“Colecionar camisolas de futebol retro virou mainstream” e há um paraíso em Manchester onde até Bernardo Silva compra presentes de Natal
11.07.2022 às 17h50
Classic Football Shirts
Em Manchester, a Classic Football Shirts contém milhares de equipamentos antigos e modernos, pedaços de memória futebolística que se integram num total de mais de 5 milhões de camisolas que a loja possui. A Tribuna Expresso teve uma visita guiada ao espaço onde a camisola com que o Corinthians homenageou Ayrton Senna, ou a que Cristiano Ronaldo vestiu na 2.ª parte do jogo de inauguração do Estádio de Alvalade, são algumas das muitas relíquias de uma tendência que tem sido impulsionada por quem era criança ou adolescente durante os anos 90
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Para o Natal, Bernardo Silva queria oferecer-se um presente. Então, o jogador do Manchester City foi até à loja da Classic Football Shirts, não muito longe de sua casa, a uns cinco minutos a pé do National Football Museum e da catedral da cidade. A oferta existente é vasta, parece quase infinita, mas o internacional português não tinha dúvidas do que queria.
James Pollitt, manager da loja, conta que Bernardo pediu uma camisola do Benfica do seu ano de nascimento, 1994, que deu à sua mãe para que esta lhe oferecesse no Natal. Uma solicitação não estranha para esta espécie de paraíso dos mantos com que os jogadores se equiparam no passado ou que usam no presente.
Numa das principais ruas comerciais de Manchester, a Classic Football Shirts não passa despercebida, com a entrada a mudar de decoração constantemente. Na tarde da nossa visita, uma camisola do Manchester United do ano do treble e outra do Manchester City da temporada 2011/12, bem como uma de Paul Gascoigne com a seleção inglesa, dão as boas-vindas. Ao entrar, o piso térreo tem pequenos postais com desenhos estilizados de Totti, Del Piero, Ronaldinho ou Adriano. E, no primeiro andar, abre-se uma espécie de jardim do Éden para os amantes do futebol.
Classic Football Shirts
Além de James, também Joshua Philips, supervisor de retalho, e Lewis Rogers, assistente de retalho, nos guiam por um mundo cheio de pedaços de tecido que nos transportam para cantos da memória. Afinal de contas, é impossível olhar para uma camisola de Zidane no Euro 2004 e não pensar no bis nos descontos à Inglaterra; ver um equipamento de Denilson com o Betis e não imaginar fintas impossíveis; dar de caras com o número 9 de Batistuta na Argentina e não ouvir o som de uma bola a perfurar redes; olhar para a camisola com que Iniesta deu o título mundial à Espanha e não ter a cabeça a gritar “Iniesta!” como Camacho fez na transmissão televisiva.
Bernardo Silva juntou-se a uma lista de futebolistas profissionais que fazem pedidos personalizados à loja. O neerlandês Memphis Depay comprou uma camisola da sua seleção do Euro 2000 com o nome do avançado inscrito, ao passo que o compatriota De Ligt adquiriu uma do Ajax, de 1996, também personalizada com o seu nome. Hector Bellerín, amante da moda, é “um dos principais clientes, com muitos pedidos de camisolas dos anos 90”, conta James.
De Ligth, com uma camisola do Ajax de 1996
Se a quantidade de camisolas expostas na loja impressiona, a totalidade dos números que nos são dados parece quase irreal.
Há 150 mil pedaços de vestes disponíveis neste espaço de Manchester, mais 150 mil exemplares no de Londres. A esta quantidade, há que somar 1 milhão só para venda na loja online e uns estratosféricos 4 milhões num armazém, totalizando 5 milhões e 300 mil camisolas nesta realidade quase inesgotável.
Se, passado este crivo, uma peça de um cliente endinheirado — já vamos aos preços — não for encontrada, há "uma rede de colecionadores e vendedores em todo o mundo que praticamente impossibilitam haver um pedido que não seja correspondido”, garante James.
