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Râguebi

Como o Benfica contratou o jogador cujo passaporte foi falsificado, excluiu a Espanha e pôs Portugal na repescagem para o Mundial de râguebi

Espanha acabou à frente de Portugal na qualificação para o Campeonato do Mundo, mas a World Rugby retirou-lhe pontos devido à utilização indevida de Gavin van den Berg. Ele nasceu na África do Sul, naturalizou-se espanhol e alinhou dois jogos do apuramento. Depois da polémica, o Benfica contratou-o e garante à Tribuna Expresso que a própria federação espanhola lhe enviou a “international clereance” para inscrever o jogador, que “foi por duas vezes ilibado” de ter participado na falsificação do seu passaporte

Diogo Pombo

Gavin van den Berg, em 2020, quando ainda jogava pelo Alcobendas, clube espanhol

Europa Press Sports

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A estadia da seleção no húmido calor do Dubai vai sendo proveitosa, sem freios aparentes, cheia de embalo pela caça que lá se persegue: 42 pontos marcados a Hong Kong, outros 85 impostos ao Quénia, duas vitórias e um rácio mais positivo do que o acumulado pelos EUA. Esse será o último adversário, na sexta-feira, vindo de uma terra onde o grosso do carinho para ovalidade desportiva está noutra modalidade, inventada por eles, contra o qual Portugal até pode empatar para garantir o regresso a um Mundial de râguebi, 16 anos volvidos.

Parte da razão para a seleção íman de elogios com velocidade contagiante em que une Rafaele Storti, Rodrigo Marta, Nuno Sousa Guedes ou Jerónimo Portela, os ameaçadores de serviço quando a equipa tem a bola e campo livre para correr, estar a forçar a derradeira porta de acesso ao torneio, está num jogador que nada tem a ver com o râguebi português. Gavin van den Berg nasceu, há 26 anos, na África do Sul, em 2018 chegou a Espanha e, três edições do calendário depois, naturalizou-se para jogar pelo país que terminaria à frente de Portugal no torneio europeu de qualificação rumo ao Mundial.

Mas, em abril, a fortuna da seleção surgiu fora de campo, já com essa fase de apuramento arrumada. A World Rugby retirou 10 pontos a Espanha como castigo pela utilização indevida de Van den Berg, após a Roménia se queixar da elegibilidade do jogador. A sanção foi a mola que projetou Portugal para o 3.º lugar, deu-lhe acesso à repescagem final onde está a jogar e soprou a origem de um furacão de polémica que chegou a ter o sul-africano naturalizado espanhol no seu olho. O descascamento do caso viraria as críticas para outros alvos e o nome do jogador manteve-se algo discreto - até agora, que o Benfica o devolveu à atividade e os espanhóis desgostaram da decisão.

No sábado, o clube perdeu (32-25) com o CDUL na 4.ª jornada do campeonato nacional e aproveitou o jogo para estrear Gavin van den Berg, o que soou as campainhas do lado de lá da fronteira ibérica. “Que coisa estranha, a sério que este tipo vai jogar? E em Portugal”, escreveu Bautista Güemes, internacional espanhol, no Twitter, antes da sua seleção defrontar a Namíbia, no mesmo. “Não conheço os detalhes, mas a minha primeira reação é de incredulidade”, reconheceu o selecionador, Santiago Santos. De críticas mais acesas se armou Fernando López, ex-capitão espanhol que jogou com Van den Berg: “Não têm vergonha em contratar um jogador assim, são tão merda como ele”.

A incredulidade dos espanhóis contrasta com normalidade da explicação do diretor técnico do râguebi do Benfica. Em resposta à Tribuna Expresso, por escrito, Rodrigo Santos Alves conta que a Federação Espanhola de Râguebi (FER) sabia da intenção do clube em contratar Gavin van den Berg, já que foi a própria a enviar a “clearance internacional” obrigatória para um jogador ser inscrito em outra federação, de outro país. “O processo só fica concluído” com esse documento e a entidade espanhola, diz o dirigente, até “demorou cerca de três semanas” a mandar o certificado que normalmente tardaria “três a quatro dias” a chegar, alegando “ter consultado os seus advogados e a World Rugby sobre esta questão”.

Com a necessária papelada em mãos, o Benfica inscreveu o jogador na Federação Portuguesa de Râguebi e integrou-o na equipa treinada por Leonard Olivier, com quem Gavin van den Berg coincidira, em 2017/18, na Agronomia. A vinda do pilar naturalizado espanhol foi uma espécie de remendo. “Tínhamos planeado a contratação de um atleta sul-africano que, à última, sofreu uma lesão e não pode vir”, resumiu o diretor técnico dos encarnados. Conhecendo “muito bem” o jogador e estando sem clube “após o sobejamente conhecido problema”, Rodrigo Santos Alves foi conversar com ele.

Questionou se “pendia” sobre Van den Berg “alguma suspensão” que pudesse impedir a contratação. Garantiu-lhe que não. Depois, enviou “uma ata” do Comité Nacional de Disciplina Desportiva, na qual “se podia ler que o processo contra o jogador está suspenso, não lhe tendo sido aplicada, nem estando em vigor” qualquer castigo.

Factualmente, a World Rugby três elementos (dois treinadores e um jogador) do Alcobendas, clube que representava, que assumiram ter-lhe falsificado o passaporte, retirou 10 pontos à seleção espanhola e nunca castigou o jogador - nem no recurso, quando não aceitou como prova os excertos de conversas de WhatsApp apresentados pela FER como indícios de que o Van den Berg teria conhecimento do forjado documento. “O atleta foi por duas vezes ilibado”, lembra o diretor técnico do Benfica.

Em outubro, tão pouco o Tribunal Arbitral do Desporto deu razão à federação espanhola. O que existe, sim, é um processo-crime a derrota na justiça do país para “aferir de quem é a responsabilidade na falsificação dos dados do passaporte” do jogador, confirma Rodrigo Santos Alves, embora, na tal ata enviada ao Benfica, o dirigente indique que o nome de Gavin van den Berg surja como “prejudicado”. À investigação que decorre no Ministério Público espanhol, a federação de râguebi do país - cuja nova direção foi eleita em julho - pediu um castigo de cinco anos para o jogador.

Portugal está a um jogo de voltar a competir num Mundial oval como seleção amadora. Se ultrapassar os EUA, na sexta-feira (15h30, Sport TV), tê-lo-á feito após o trampolim da sanção aplicada pela World Rugby a Espanha, que nem foi inédita: o país já falhara a edição anterior do torneio, em 2019, também por utilizar um jogador não elegível segundo os critérios de nacionalidade. Não sendo considerado culpado, mas tendo as miras da culpa centradas em si, Gavin van den Berg vai jogando râguebi no país que beneficiou das consequências de uma irregularidade que lhe afetou a carreira.