É possível que a Liga das Nações venha sempre a sofrer do síndrome de parente pobre das competições da UEFA. Afinal de contas, mais do que ganhar esta recém-nascida competição, o importante será sempre ganhar os jogos na fase de qualificação para os Europeus e Mundiais, estar nesses Europeus e Mundiais, ganhar esses Europeus e Mundiais.
E por isso mesmo, apesar de estarmos a falar de jogos oficiais, a Liga das Nações soará sempre um pouco como uma competição de particulares 2.0 - pelo menos é o que parece nesta fase inicial.
Talvez por isso a não-presença de Cristiano Ronaldo não tenha preocupado tanto assim os portugueses. E talvez por isso Fernando Santos tenha aproveitado para convocar muita gente nova, ou vá, gente que poderá potencialmente ser o futuro da Seleção Nacional. E nesse particular, este jogo de estreia da Liga das Nações frente a Itália foi, digamos, um não estonteante mas, em alguns momentos, entusiasmante arranque deste novo Portugal, neste ciclo que, esperamos todos, culmine com a Seleção presente no próximo Europeu a defender o título.
A vitória por 1-0 frente a Itália faz bem ao ego, porque ganhar a Itália é sempre ganhar a Itália, mesmo que a estes transalpinos pareça por vezes faltar uma estrela, um jogador de uma classe superior - Jorginho é talvez o melhor futebolista do onze escolhido por Mancini, mas é essencialmente um jogador de equipa e esta Itália em síndrome pós-traumático por ter falhado o Mundial da Rússia, ainda não é bem uma equipa.
Mas, e continuando, mais ou menos estilhaçada ou dorida, Itália é sempre Itália e há 60 anos que Portugal não ganhava oficialmente à squadra azzurra. Esta noite fê-lo com um onze renovado face ao Mundial e um onze que, piano piano, a expressão que os nossos amigos italianos usam quando querem dizer “pouco a pouco” ou “lentamente”, começa a fazer-se.

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Lá atrás, Pepe continua a ser Pepe, mas a seu lado Rúben Dias parece ser aposta definitiva. Cancelo talvez tenha roubado o lugar a Cedric. Rúben Neves, não tendo feito dois jogos perfeitos, seguramente que não sairá tão cedo dos escolhidos de Fernando Santos. Bruma, apesar da inconstância, traz rapidez, repentismo e irreverência às alas.
E depois há aquilo que podemos chamar de mudança de testemunho (piano piano, claro): sem Ronaldo, Bernardo é o cérebro da equipa, o homem que é diferente dos demais. Neste jogo, principalmente na 1.ª parte, ele foi quase sempre a voz da razão, o adulto no meio dos garotos que, ainda demasiadas vezes, desaproveitaram os rendilhados bonitinhos e perfeitinhos que o jogador do Manchester City foi desenhando pelo campo.
Foi Bernardo quase sempre a calma no meio da muita vontade que há nestes miúdos, o que nem sempre leva às melhores decisões, aos melhores remates, ao cruzamento mais perfeito, ao passe mais eficaz. Ainda assim, este Portugal renovado deixa impressões, digamos, interessantes e que com o passar dos jogos terá tudo para melhorar.
Tudo isto num jogo em que as oportunidades não surgiram em catadupa, muito por culpa do tal momento de definição que Portugal terá ainda de afinar com estes novos jogadores. Ainda assim, ali entre os 20 e os 35 minutos da 1.ª parte, o que Portugal jogou justificou aquilo que, se o futebol fosse apenas feito de justiça, seria uma vantagem da Seleção Nacional ao intervalo, apesar de ter havido apenas uma ocasião flagrante: aos 27’, uma bela jogada entre William e Bruma acabou com o tanque André Silva a ganhar nas alturas aos defesas italianos e com Bernardo, de baliza aberta, a rematar contra um adversário, que afastou em cima da linha.

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Se não deu na 1.ª parte, na 2.ª a equipa de Fernando Santos tratou do assunto. Logo aos 48’, Bruma ganhou a bola a meio campo e numa corrida desenfreada deixou a Itália completamente descompensada. O cruzamento, ainda que não perfeito, acabou nos pés de André Silva que rematou fora do alcance de Donnarumma.
O 2-0 podia ter aparecido aos 54’, com Donnarumma a esticar-se bem para afastar um remate de Bernardo. Mas o 2-0 não apareceu e daí até final Portugal foi baixando o ritmo, talvez demasiado, mas procurando sempre o contra-ataque, sem nunca se fechar lá atrás.
A Itália, se fosse a Itália de outros tempos, talvez pudesse ter aproveitado esse adormecimento de Portugal, mas, no Estádio da Luz, ficou a sensação que aquela não ida à Rússia se calhar não foi por acaso: as duas maiores estrelas da equipa neste momento são os centrais Chiellini e Bonucci - que nem sequer saíram do banco - e isso diz muito sobre o que é a seleção italiana por estes dias.
Quanto a nós, ainda há muito para trabalhar, mas o material parece bastante bom. Pouco a pouco, piano piano, este Portugal faz-se.