geraldes, deixando o médio perdido na marcação. O canto foi de Trincão e o ex-Mainz fez por se achar sozinho e de cabeça, praticamente sem tirar os pés do chão, fez o primeiro golo, seguindo-se uma celebração que pode bem ser uma homenagem a uma serpente ou ás Bangles, quem sabe.
Mas não foi só golo que St. Juste trouxe ao Sporting. O neerlandês, a jogar à direita no eixo defensivo, tem velocidade, sabe progredir com bola e nos intervalos deu o conforto a Coates que o uruguaio precisa quando Matheus Reis faz as suas próprias cavalgadas. E o Sporting não sofreu golos. Faltará ainda trabalhar a conexão com Adán: foi de dois lances em que ambos se atrapalharam que nasceram os momentos de mais perigo do Estoril na 1.ª parte, fase em que o jogo foi mais fluído e límpido.
Aí, o Sporting voltou a ser o Sporting que faltou no jogo frente ao Chaves. O seu ataque móvel, de novo com Pote na frente, foi baralhando e apagando pontos de referência aos defesas do Estoril e os leões a isso uniram eficácia. Aos 21’, Porro sacou do monóculo e lançou na vertical para a desmarcação de Pote, que cruzou para Edwards. O britânico, com a safadeza cheia de glicose que tem naqueles pés, contornou Dani Figueira e fez o 2-0. Em três ou quatro lances mais perigosos, o Sporting colocava-se na frente com uma vantagem interessante, logo numa altura em que o Estoril ensaiava uma pressão mais alta que poderia incomodar os jogadores de Rúben Amorim.
Carlos Rodrigues
Sem a mochila da angústia de quem não marca a pesar os costados, o Sporting passou a gerir e depois de um início de 2.ª parte em que o Estoril ainda assustou, os segundos 45 minutos trouxeram um jogo mais quezilento, com muitas paragens e qualidade menor. Apesar de alguns bons pormenores no ataque, o Sporting só criou algum perigo com um livre direto de Porro aos 70’.
Foi quando o jogo se tornou mais feio que se notou que há jogadores neste Sporting que ainda não estão totalmente afinados. Porro voltou a dar grande dinâmica ao lado direito mas esteve desastrado no ataque, com um ror de más decisões que deixaram Amorim à beira de um ataque de nervos. Ugarte perdeu mais bolas do que pode e deve e Trincão continua a viver num paradoxo: o jovem avançado português sabe tratar bem a bola, isso não desaprendeu, e as suas arrancadas já parecem carregar a leveza de outros tempos, mas a definição continua perto do descalabro. Está a faltar-lhe um golo.
Os golos da 1.ª parte bastaram assim para o Sporting voltar às vitórias e afastar possíveis cenários apocalípticos. Deu ainda para estrear Sotiris Alexandropoulos, provavelmente na pior altura possível, numa fase em que Manuel Oliveira já tinha perdido o controlo do apito. O jogo nem sempre foi amigável, é certo, mas o juiz da partida lá foi contribuindo para o desânimo de quem apenas quer ver um bocadinho de futebol distribuindo 12 amarelos na 2.ª parte. Doze. Boa parte deles evitáveis, num jogo que não estava, mas se foi tornando duro. As boas arbitragens, diga-se, não se veem apenas nos lances difíceis. Também se avaliam pelos momentos mais comezinhos, do dia a dia de um jogo de futebol.