Rui Patrício
Tornou-se hoje, ou não, a pessoa com mais jogos oficiais pelo Sporting, dependendo de que tabela consultamos, pois neste clube não há uma única conta que seja simples de fazer. Mais importante que isso, ao minuto 54 conseguiu defender à justa um remate de Nuno André Coelho que ia entrar junto ao poste, impedindo dessa forma que se concretizasse uma operação matemática muito mais frequente e familiar, e que consiste em acrescentar um dígito ao total de vezes que o Universo decide esfregar os acidentes do passado em cheio nas nossas trombas.
Battaglia
Quase toda a gente tem um amigo que, quando lhe dizemos "ok, então depois telefona a avisar", acaba por aparecer-nos à porta de casa com o telemóvel na mão, explicando que ia a passar na vizinhança e decidiu poupar uma chamada. O que é mais raro, presumo, é ser futebolista e ter um colega de equipa cuja abordagem à troca de bola é exactamente a mesma. E no entanto aqui está Battaglia, que lá vai demonstrando, semana após semana, todas as suas limitações para a prática da actividade profissional que escolheu, ao mesmo tempo que demonstra, semana após semana, que essas limitações podem limitar tudo e todos - mas não limitam a persistência da sua transcendente utilidade. Mais do que o "novo Vidigal", Battaglia é o nosso Stephen Hawking, é a nossa Hellen Keller.
Coates
Após um excelente jogo defensivo, cometeu, a um minuto dos 90, falta para grande penalidade, porque se há coisa de que eu pesssoalmente sinto falta é de ver mais cabelos brancos quando olho para o espelho de manhã. Fica a dúvida: terá mesmo sido penalty? Eu diria que não, e como o respeito pelo princípio sagrado do segredo de justiça me impede de visionar repetições de lances polémicos, estou disposto a ir para o túmulo com esta convicção, para que os meus filhos, e os filhos dos meus filhos, possam um dia afirmar de cabeça erguida: "aqui jaz alguém que sempre disse que não era penalty naquele jogo em Chaves em 2018".
Matthieu
Episódio intrigante ao minuto 8, provando que o choque cultural imposto ao seu metabolismo pela liga portuguesa ainda não foi completamente ultrapassado: no meio-campo, fez aquilo que no seu anterior clube se chamava "um passe vertical para o Messi ou para o Iniesta", mas que no campeonato português se chama "chutar a bola com toda a força contra as pernas indefesas de um colega de equipa". São pequeninas diferenças culturais que, com o tempo, vão ajudando a mudar hábitos. Mérito para a maneira como manteve a solidez e a concentração na fase de maior sufoco. E quando digo a "fase de maior sufoco" refiro-me evidentemente a quase toda a minha vida.
Brunos Césares
Momento complicado ao minuto 11, denunciando uma das principais debilidades defensivas partilhadas por todos os Brunos Césares. Um deles viu um cruzamento largo, outro tentou fazer-se ao lance mas de costas para a bola, e um terceiro observou tudo incredulamente enquanto a bola ficou à mercê de um adversário dentro da área. A dissonância cognitiva foi demasiado intensa, e a acabaram por sair todos alguns segundos mais tarde, deixando a equipa em igualdade numérica com o Chaves durante o resto da partida.
William
Considerem os lírios do campo. Quando acabarem, considerem também o minuto 57: William recebeu a bola na linha de meio-campo, descaído para o corredor direito, e recebeu-a com o seu habitual espírito solidário de poupar sarilhos a um amigo: enquanto é ele a ter a bola, pelo menos não é o seu amigo a ter que resolver mais esse problema que tantas vezes acontece a jogadores do Sporting (passarem-lhes a bola!). O que aconteceu a seguir? William viu-se de imediato encurralado com o seu melhor pé para a linha lateral, rodeado por cinco jogadores do Chaves, sem uma única linha de passe. Dessa vez acabou por não perder a bola (conseguiu ganhar uma falta); só a perdeu quando o seu pessimismo antropológico fraquejou, e se deixou convencer que a felicidade é possível também na interacção com os outros.
Misic
Uma curiosa estreia a titular, que permitiu confirmar uma indicação que já tinha dado quando entrou para os últimos minutos em Tondela: é aquele tipo de médio (muito comum nos balcãs) com a confiante linguagem corporal de quem nunca na vida vai falhar um passe - o que torna duplamente chocante cada passe falhado. Fica para mais tarde saber se a aversão ao risco e a preocupação em não comprometer são apenas o mecanismo de auto-defesa de quem ainda agora chegou, ou se são mesmo a sua personalidade futebolística: a postura tecnocrata de quem procura despolitizar a procura de soluções, e refugiar todas as suas acções na voz passiva.
Gelson Martins
Neste período de crise de valores, quando a imprensa nacional está toda minada e entregue às exigências subterrâneas do nacional-cartilheirismo, é cada vez mais importante a qualquer profissional nesta área manter uma postura de seriedade, rigor e isenção. Só assim é possível transmitir aos portugueses a mensagem de que Gelson Martins é o melhor jogador do mundo, e merece praticar sexo com todas as vossas mães, e fazê-lo de consciência tranquila.
Bryan Ruiz
Discreto na primeira parte, em que até se destacou mais pela agressividade na disputa de bola. Subiu bastante de rendimento (e a equipa também) quando recuou uns metros no terreno depois da saída de Misic, permitindo, entre outros efeitos colaterais, que a lucidez de William tivesse finalmente outra para fazer contraponto. Na senda dos últimos jogos, mostrou mais uma vez que qualquer adepto de futebol é capaz de, ao mesmo tempo, pôr a mão na consciência e dar a mão à palmatória.
Rúben Ribeiro
Algumas pessoas, em momentos de pressão, quando a ansiedade aperta, esquecem tudo aquilo que sabem e revertem a processos mais simples, tentando fazer do nervosismo um simulacro de objectividade. Rúben Ribeiro faz o oposto: em momentos de pressão, é ainda mais Rúben Ribeiro do que já é habitualmente. As duas recepções que fez na segunda parte a passes longos vindos do outro flanco significam, entre outras coisas, que aquela bola vai ter um bebé daqui a nove meses.
Montero
Prestação meritória enquanto visiting scholar na Universidade da Manobra Ofensiva da Equipa.
Lumor
O futebolista que pretenda fazer uma má jogada não tem uma tarefa fácil pela frente: é obrigado a fechar os olhos a tudo o que a realidade lhe tenta dizer, a ignorar todas as pistas que o instinto e a memória muscular lhe gritam ser válidas, e a apostar tudo num salto no desconhecido. Deve, em suma, ser uma mistura entre eremita e místico. Este tipo de abnegação é difícil de encontrar e deve por isso ser exaltado sempre que o encontramos. Nada disto, como é óbvio, está relacionado com Lumor, que fez uma excelente exibição.
Bas Dost
Ao minuto 77, em posição de fazer o golo, falhou o remate e deu um pontapé no ar. Lance ridículo, e inadmissível num profissional de futebol. De resto, não esteve mal.
Palhinha
Entrou numa fase do jogo em que a circunstância de a isenta equipa de reportagem da Tribuna se encontrar espojada no chão de um café, encolhida em posição fetal, e a lutar contra um ataque de ansiedade que se manifestou sob a forma de soluços, dificultou sobremaneira a avaliação da sua qualidade exibicional.