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A perda da inocência de Sérgio Conceição e Pinto da Costa: troca pública de recados leva a rumores da saída do treinador

Em questão de oito dias, uma aparente e rara correspondência em público de ‘bocas’ entre o técnico e o presidente do FC Porto, acentuados desde a eliminação do clube da Liga dos Campeões, terão levado Sérgio Conceição a ponderar abandonar, já durante esta paragem para jogos de seleções, o cargo que ocupa há cinco anos e meio. “TVI” e “Record” avançaram a notícia, mas “O Jogo” diz que o treinador vai trabalhar normalmente no Olival esta manhã

Diogo Pombo

Pinto da Costa a dar um aperto de mão a Sérgio Conceição, em 2017, durante a apresentação do último como novo treinador do FC Porto

MIGUEL RIOPA/Getty

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“Conquistados com o apoio de verdadeiros Portistas, com ou sem recursos.”

Aos mais distraídos e desnorteados por entre as braçadas na espuma dos dias, a partilha mui moderna de Sérgio Conceição, nas stories da sua página de Instagram, poderia só existir sorrateiramente, apenas isso. Parecer somente o enaltecimento de um elogio que lhe era feito. Cecília Pedroto, mulher do falecido José Maria Pedroto, nome do treinador que bombeia carinho nas veias dos adeptos do FC Porto, escrevera que “a história está feita” e enaltecia como “ninguém ganhou tantos títulos” como o técnico que hoje vasculariza o seu pescoço a gritar instruções para o campo. Mas tamanha inocência serviria para só rimar com a demasiada coincidência.

A escritura feita por Conceição, na tarde de terça-feira, nas redes sociais, surgiu nem 24 horas após Jorge Nuno Pinto da Costa falar num evento nada chamativo de FC Porto, mas que o presidente aproveitou para se pronunciar sobre o clube que lidera. “Não é verdade que haja falta de investimento. Comprámos o Grujic por €10 milhões, Veron por €10 milhões, David Carmo por €20 milhões e mais jogadores como Eustáquio e outros. Não houve falta de investimento”, disse, na noite de segunda-feira, quem se senta no topo de um reinado nos dragões que cumprirá 41 ininterruptos anos no próximo mês. Tão pouco o presidente seria inocente na escolha das palavras.

Essa intervenção de Pinto da Costa procedeu à eliminação do FC Porto da Liga dos Campeões, na semana passada. E, sobretudo, sucedeu aos desabafos que essa saída da competição arrancou de Sérgio Conceição, logo na conferência de imprensa realizada de fresco no Estádio do Dragão, onde a equipa não ultrapassou o Inter nos oitavos de final: “Tudo o que temos feito aqui, com 30% do plantel da equipa B, outros 40% com jogadores de equipas médias, como Paços de Ferreira, Santa Clara, Famalicão Rio Ave... E depois o meu mérito é zero. É o Otávio, é o Taremi que se atira para o chão, é o Conceição que é um arruaceiro. E daí o meu silêncio, o meu protesto. É preciso toda a gente reconhecer que o FC Porto, com aquilo que tem… Estes cinco anos e meio foram muito difíceis, com anos de fair-play financeiro, sem poder ir buscar nenhum jogador e só vender para equilibrar. É um trabalho difícil e tem sido muito pouco reconhecido.”

Recuando ao começo desta fita, compreender-se-á então a referência de Sérgio Conceição a investimento e meios disponíveis, acentuada no “com ou sem recursos” que deu o mais recente dos pontos cronológicos desta novela de oito dias - já para lá de horas habituais de jantar na terça-feira, a “TVI” e o “Record” noticiaram que o treinador, devido à troca pública de ‘mimos’ com Pinto da Costa, estaria a ponderar abandonar o clube já durante esta paragem das provas nacionais para jogos de seleções, algo que “O Jogo” desconsiderou por nem ter havido uma conversa entre técnico e presidente até ao início dessa noite.

Sejam rumores, meias-verdades ou suspeitas, tão pública e flagrante discordância entre o treinador com mais títulos (nove) e vitórias (227) pelo FC Porto que mutuamente elogiava Pinto da Costa, o mais longevo e também titulado líder da história do clube, será pelo menos um sinal de que não estará sintonizado entre ambos.

MIGUEL RIOPA/Getty

Ainda na véspera da 2.ª mão dos ‘oitavos’ contra o Inter, o presidente dizia à “Gazzetta dello Sport” que empregava “um dos melhores do futebol europeu”, com “qualidades para trabalhar em qualquer lugar, mas já no clube certo”, onde esperava “que continue”; e em dezembro, entre o Natal e a dobragem da esquina anual, Sérgio enaltecia o “trabalho notável” de Jorge “que foi ter uma região, um clube ganhador a nível nacional e mundial” e confessava como “a melhor prenda” seria o presidente continuar “a achar” que ele é “alguém importante e uma solução” para o clube continuar numa “forma muita boa”. Afinal, para os tímpanos do outro cada um não reserva apenas sinfonias.

E se no cerne do que causou o desafino destes últimos oito dias está, pelo menos publicamente, o investimento na equipa, à quezília verbal seja dado o devido contexto: durante as cinco primeiras épocas de Sérgio Conceição (entre verão de 2017 e outubro de 2022), o FC Porto teve de se conter para agradar às restrições do fair-play financeiro da UEFA, nunca podendo gastar mais do que recebia na balança dos euros. Tal implicou contenção nas contrações e gatilho fácil nas vendas, o que se comprovou pelos números - o clube usou €203 milhões na compra de futebolistas e recebeu €451 milhões com as saídas. A tudo se acrescenta não quantificável, mas visível, que foi o treinador conquistar três campeonatos e chegar duas vezes seguidos aos ‘quartos’ da Champions com inflacionando jogadores no campo acima das suas prognosticadas capacidades.

Caso a ideia de treinador e presidente fosse refugiarem-se na veracidade literal dos recados que aparentemente visaram ao outro, nenhum se poderá gabar. O “sem poder ir buscar nenhum jogador” que Sérgio Conceição aplicou aos cinco anos e meio é impreciso, bastando lembrar Luis Díaz (€7,2 milhões), Pêpê (€15,4 milhões), Éder Militão (€7 milhões), Taremi (€4,7 milhões) ou Mbemba (€4,6 milhões), gente com fartura de influência na equipa - não saberemos nós de alvos que o treinador terá querido, em certos momentos, para os quais não houve carteira ou vontade superior; ponto onde o “não é verdade que haja falta de investimento” defendido por Pinto da Costa com a enumeração das contratações desta época também entronca, porque desconhecemos que jogadores poderão ter ficado por atacar nas entrelinhas dos que foram contratados.

Inocentemente ou não, treinador e presidente meio que disseram diante toda a gente o que provavelmente já terão dito entre paredes. E a questão estará aí.