Os tesouros de Portugal e a camisola de Ronaldo que “não está para venda”
Sabendo da nossa visita, a Classic Football Shirts prepara-nos várias “relíquias portuguesas”. A primeira é somente contada, e não mostrada. Trata-se da camisola usada por Cristiano Ronaldo na segunda parte do jogo de inauguração do novo Estádio de Alvalade, partida decisiva na história de ascensão do madeirense.
James mostra-nos a fotografia do exemplar, contando que esta foi recentemente “emprestada ao Manchester United para gravação de um documentário”. Mas como foi possível obter tal tesouro? “O dono da Classic Football Shirts tem muitos contactos, por já andar nisto há mais de 20 anos. Certamente conhecia alguém no balneário do Sporting ou do United e conseguiu através dessa via”, conta Joshua Philips, supervisor de retalho.
Depois segue-se uma exposição de camisolas com 20 ou 30 anos do futebol nacional: desde a do Sporting de Mário Jardel, do Benfica de João Vieira Pinto ou do FC Porto de Deco, até uma do Boavista de 1990, outra do Marítimo de 1998-99 ou do Sporting de Braga de 1996; há ainda do Belenenses de 1990-91 ou uma do Vitória com o nome de José Carlos e o número 2 nas costas.
James (esquerda da imagem), Joshua (centro) e Lewis (direita) com camisolas do Vitória, Belenenses, Marítimo, Boavista e Sporting de Braga
E quanto a preços? Uma das mais caras é, também, uma das mais procuradas. Trata-se de uma de Diego Armando Maradona do Mundial de 1994, com um preço de cerca de €591 (conversão da libra feita). Muitas das camisolas dos anos 90 rondam os €177, mas a do Boavista são uns €235, por exemplo.
Em relação à procura, James assegura que “tudo o que for de Maradona, Cristiano ou Ronaldo Nazário costuma voar”, bem como “tamanhos muito grandes e incomuns”. A camisola do Corinthians de homenagem a Ayrton Senna é, também, das mais requisitas, acrescenta Lewis Rogers, assistente de retalho.
Classic Football Shirts
Há alguns exemplares recentes em promoção, mas é rara a mais antiga que não seja inferior a uns €118. E a memória volta a pregar partidas: a de Paolo Maldini do AC Milan parece ameaçar desarmar-nos de carrinho a qualquer altura, a de David Beckham do Real Madrid quer bater um livre, a de Lionel Messi do ano da primeira Champions de Pep vai saltar, marcar de cabeça e perder o sapato.
A de Romário só está presente porque a nossa visita é de tarde, porque já sabemos que o baixinho não é amigo de acordar cedo. A de Andrei Arshavin do Zenit transporta-nos para aqueles meses de 2008 em que o russo parecia o jogador mais fascinante do mundo.








O negócio abriu em 2006, mas “teve um impulso nos últimos anos”, indica Joshua Philips, apontando duas razões para isso: “Por um lado, colecionar camisolas retro tornou-se mainstream, sobretudo porque quem era criança ou adolescente nos anos 90 é agora adulto e tem algum dinheiro para comprar coisas dos seus ídolos de infância; por outro, andar com uma camisola deixou de ser só algo que se faz para ir a um jogo e passou a ser um outfit mais comum para estar na rua”.
A transformação dos equipamentos de jogo em peça de moda casual foi muito sublinhado pelos trabalhadores da loja, que apontam o Veneza — com várias camisolas expostas no espaço dedicado a épocas mais recentes — como “clube que entendeu o potencial que há aí por explorar”. O uso que algumas celebridades, como Drake, fazem das camisolas é também indicado por Lewis Rogers como fator que ajuda a tornar in estas peças de roupa.
Os três trabalhadores da loja revelam um conhecimento quase enciclopédico de todos os detalhes das camisolas, em linha com o espírito que se respira no local. Os três “desconfiam” que há um outro cliente famoso que está prestes a tornar-se vizinho: “O Haaland publica muitas fotografias nas redes sociais com camisolas antigas, quase de certeza que nos compra a nós. Esperemos que nos visite nos próximos tempos”, deseja James sobre o recente reforço do Manchester City.